Sem as circunstâncias negativas que marcaram a apresentação do seu programa económico, horas após a detenção do presidente da Câmara do Funchal, Pedro Calado, numa investigação judicial a suspeitas de corrupção que também incidiu sobre o já exonerado presidente do Governo Regional da Madeira, Miguel Albuquerque, foi em clima de festa que a Aliança Democrática (AD) revelou, duas semanas mais tarde, o seu programa eleitoral, “Mudança Segura.” E com o líder da coligação, Luís Montenegro, descrito como “próximo primeiro-ministro de Portugal”, a terminar o longo discurso desta sexta-feira com a garantia de que o caminho defendido pela AD “é o que melhor serve as famílias e as empresas”..Sobre o programa com que pretende vencer as legislativas de 10 de março, Montenegro começou por salientar a “combinação de ambição com realismo” de propostas que disse contrastarem com aquilo que os concorrentes da AD - “e em especial o direto”, acrescentou, referindo-se ao PS - têm para oferecer aos eleitores. “Não aceitamos um país que está estagnado há 25 anos e a cair para a cauda da Europa por falta de coragem”, disse o presidente do PSD, responsabilizando a governação socialista pela “dramática imigração de jovens qualificados” e por “abandonar milhões na pobreza e na exclusão”..Com a Gare Marítima de Alcântara repleta de apoiantes mais ou menos mediáticos da coligação, incluindo a antiga presidente da Assembleia da República, Assunção Esteves - Pedro Passos Coelho e Paulo Portas, protagonistas da última governação de centro-direita, terminada em 2015, não compareceram, tal como o líder do PPM, Gonçalo da Câmara Pereira (ver caixa) -, Montenegro prometeu “o virar de página do desânimo e do desespero e o abrir de um tempo de esperança e de mudança”. E, citando a frase “Portugal não é isto e não tem de ser isto”, do líder histórico do PSD, Francisco Sá Carneiro, impulsionador da primeira Aliança Democrática, formado em 1979 também com CDS, PPM e independentes, deixou o mote: “Estamos aqui para fazer diferente e para fazer a diferença.”.Com esperança e crescimento a serem palavras-chave, o líder da coligação enumerou pilares do programa que incluem “uma economia produtiva e competitiva”, à baixa de impostos, à “salvação dos serviços públicos” e “garantia de resposta a todos os problemas” na Saúde, habitação, transportes, educação e Justiça, com ênfase em “objetivos ambiciosos, mas realistas”..Centrando-se em medidas dirigidas à classe média, prometendo baixar impostos para aumentar o rendimento disponível, contra o que descreveu ser “uma sociedade nivelada por baixo”, mas muito especificamente a jovens e a idosos, Montenegro acabou por fazer uma espécie de disclaimer: “Nós temos consciência de que não temos a solução para todos os problemas.”.Antes deixara alfinetadas às duas outras forças que aparecem com a AD nos lugares cimeiros das sondagens a pouco mais de um mês das legislativas. Dirigindo-se aos reformados, que têm sido e podem continuar a ser um dos principais segmentos de eleitorado do PS, disse que “muitas vezes aqueles que atiram pedras têm o maior telhado de vidro”, referindo-se a mil milhões de euros que saíram do sistema de pensões em 2022 - algo sempre contestado pelo ministro das Finanças, Fernando Medina -, “por vontade do Governo e quando havia folga no Orçamento”, sendo repostos no ano seguinte. Também disse que a “instrumentalização do Estado é uma característica dos Governos do PS”, pelo que a AD pretende “o Estado ao serviço das pessoas”, rejeitando “o Estado ao serviço de um partido”. E, vendo a corrupção como “uma chaga social e económica que não se resolve com proclamações”..Dirigindo-se ao Chega, afirmou que os dirigentes da AD são “daqueles que acreditam na dignidade da pessoa”, e no que diz respeito à imigração, fez a defesa de um “Portugal humanista, acolhedor e integrador” que tenha uma imigração regulada e atrativa para profissionais qualificados, proativa com jovens estudantes e que preveja a reunião de famílias, sendo nesse momento interrompido por palmas das centenas de apoiantes que assistiram à apresentação. “Um Portugal que não está de portas escancaradas, mas também não está de portas fechadas”, garantiu..No início da intervenção, Montenegro destacou o quinteto de principais responsáveis por um programa que disse resultar de ano e meio de trabalho, iniciado no Conselho Estratégico Nacional do PSD, liderado