Fraude nos fundos europeus. Portugal entre os bons alunos

Luta antifraude é bandeira de Bruxelas, que alocou 181 milhões para "apoiar os Estados membros no combate à fraude, à corrupção e a outras irregularidades que afetam o orçamento da UE". Em Portugal, nos últimos anos, o conjunto de fraudes detetadas com fundos comunitários ronda 2,3 mil milhões de euros - muito abaixo da média.
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Portugal é um dos cumpridores. Um dos que não registam muitos casos de fraude relacionados com fundos europeus - abaixo da média europeia, que se fixa nos 0,75%. Esta é a avaliação da Comissão Europeia e das entidades de luta antifraude. No entanto, o montante que deverá chegar ao nosso país nos próximos anos é muito elevado. E o dinheiro traz responsabilidade.

Para já foram designadas cinco entidades fiscalizadoras e elaborou-se um Plano Nacional de Luta Antifraude. Será suficiente para travar maus usos?

133,7 mil milhões de euros. Este é o montante que Portugal irá receber, até 2029, em fundos europeus. Valores que têm de ser executados e fiscalizados. Porque qualquer fraude, por muito pequena que seja, implica a perda de milhões de euros. E o Tribunal de Contas é uma peça fundamental nesse controlo. Neste momento, "o tribunal tem em fase de conclusão uma auditoria sobre a execução do Quadro Financeiro Plurianual 2014-2020", diz ao DN a instituição fiscalizadora. E assegura que "continuará a desenvolver as suas ações no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência e do novo Quadro Financeiro Plurianual 2021-2027".

Trabalho contínuo e uma das bandeiras da Comissão Europeia, a luta antifraude deu já origem a diversos mecanismos com o intuito de assegurar que o dinheiro disponível nos próximos fundos está protegido contra qualquer tipo de ações ilícitas. Só para se ter uma ideia da importância do tema, a Comissão alocou, para o período 2021-2027, 181 milhões de euros para "apoiar os esforços dos Estados membros no sentido do combate à fraude, à corrupção e a outras irregularidades que afetam o orçamento da União Europeia". Este escrutínio tende a aumentar. Essa é a opinião de Elisa Ferreira, emitida no final do ano passado e reforçada em junho deste ano. A eurodeputada e comissária europeia da Coesão e Reformas garante que Bruxelas tem tolerância zero para fraudes com fundos. Mais dinheiro traz mais responsabilidade. Esta foi a ideia que tentou transmitir, acrescentando, no entanto, que as situações de fraude conhecidas no passado não chegam a 1% dos casos.

E Portugal? É um país cumpridor? Que imagem tem o país junto de organizações como o Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF)? A ideia generalizada é que Portugal está bem posicionado, ou pelo menos não é dos mais incumpridores. Conforme refere Dário Gaspar, manager da We Incentivos, Portugal até tem uma boa taxa de execução dos fundos comunitários, mas normalmente tende a correr atrás do prejuízo quando se aproxima o final do ciclo. Já António Costa, em junho, na sessão de abertura da conferência "Fundos Europeus: gestão, controlo e responsabilidade", afirmou que "Portugal tem um historial de bom aproveitamento dos fundos, com elevado impacto económico e baixos níveis de fraude e de irregularidades". Na ocasião, o primeiro-ministro elucidou sobre a importância desta fonte de financiamento, afirmando que sem ela o produto interno bruto (PIB) nacional seria 1,9 pontos inferior.

Esta perceção de país cumpridor é consolidada pelos documentos emitidos pela Comissão Europeia. O relatório da OLAF sobre 2020 reporta apenas um incidente com Portugal (Itália é campeã com 13 casos). O mesmo relatório dá outro dado importante. Na análise da deteção de irregularidades pelo Estado membro / OLAF e o seu impacto financeiro na área de Recursos Próprios Tradicionais para o período 2016-2020 verificou-se o registo de 129 irregularidades fraudulentas e não fraudulentas em Portugal com um impacto financeiro de 2,29%. Parece muito... até o compararmos, por exemplo, com Espanha (1554 casos; 2,08% de impacto). Mas talvez seja mais interessante a comparação com a Grécia que, apesar de só ter registado 277 casos, estes tiveram um impacto de 4,37%, o mais alto da tabela.

