Investimento em ciberdefesa falha primeiro ano de orçamento
O Estado-Maior-General das Forças Armadas não executou o investimento previsto em 2022 para capacitar o centro de ciberdefesa. Os 1,6 milhões de euros transitam para 2023, mas a mobilização de recursos humanos para este projeto não está em linha com a prioridade assumida. É "imperativo proceder à contratação de serviços", disse a ministra Helena Carreiras em agosto de 2022
Num ano em que a Defesa Nacional foi alvo de, pelo menos, dois graves ciberataques - um deles detetado pelas autoridades norte-americanas no qual terão sido exfiltrados documentos classificados NATO e colocados na Darkweb - a ministra da tutela, Helena Carreiras, não conseguiu ver executado o orçamento previsto para reforçar a capacidade e qualificação de recursos humanos para o Centro de Ciberdefesa, que deve defender todas as redes informáticas das Forças Armadas e do Ministério.
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Em agosto de 2022, o ministério da Defesa Nacional (MDN) autorizou uma despesa de 11,5 milhões de euros (+IVA) até 2030 para "contratação de serviços de formação e consultoria adequados a fim de garantir a qualificação dos recursos humanos afetos à ciberdefesa nacional".
Seria o primeiro passo para a capacitação de quadros militares na área da ciberdefesa, uma medida que, neste despacho, Helena Carreiras considerava um "imperativo" a fim de assegurar "a qualificação dos recursos humanos afetos à ciberdefesa nacional, garantindo a capacidade de realizar todo o espetro de operações militares no, e através do, ciberespaço de interesse nacional assegurando a sua defesa e a salvaguarda da soberania nacional".
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Para o ano passado estavam previstos 1,65 milhões de euros, mas o plano não avançou, apesar da prioridade assumida pela governante. Numa audição no parlamento, em outubro passado, Helena Carreiras salientou que "a segurança cibernética de qualquer organização e a sua capacidade de atuação dependem em primeira linha dos seus recursos humanos", considerando "da maior importância (...) dinamizar os instrumentos formativos essenciais à qualificação".
Recorde-se que, conforme o Expresso noticiou e a titular da pasta terá confirmado nesta audiência, segundo o mesmo jornal, o Centro de Ciberdefesa está muito aquém das necessidades em termos qualitativos e quantitativos: nesta altura havia cerca de 40 militares destacados, quando nesse ano já deviam ser 90, com um objetivo de atingir 250 em 2026.
O processo para a contratação de uma empresa especializada em formação de ciberdefesa começou no início de 2020 e já esteve em vias de ser consumado há vários meses, por ajuste direto, justificado pela urgência e tendo em conta a matéria sensível em causa.
De acordo com fontes que têm acompanhado o processo, uma empresa israelita certificada pela Agência estatal de cibersegurança de topo já teria sido contactada.
Contudo, de acordo com informação já publicada pelo DN, também em outubro, foi depois decidido fazer um procedimento concursal com "consulta prévia" a três empresas, estando nessa altura identificadas empresas israelitas, americanas e de Singapura.
No parlamento Helena Carreiras foi confrontada com este atraso, mas não respondeu ao deputado do PSD que a questionava, nem ao DN.
Procedimento contratual ainda em análise
Passados cinco meses e indagado de novo o gabinete da ministra da Defesa sobre o ponto de situação da "Escola de Ciberdefesa", o porta-voz remete agora para o Estado-Maior-General das Forças Armadas (EMGFA).
Por seu lado, o EMGFA, comandado agora pelo General Nunes Fonseca, confirma que a "contratação de serviços de formação e consultoria especializados em ciberdefesa e na condução de operações no ciberespaço foram iniciados em outubro" com os "procedimentos pré-contratuais".
Contudo, assinala também que ainda não foi sequer decidido o procedimento contratual. "Este é um processo aquisitivo que envolve matéria classificada e de elevada complexidade técnica, pelo que se encontra em análise a definição do procedimento contratual a adotar".
Quanto ao valor de 1,65 milhões que estava previsto executar em 2022, o porta-voz do Chefe de Estado-Maior-General das Forças Armadas diz que "tratando-se de um investimento a suportar no âmbito da Lei de Programação Militar o mesmo foi reprogramado para os anos seguintes, mantendo-se o horizonte temporal definido para a edificação desta capacidade".
Acresce a este atraso um outro, que preocupa igualmente todos os que trabalham nesta área cuja "prioridade" cresceu ainda mais com o atual contexto geopolítico - invasão russa da Ucrânia, com Moscovo a retaliar também no ciberespaço contra os aliados NATO, e a "guerra" tecnológica entre os Estados Unidos e a China.
Estavam previstas novas instalações para esta "Ciber Escola", com uma ampliação do atual Centro Nacional de Ciberdefesa, localizado no edifício do EMGFA e do MDN, primeiro num espaço externo das Forças Armadas, e depois no local atual (mas na área da Polícia Judiciária Militar). Porém, ainda nem o projeto de engenharia terá sido ainda tratado, que exige também concurso.
Claramente que a mobilização de recursos para este projeto não está em linha com a prioridade assumida pelos mais altos responsáveis.
Também o ex-CEMGFA, Almirante Silva Ribeiro, num documento escreveu em junho de 2022, na sua "Visão Estratégica para as Forças Armadas Portuguesas", assumiu que "é fundamental implementar o Comando de Operações de Ciberdefesa, para, sob autoridade de coordenação do Comando Conjunto para as Operações Militares, efetuar operações no e através do ciberespaço, em apoio a objetivos militares, garantindo a liberdade de ação das Forças Armadas neste domínio".
Para isso, salientava já o Almirante, "urge edificar a Escola de Ciberdefesa, um projeto inovador que visa consubstanciar uma solução de futuro, sustentável, capaz de responder ao problema de escassez de recursos humanos qualificados".
Recorde-se que em 2021, a execução orçamental para ciberdefesa, no âmbito da LPM, ficou apenas nos 27%. Até 2030 estava previsto gastar cerca de 45, 5 milhões (perto de 3,8 milhões por ano que deviam ter sido gastos desde 2019), valor esse que na revisão deste diploma proposto pelo governo nesta semana sobe para mais de 70 milhões, para o período entre 2023 e 2034 (média anual de 5,8 milhões).
Em 2020, numa reportagem feita pelo DN no Centro de Ciberdefesa, criado em 2015, estava planeado que a equipa em 2023 tivesse 10 vezes mais "ciber-soldados".
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