por Pedro Duarte. Foi o caso do vice-presidente do PSD António Leitão Amaro, do líder parlamentar social-democrata Joaquim Miranda Sarmento e do coordenador do Movimento Acreditar, Pedro Reis, tal como do vice-presidente do CDS-PP Paulo Núncio. Mas não esqueceu os “tantos e tantos independentes”, chamando-lhes “do melhor que Portugal tem”..Principais medidas do programa.Impostos a descer.Enquanto o Chega e a Iniciativa Liberal defendem a redução drástica do número de escalões de IRS, a AD pretende diminuir as taxas de todos os escalões, tirando o último, e aplicar uma taxa máxima de 15% para os rendimento de trabalho dos jovens até aos 35 anos. Fica igualmente prometida a isenção em sede de IRS sobre prémios de produtividade até ao valor de um salário mensal. O alívio fiscal destina-se, segundo Luís Montenegro, sobretudo à classe média, mas as empresas têm direito a “alívio fiscal gradual” no IRC, que se prevê baixar de 21% para 15% em três anos, ao ritmo de dois pontos percentuais por ano. Emergência na Saúde.O “programa de emergência” que Montenegro vê como a forma de “salvar o Serviço Nacional de Saúde” deve ser aprovado nos primeiros 60 dias de governação. Pretende-se a reorganização dos serviços de urgências, com a obstetrícia como prioridade. Pelo lado dos utentes, além da meta de um médico de família para todos os portugueses até ao final de 2025, a AD avança com vales para consultas e cirurgias emitidos automaticamente se o tempo de espera superar o limite. Em todas as medidas existe uma lógica de complementaridade entre setor público, privado e social. Atenção aos professores.O primeiro passo num caminho de acréscimo de avaliação que garanta maior qualidade na escola pública é a existência de provas de aferição, no 4.º e 6.º anos, em Português, em Matemática e numa disciplina rotativa. Antes, haverá acesso universal e gratuito às creches. No que toca aos professores, a AD prevê a recuperação integral do tempo de serviço, de forma progressiva, ao longo dos quatro anos da legislatura, naquilo que Luís Montenegro descreveu como “compromisso estratégico para a valorização da escola pública”. E ainda a dedução em sede de IRS das despesas com alojamento de docentes colocados em escolas a mais de 70 quilómetros do local de residência. Acesso à habitação.Entre o “conjunto muito vasto de medidas” para garantir acesso a casas “a valores comportáveis para as famílias” encontra-se a isenção de IMT (Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis) para a compra de primeira casa de jovens, bem como a existência de garantia pública da totalidade do valor das casas nos empréstimos bancários. Para aumentar a oferta, além da redução da burocracia nos licenciamentos de obras de construção ou de renovação de imóveis, promete-se “tirar partido do património imobiliário do Estado”, o que a coligação diz não ter sido feito, “inexplicavelmente”, pelos governos socialistas. Aposta na segurança.Apesar de prometer diálogo e negociação às forças de segurança, reconhecendo que “muitas das suas reivindicações são justas e legítimas”, Montenegro faz uma ressalva. “Jamais aceitaremos que se coloquem em causa a disciplina e a segurança”, disse, numa resposta às baixas de agentes da polícia que impediram eventos desportivos e a declarações polémicas que sugeriram a hipótese de o mesmo suceder no dia das eleições. Por outro lado, o líder da AD diz que os bombeiros e os elementos da Proteção Civil não serão esquecidos. Mais cultura e mecenato.Comprometendo-se com um aumento de 50% na dotação orçamental da Cultura ao longo da legislatura, Montenegro promete “reforçar e dinamizar o mecenato”, tornando-o mais atrativo para as empresas, bem como um reforço no ensino da dança, música, teatro e cinema. Garantia a pensionistas.A atualização do valor das pensões, sobretudo das mais baixas, volta a ser enunciado no programa da AD. Através do complemento solidário para idosos, Montenegro aponta para um rendimento mínimo de 820 euros até ao final da legislatura, passando para os mil euros na seguinte. Agricultura e ambiente.A dinamização da agricultura, pecuária e floresta, encaradas em conjunto, interliga-se com o reconhecimento de que “nos últimos anos o Governo falhou de forma flagrante nos apoios” aos agricultores. Também se refere a necessidade de “fazer investimentos que ficaram na gaveta” para resolver “problemas gravíssimos de escassez de água”.