Maria Carrilho. Inovadora, pioneira e fundadora da sociologia militar em Portugal

Maria Carrilho foi deputada, eurodeputada, dirigente do PS e vice-presidente do Parlamento, mas foi a vida académica que a destacou: "uma das maiores especialistas em Defesa". Morreu esta madrugada aos 78 anos.
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"Teve uma vida cheia e soube aproveitá-la, o que nem todos conseguem fazer (...) Foi uma das mulheres de maior sensibilidade e cultura artística que conheci". As palavras de António Costa, que recorda a "exilada política em Itália, durante a última fase da ditadura, que escreveu inicialmente sobre as lutas de libertação" das então colónias portuguesas, que "esteve próxima do Partido Comunista Italiano" e que em Roma, onde se "doutorou em sociologia, foi jornalista e modelo", sublinham o lado "pioneiro" de Maria Carrilho com "a sua obra sobre o papel dos militares na mudança política em Portugal".

"Fundadora da sociologia militar em Portugal", assinala Marcelo de Sousa que destaca o "percurso académico notável, aliado a uma relevante experiência política como deputada à Assembleia da República e ao Parlamento Europeu, [que] conseguiu uma articulação virtuosa entre pensamento e ação, vanguardismo analítico e coerência ideológica, em especial nas áreas a que dedicou a sua vida, a Defesa, os Negócios Estrangeiros e os Direitos Humanos".

O Presidente da República faz sobressair que "fruto desse percurso" deixou "uma obra incontornável sobre o estudo das relações civis e militares no século XX português, sobre o papel de Portugal nos sucessivos contextos internacionais, sobre o papel da mulher nas Forças Armadas, e ainda um contributo singular para uma avaliação sistemática da opinião pública às grandes questões da segurança e defesa no Portugal democrático".

Esse sinal de pioneirismo é também destacado por João Gomes Cravinho, ministro da Defesa, que elogia "a primeira mulher em Portugal a dedicar-se a temas da Defesa e das Forças Armadas. Muito respeitada academicamente, ela teve a ousadia de investigar temas que, à época, eram considerados reservados a homens, muito enriquecendo esta área de estudos".

Ferro Rodrigues, presidente da Assembleia da República, que não esquece a "forte ligação e amizade que o unia a Maria Carrilho, recorda o "longo percurso de vida dedicada à causa pública" iniciado "ainda durante a ditadura do Estado Novo e que a levou ao exílio em Itália" e lembra que "Maria Jesuína Carrilho Bernardo, era doutorada em sociologia e foi deputada à Assembleia da República nas VII e X Legislaturas, eleita nas listas do Partido Socialista, eurodeputada e presidente do Movimento Europeu".

Helena Carreiras, diretora do Instituto de Defesa Nacional, que manteve "uma longa e grande amizade" com Maria Carrilho, destaca o incontornável pioneirismo da sua professora, no ISCTE, na década de 1980. "Iniciou em Portugal os estudos sociológicos e políticos sobre os militares e sobre a relação das Forças Armadas com a sociedade civil. Saliento também o papel ao nível da entrada das mulheres nas Forças Armadas. Abordou temas que eram reserva de homens".

"Maria Carrilho esteve na oposição ao Estado Novo, foi uma lutadora e uma mulher que abriu novos horizontes", sublinha.

Professora Catedrática do ISCTE, Maria Carrilho licenciou-se em sociologia pela Universidade de Roma, tendo feito doutoramento em sociologia política pela Universidade Técnica de Lisboa, e era coordenadora do mestrado em Estudos Europeus no ISCTE. Esteve na primeira linha política com a eleição de António Guterres para o cargo de secretário-geral do PS em 1992, tendo pertencido ao Secretariado Nacional deste partido. Especialista em assuntos de Defesa Nacional e em Assuntos Europeus, foi eleita eurodeputada pelo PS em 1999, funções em que permaneceu até 2004.

Ao longo da sua vida, Maria Carrilho publicou várias obras, destacando os Novos media, novas políticas? (2002); Portugal no contexto Internacional: Opinião pública, defesa e segurança (1998); Segurança e Defesa na Opinião Pública Portuguesa (1995); Democracia e Defesa, (1994), Mulheres e Defesa Nacional, (1992); Forças Armadas e Mudança Política em Portugal no Século XX (1985); Sociologia da Negritude (este primeiro publicado em Roma em 1973); e Portogallo, La Via Militare, Milão (1975).

Aquando da publicação do seu último livro, Parceiros Desiguais, A Defesa nas Relações Europa-EUA, a conceituada especialista em questões militares, em entrevista ao DN, explicou, como é referido no texto que abre a conversa, a "complexidade por trás da NATO e como Portugal tem sabido responder ao desafio de se enquadrar no atlantismo".

"Uma mulher sempre comprometida com a Europa e com o futuro europeu de Portugal", frisa o ministro da Defesa, João Gomes Cravinho.

Maria Carrilho morreu este domingo, aos 78 anos, vítima de leucemia, no Hospital da CUF Tejo onde se encontrava internada.

Com Lusa

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