Mulheres no TC? Isabel Moreira perplexa com divisão no PS

Projetos para quotas de género do Constitucional aprovados em comissão por "unanimidade" são agora contestados por deputados socialistas que os aprovaram. Isabel Moreira está "espantada". Propostas de BE e PAN vão a votos na quarta-feira, mas arriscam chumbar.
Publicado a
Atualizado a

Junho de 2023, dia 14. Conclusão final da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre os projetos do PAN e BE: "Esta solução é simples, eficaz e nem exige uma revisão constitucional, pelo que não há razão nenhuma para que o Parlamento continue a deixar o Tribunal Constitucional de fora da agenda da igualdade de género [...] consideram-se cumpridos todos os requisitos formais, constitucionais e regimentais [...] A Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias é de parecer que os dois projetos reúnem as condições para serem apreciados e votados em plenário."

O projeto de lei do BE introduz o "critério da paridade na composição do Tribunal Constitucional". O do PAN "garante a representação equilibrada de género na composição do Tribunal Constitucional e reforça a transparência do processo de cooptação de juízes".

Os serviços da Assembleia da República (na nota técnica) e a própria deputada socialista Isabel Moreira, constitucionalista, relatora do parecer sobre os Projetos de Lei n.º 739/XV/1 (PAN) e n.º 787/XV/1 (BE), consideram que a "implementação de quotas de género de 40% da composição" do Tribunal Constitucional não viola nenhum preceito constitucional.

Nenhum deputado, de nenhum partido, questiona nada. "Aprovado por unanimidade." Todos votam a favor, incluindo Cláudia Santos, deputada do PS e vice-presidente na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, Joana Sá Pereira, coordenadora dos deputados socialistas nesta comissão, e Bruno Aragão, deputado do PS.

Só que ontem o que parecia pacífico surpreende Inês Sousa Real, líder do PAN, e Isabel Moreira, do PS: oito deputados do PS (Filipe Neto Brandão, Cláudia Santos, Sérgio Sousa Pinto, Joana Sá Pereira, Marcos Perestrello, Susana Correia, Hugo Oliveira e Bruno Aragão) anunciam, num artigo publicado no Público, que são contra a "imposição de uma quota de género" no Tribunal Constitucional porque os projetos "são inconstitucionais" e também porque, sendo "a justiça" uma das áreas "em que as mulheres mais espaço vêm alcançando", não se justifica a "necessidade de correção de resultados através da fixação de quotas".

Dizem mais: "que nem sempre a rigidez da lei é o melhor caminho para alcançar resultados que almejamos" e que "só quando não há outro remédio mobilizável é que se torna legítima a distorção da liberdade de escolha em que se traduz a instituição de quotas".

Isabel Moreira está "espantada" e "chocada" por ver que "estes autores" escreveram que "está por demonstrar que as quotas são relevantes. O que dizem no artigo [que as quotas são uma "distorção da liberdade de escolha"] é que são contra estas e quaisquer quotas".

"Está-me a ser difícil compreender isto. Está-me a escapar como é que pessoas que funcionam na mesma comissão, do mesmo partido, que têm reuniões de coordenação, nunca disseram nada. É estranho. Não houve uma palavra. A mim espanta-me a posição da Cláudia Santos e da Joana Sá Pereira, que é minha coordenadora na comissão. Desconhecia esta posição dela. Estou a saber pelos jornais a posição da coordenadora do PS na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias", confessa.

A "perplexidade" da deputada socialista, para além de considerar "este voto contra de deputados do PS estranhíssimo" quando a "tendência era para aprovação", estende-se ao "estranho raciocínio de dizerem que só há habilitação constitucional para quotas políticas".

A conclusão é só uma: "Estão a dizer que todas as quotas em vigor são inconstitucionais."

Citaçãocitacao"Este voto contra de deputados do PS é estranhíssimo".Isabel Moreira

Inês Sousa Real, que também se diz "espantada", faz precisamente a mesma leitura de Isabel Moreira: "Esta interpretação faria com que todas as leis sobre as quotas fossem declaradas inconstitucionais. Os argumentos usados [pelos oito deputados do PS] são bastante perigosos. É um retrocesso civilizacional."

A líder do PAN, que fala "numa ala conservadora do PS", recusa a tese de que a Constituição, ao impor dois requisitos para a designação de um juiz do Tribunal Constitucional - "seis deles têm de ser juízes de outros tribunais; os demais têm que ser juristas -, impeça a introdução de quotas. "Ser mulher não é um requisito, é uma condição. É absurdo o que dizem. Ainda mais num setor onde há uma grave desigualdade de género."

Elza Pais, presidente das Mulheres Socialistas e antiga secretária de Estado da Igualdade, concorda com a argumentação de Isabel Moreira e sustenta que, "se houver alguma questão relacionada com a constitucionalidade dos projetos, o Tribunal Constitucional que se pronuncie. Eu votaria a favor. E estou alinhada com muitos juristas de reconhecido mérito, nomeadamente a professora Teresa Pizarro Beleza, Helena Pereira de Melo e Teresa Violante, que consideram que não faz sentido não haver paridade no Tribunal Constitucional".

A deputada social-democrata Paula Cardoso, por seu lado, considera que os "princípios" dos projetos do BE e do PAN "estão corretos, não são questionáveis", e lembra que o Tribunal Constitucional, contrariando a argumentação dos oito deputados socialistas, "não é um tribunal como os outros, é um tribunal jurídico-político. Além de analisar questões fora do âmbito dos restantes, é preciso lembrar que 10 dos 13 juízes são nomeações políticas, são nomeações do Parlamento".

Na lista de todos os 66 juízes do Tribunal Constitucional, criado em 1983, apenas houve 15 mulheres - 22,7%. Só em 1989 uma mulher (Assunção Esteves) conseguiu chegar a juíza do Tribunal Constitucional e foram precisos quase 30 anos para uma mulher (Maria Lúcia Amaral) chegar a vice-presidente. Em 40 anos de existência nunca uma mulher ocupou o cargo de presidente do Tribunal Constitucional.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt