Uma carrinha mercedes faz marcha à ré no parque de estacionamento do restaurante "Celeste Russa", e espera pelo passageiro, enquanto este se despede da própria dona, à porta. O passageiro é Pedro Santana Lopes, que desde há uma semana colocou a Figueira na moda, a avaliar pelos jornais e revistas. Esta não é, de todo, a mesma Figueira da Foz cuja Câmara ganhou, há 24 anos, então com as cores do PSD, quando não havia ainda redes sociais. É a essas que agora se agarra, em tons de vermelho e amarelo. Nada de laranja, um quase despercebido toque de azul-claro, a cor do partido que fundou (Aliança), sem sucesso. Santana aparece agora alavancado pelo movimento independente "Figueira a Primeira", criado por vários apoiantes da figura do ex-autarca e ex-primeiro-ministro, liderados por Bruno Pais de Menezes, um jovem consultor que vem da JSD..Era com ele que o DN tinha marcado uma entrevista, na manhã de sábado, mas o mentor do movimento não apareceu, nem atendeu o telefone, respondendo por mensagem que tivera um "contratempo pessoal". À mesma hora, combinava com apoiantes uma ida à pitoresca Rua dos Pescadores, em Buarcos, a poucos metros do restaurante onde afinal acabamos por encontrar o candidato. Ali, nas esplanadas, à hora da bica, ninguém parece saber que daqui por uma ou duas horas há de passar o candidato. Há algum entusiasmo com este regresso, "porque o Santana é o Santana", diz ao DN Carlos Pontes, reformado, numa mesa que divide com os amigos Manuel Marques e Gustavo Crespo, todos na casa dos 60. "É verdade que deixou aí dívidas mas também fez muita obra. E a malta fazia muito negócio", sustenta, aludindo ao tempo em que a Figueira "era uma festa". Agora continua a fazer [negócio], mas entretanto a pandemia fez esquecer a abastança de outros verões..Mesmo em dia nublado, a marginal continua bastante movimentada, as esplanadas também. Já é meio da tarde quando Pedro Santana Lopes sai do restaurante, ao lado da amiga Celeste Russa. Saberemos mais tarde que almoçou "dois pratos de canja", pois "ti Celeste" não quer "que ele ande aí a passar mal, a comer sandes", já que apesar de mudado a residência para a Figueira (usando a morada de amigos) continua alojado num hotel..O candidato diz ao DN que ainda está na fase de estudar e inteirar-se "dos diversos assuntos", mesmo que nunca tenha deixado de frequentar a Figueira. "Tenho esse defeito de dizer o que penso e o que sinto", sublinha, e por isso está convencido que terá sido essa uma das razões que levaram as estruturas locais do PSD a optar por Pedro Machado, presidente do Turismo do Centro, como candidato à Câmara, em vez dele. Mesmo sabendo que havia militantes defensores de um regresso, está para se ver se em menor ou maior número que aqueles que alinham num discurso avesso a esse "sebastianismo", como lhe chama Isabel João Brites, figura bem conhecida na terra.."Desta vez o desafio é acabar com este marasmo", revela Pedro Santana Lopes, insistindo na ideia de que não veio "para dizer mal de ninguém". Diz que está a perceber "que obras deveriam ter sido feitas nestes 20 anos". E afinal, o que responde a quem lhe aponta como defeito ter deixado a Figueira endividada? "A boa gestão é fazer o que eu fiz! Não podia desperdiçar os fundos comunitários, por isso a Câmara também tinha que investir. Além disso eu sempre pensava fazer um segundo mandato, e o que tinha em mente ia gerar receita que pagaria isso tudo. Mas fui chamado para a Câmara de Lisboa entretanto", justifica..Pela Figueira as opiniões divergem. Se há quem regozije com o regresso do ex-autarca, outros há - nomeadamente entre os notáveis do PSD - que não veem com bons olhos esta nova corrida, mesmo que não termine em nova viagem. É o caso de Joaquim de Sousa, presidente do município no início dos anos 80, mais tarde deputado pelo PSD na Assembleia da República, pelo distrito de Coimbra. Citado pelo Observador, em fevereiro, a propósito da escolha de Pedro Machado para cabeça de lista, o antigo autarca lembrava que a autarquia andou "20 anos a pagar a dívida que ele deixou". Aos 84 anos, Joaquim de Sousa mantém-se tão lúcido quanto crítico do Santanismo na Figueira. No livro de memórias publicado em 2018 - "Figueira da Foz. Memória de um mandato e os anos perdidos" - apelida o período liderado por Santana Lopes como "reinado do efémero", com "anos de facilidades, bastante ao gosto popular, em a Figueira foi posta no mapa à custa de uma grande despesa improdutiva"..Na sede da Associação das Coletividades do Concelho da Figueira da Foz (ACCFF), uma fotografia autografa por Santana Lopes regista a memória do tempo que se seguiu. "Aqui ele já não era presidente da Câmara, salvo erro já estava no Governo, depois de deixar a Câmara de Lisboa, para onde foi a seguir", recorda o presidente, António Rafael. O retrato mostra Santana rodeado de dezenas de presidentes de coletividades figueirenses, na Assembleia da República. António Rafael, que leva meio século de associativismo, desde o Grupo Recreativo Vilaverdense, também lá está..E a imagem remete-o para um tempo em que "a Figueira estava num marasmo e ele [Santana]conseguiu dar a volta a isto, desbloquear uma série de coisas". Não fala apenas do registo festivo, mas também de outras obras estruturantes, como o saneamento básico, construção de pavilhões desportivos, ou mesmo a criação do CAE - Centro de Artes e Espetáculos - uma das bandeiras de Pedro Santana Lopes. "Não imagina