Eutanásia sem doença fatal. PS passa ao lado de reparos de Belém
Socialistas apresentaram novo projeto de lei sobre a morte medicamente assistida, que deverá ir a votos em junho. Iniciativa Liberal e PAN também vão reapresentar propostas.
O PS apresentou ontem um novo projeto de lei sobre a morte medicamente assistida em que já não consta a expressão "doença fatal", deixando claro que esta não é uma condição absoluta para aceder à eutanásia. Numa alteração ao texto que foi vetado por Marcelo Rebelo de Sousa em novembro, os socialistas uniformizam a expressão "doença grave e incurável" como condição de acesso à morte medicamente assistida, definida como "doença que ameaça a vida, em fase avançada e progressiva, incurável e irreversível, que origina sofrimento de grande intensidade". Também a "lesão definitiva de gravidade extrema" - conceito que se mantém inalterado - permite aceder à morte medicamente assistida. Sem doença fatal.
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Embora seja cirúrgica, a alteração acaba por sublinhar aquilo que Marcelo Rebelo de Sousa designou, no veto político de novembro, como a "solução mais drástica e radical". A possibilidade de recurso à morte medicamente assistida sem ser estritamente em casos de doença fatal tem sido o grande polo de discórdia entre os deputados favoráveis à despenalização e o Presidente da República.
Na mensagem que dirigiu à Assembleia da República em novembro, o chefe do Estado fundamentou o veto político em dois pontos. Por um lado a confusão de conceitos, dado que o texto falava alternadamente em "doença incurável e fatal", "doença grave ou incurável" e "doença grave e incurável". Mas havia um segundo reparo, que Belém qualificou mesmo como uma "questão mais substancial". "Admitamos que a Assembleia da República quer mesmo optar por renunciar à exigência de a doença ser fatal, e, portanto, ampliar a permissão da morte medicamente assistida, ou seja, do suicídio medicamente assistido e da eutanásia", escreveu então Marcelo, questionando: "Corresponde tal visão mais radical ou drástica ao sentimento dominante na sociedade portuguesa?". "Ou, por outras palavras: o que justifica, em termos desse sentimento social dominante no nosso país, que não existisse em fevereiro de 2021, na primeira versão da lei, e já exista em novembro de 2021, na sua segunda versão? O passo dado em Espanha?", perguntava ainda o chefe do Estado.
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Logo na altura a generalidade dos partidos (o texto que então chegou a Belém era da iniciativa conjunta do PS, PE, PAN, Il e os Verdes) contestou a leitura presidencial de que o projeto ampliava o leque de situações para pedir a morte medicamente assistida face à primeira formulação do texto, que tinha sido chumbada em março de 2021 pelo Tribunal Constitucional (por razões distintas, que não se prendiam com este ponto em particular).
Os vários partidos alegaram então que o diploma sempre admitiu a morte medicamente assistida em casos de "lesão definitiva de gravidade extrema" - sem implicar doença fatal, dado que não se tratava de uma exigência cumulativa. O efeito prático deste artigo é que abre as portas da morte medicamente assistida a casos como o do espanhol Ramón Sampedro ou do português Luís Marques, ambos tetraplégicos, mas não com uma doença que possa ser qualificada como fatal.
IL e PAN também vão a jogo
Ontem, em conferência de imprensa na Assembleia da República, o líder parlamentar socialista, Eurico Brilhante Dias, anunciou que vai pedir o agendamento do projeto logo a seguir à discussão do Orçamento do Estado para 2022, que termina no final de maio, esperando finalizar todo o processo legislativo até setembro. Nesta altura também o BE já apresentou novo projeto de lei, igualmente com alterações mínimas face ao texto anterior. Dos restantes proponentes do texto anterior, IL e PAN adiantaram ontem ao DN que vão também reapresentar projetos.
Ontem, Eurico Brilhante Dias disse assumir o compromisso político de que este seja um processo "inclusivo", aberto a "todos os deputados e grupos parlamentares que se queiram "associar". O líder parlamentar do PS referiu também que a morte medicamente assistida teve já um "alargadíssimo processo de auscultação da sociedade civil", o que poderá contribuir agora para uma maior rapidez de todo o processo legislativo.
Já a deputada socialista Isabel Moreira, que tem sido um dos principais rostos deste diploma, sustentou que o texto agora apresentado "não tem nenhuma inovação" em relação ao anterior, aprovado por uma "larguíssima maioria na Assembleia da República": "Aquilo que foi feito foi clarificar o conceito que, do nosso ponto de vista, responde cabalmente às dúvidas formais levantadas pelo Presidente da República que é o conceito de doença grave e incurável".
Com o reinício do processo legislativo, o Presidente da República mantém o poder de promulgar, vetar politicamente ou reenviar o diploma para o Tribunal Constitucional.
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