No dia 20 de setembro, a Comissão emitiu um documento em que abordava as áreas de combate levadas a cabo pelos Estados membros, apontando que, no ano passado foi dedicada especial atenção às estratégias antifraude e a incidentes de conflitos de interesse. Portugal, tal como a maioria dos países, registou três medidas que incidiram nas áreas de public procurement (uma) e crime financeiro. Aliás, Portugal foi um dos 14 que reportaram, até ao fim do ano passado, já ter adotado uma estratégia nacional antifraude - até à data da emissão do documento, porém, a Comissão não recebeu formalmente a comunicação dessa adoção.

Especificamente para os fundos que aí vêm, Portugal definiu cinco entidades fiscalizadoras da gestão e execução: a Agência para o Desenvolvimento e Coesão (AD&C), a Inspeção-Geral de Finanças, a Polícia Judiciária, o Departamento Central de Investigação e Ação Penal e o Tribunal de Contas. Será esta a estratégia correta? Não deveria estar tudo centralizado numa única entidade? Dário Gaspar acredita que ao menos devia criar-se uma entidade centralizadora ou mesmo agregadora destas entidades de acompanhamento e fiscalização, igualmente com a função específica destinada ao acompanhamento da atribuição e execução dos fundos comunitários e em total sincronização com o Portal da Transparência, que deveria estar sempre atualizado. "Um controlo apertado é imperativo para seguir o maior pacote financeiro de sempre da história dos fundos comunitários", afirma.

Seja como for, o que interessa é que a gestão e execução dos fundos que deverão chegar nos próximos anos seja feita atempadamente, "não deixando para o último ano de execução dos quadros comunitários uma grande fatia de investimento por realizar".

Que riscos reais existem relacionados com os fundos europeus? Helena Abreu Lopes, juíza conselheira do Tribunal de Contas de Portugal, titular da Área dos Fundos Europeus, Ambiente e Recursos Naturais, foi especialmente sintética. Na sua exposição, em junho, afirmava que começa no risco de não se conseguir fazer a absorção total dos fundos. Isto porque Portugal tem, tradicionalmente, um baixo nível - ou mais precisamente um ritmo lento - de execução. Já Dário Gaspar defende que era útil haver mecanismos de agilização de processos e desburocratização da informação em candidaturas a sistemas de incentivos, visando a célere e eficiente execução dos fundos europeus. "Constituir uma estrutura que permitisse às empresas saber quais os sistemas de incentivos que irão sair e poder preparar os seus projetos atempadamente, mas uma estrutura que realmente fosse coerente e sem falhas, como aconteceu com o Portugal 2020", refere, acrescentando que também poderia, à semelhança do Horizonte Europa, haver calls em contínuo com avaliação por ordem de chegada e onde fossem cumpridos os prazos de análise.

Há ainda um ponto essencial. Os reembolsos. Para que os pedidos de reembolso e respetivos pagamentos às empresas ocorram é preciso que "os organismos intermédios sejam dotados de recursos para poder fazer análises" desses pedidos e seguir com os processos. "Uma maior percentagem de adiantamento de incentivos permitirá igualmente às empresas melhor margem de gestão de tesouraria para iniciar investimentos elegíveis de projetos", diz o manager da We Incentivos.

A luta antifraude é uma das bandeiras da Comissão Europeia e que se substancia no valor atribuído aos vários organismos europeus que atuam nessa matéria. No caso de Portugal, nos últimos anos, o conjunto de fraudes detetadas com fundos comunitários ronda os 2,3 mil milhões de euros.

Um valor elevado, dirão alguns, mas relativamente baixo quando comparado com outros países europeus. O que não significa que estes casos não devam ser "atacados". Mesmo porque nos últimos tempos têm surgido notícias de casos de fraude relacionados com fundos europeus. No início do ano, por exemplo, o Tribunal de Coimbra condenou um empresário a seis anos de prisão por fraude com fundos europeus e insolvência dolosa de uma empresa de impressoras que lesou o Estado em mais de meio milhão de euros. E, no final do ano passado, a PJ fez 70 buscas no norte do país para investigar uma possível fraude na obtenção de fundos europeus.

Todos estes casos levaram a que o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) criasse um grupo de reflexão (think tank), com vista a desenvolver estratégias de prevenção e combate a fraudes com fundos europeus. Nos próximos dois anos, o grupo terá como objetivo identificar áreas de elevado risco de comportamentos fraudulentos; definir linhas orientadoras de prevenção de fraude na gestão e controlo de fundos europeus; e implementar metodologias de ação ajustadas a comportamentos fraudulentos identificados.

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