o orgulho que me dá quando vejo anunciados em cartaz alguns artistas nacionais e estrangeiros, que vêm a Lisboa, Porto e Figueira da Foz", afirma ao DN o ex-autarca..António Rafael tem para si que "o PSD fez mal em rejeitá-lo", em memória de um tempo em que a Figueira "desenvolveu muito", apesar de sublinhar o exagero: "era foguetes todos os dias". Porém, acredita que os próximos meses vão fazer destas eleições as mais disputadas de sempre: porque "o atual presidente também tem uma excelente relação com as coletividades e, e além disso hoje o tempo é outro"..Quando Santana Lopes chegou à Figueira, em 1997, ganhou a Câmara com 60% dos votos. "Praticamente foi-lhe estendida uma passadeira vermelha", considera Isabel João Brites, proprietária do restaurante O Picadeiro, em pleno Bairro Novo. Por ali passa ainda muita discussão política e económica local, e por ali já passou também Pedro Santana Lopes, neste regresso. Mas Isabel já declarara apoio a Pedro Machado, e desta vez, ao contrário do que aconteceu há 24 anos, não está ao lado do mediático político.."Para mim não foi uma completa surpresa, este regresso. Julgo que ele andava a preparar-se há algum tempo. É claro que não é impossível ele ganhar, mas é difícil", considera..A cara de Pedro Machado está espalhada por toda a parte na cidade, em cartazes gigantes que ocupam as rotundas. O candidato do PSD aponta baterias ao turismo (onde tem mais créditos) mas também à mobilidade e à criação de postos de trabalho. A par dessa candidatura está também lançada a do CDS, através de Miguel Mattos Chaves. Na verdade, é uma recandidatura, já que o professor universitário (e membro da nacional do partido) já encabeçou a lista nas autárquicas de 2017, embora tenha falhado a eleição..O panorama político da Figueira da Foz é um desafio de dimensões consideráveis quando se olha para atual composição do executivo: em 9 vereadores o PS tem 6. Os restantes três foram ganhos pelo PSD, mas desses, dois deles são agora independentes, depois do partido lhes ter retirado a confiança política, em 2019: Carlos Tenreiro (que foi cabeça de lista) e Miguel Babo. Ricardo Silva, o atual presidente da comissão política concelhia, também é vereador. De resto, em 14 juntas de freguesia, ao PS está no executivo de 13..O atual presidente da Câmara é Carlos Monteiro, 58 anos, um professor de biologia que substituiu no cargo João Ataíde (falecido em fevereiro 2020, vítima de doença súbita), quando este foi chamado a desempenhar funções de Secretário de Estado do Ambiente, em 2019. De modo que esta será a primeira vez que vai encabeçar a lista socialista à Câmara, num concelho em que o PS lidera.."Não me faz diferença nenhuma. O Santana Lopes é um candidato como outro qualquer", afirma ao DN, no final de um almoço de sardinha assada que marcou o arranque da época piscatória - e onde os dois Pedros candidatos marcaram presença, na segunda-feira. "Recebi esta notícia como recebi a do Pedro Machado, ou de outro candidato qualquer", acrescenta o autarca, que olha para a (sua) Figueira, onde nasceu e sempre viveu, como "uma cidade e um concelho bem diferentes do que eram há 20 anos, quando ele cá esteve"..O autarca elenca um conjunto de áreas que lhe parecem, à data de hoje, substancialmente diferentes: o parque escolar, os cuidados de saúde primários, as vias rodoviárias, os equipamentos desportivos, a aquisição de vários edifícios públicos. "E ao mesmo tempo foi possível pagar um montante muito significativo de uma dívida que herdámos em 2009", sublinha Carlos Monteiro. Nesse ano, quando o PS voltou à Câmara, a dívida do município ascendia a 92 milhões de euros. Nestes três mandatos terá reduzido para "menos de 30 milhões", adianta o autarca socialista, que se orgulha de ter conseguido "simultaneamente dar mais qualidade de vida a quem vive na Figueira e a quem nos visita". "Muito mais poderia ter sido feito se não houvesse este constrangimento orçamental. Recordo-me que o primeiro mandato foi muito difícil, porque além de termos uma dívida grande, tínhamos dificuldade em conseguir quem quisesse trabalhar para a Câmara". Nessa altura, em 2009, o prazo médio de pagamento era na ordem dos 240 dias, hoje andará nos 60..Carlos Monteiro tem apreciado as incursões de Santana Lopes pela Figueira da Foz, divulgadas em vídeos curtos, de poucos segundos, na página do movimento Figueira a Primeira. "Gosto de o ver a experimentar as nossas bicicletas elétricas, a passear nas ruas de Quiaios", afirma o candidato do PS, que tolera até a expressão "tirar a Figueira do Marasmo", porque está convencido que "ele não conhece ainda o concelho e as mudanças que aqui ocorreram desde que se foi embora"..O atual presidente da Câmara parte para estas eleições convencido da maioria absoluta: "Credibilizámos a atividade política e o funcionamento da Câmara. Somos o concelho mais industrializado da região. Os lotes da zona industrial estão todos vendidos. Estamos agora a fazer um alargamento de 20 hectares. Se queremos falar de modernidade, estamos a lançar o concurso para um sistema de iluminação pública dos mais modernos do país". E tem fé nos eleitores. Em setembro, logo se faz o balanço desta peculiar época balnear..Além de Pedro Santana Lopes (independente) e Carlos Monteiro (PS), concorrem à Câmara da Figueira da Foz Pedro Machado (PSD)Miguel Mattos Chaves (CDS-PP), João Paulo Domingues (Chega), Rui Curado da Silva (BE) e Bernardo Reis (CDU).