Insuspeito de ser marxista, Luís Montenegro quer contrariar uma das máximas do pensador germânico, apropriada ao filósofo Hegel. “A história repete-se sempre, pelo menos duas vezes. A primeira vez como tragédia, a segunda como farsa”, escreveu Marx, sobre o golpe de Estado com que Luís Bonaparte, eleito presidente da República Francesa, seguiu o exemplo do tio e se tornou o imperador Napoleão III. Já o primeiro-ministro, que tem a mais curta maioria parlamentar desde a obtida por Cavaco Silva nas Legislativas de 1985, faz tudo para que o seu Executivo não repita as sucessivas remodelações do anterior, com António Costa a perder dois ministros e dez secretários de Estado antes do primeiro aniversário..Mas nem por isso Hegel e Marx deixam de ter razão. Afinal, os dois ministros do atual Governo que têm enfrentado maior pressão, ainda que não sejam os únicos debaixo de fogo, são os titulares das pastas da Saúde e das Infraestruturas, Ana Paula Martins e Miguel Pinto Luz. E os dois ministros que duraram menos de um ano no anterior Executivo foram justamente os responsáveis pela Saúde e pelas Infraestruturas, Marta Temido e Pedro Nuno Santos, com a diferença de que ambos já tinham extenso currículo noutros dois Governos de António Costa, com a primeira a liderar a resposta à pandemia de covid-19 e o segundo a delinear o apoio estatal de 3,2 mil milhões de euros à TAP, após ter sido o articulador da geringonça que permitiu ao PS governar com apoio da esquerda entre 2015 e 2019..Olhando para a governante que mais tem carecido de apoio de Luís Montenegro - daquele respaldo de que António Costa tanto falava - nestes cinco meses de governação, Ana Paula Martins tem sido o rosto de uma realidade sentida por muitos milhares de portugueses, com o encerramento de Urgências a demonstrar que o SNS mantém fragilidades que não se resolvem com o programa de emergência brandido pela AD na campanha eleitoral. Mas o desgaste da ministra junto de utentes e profissionais não se compara ao que levou à saída de Marta Temido, subitamente no verão de 2022, pela ausência de uma tragédia comparável à da morte de uma grávida que estava a ser transportada entre dois hospitais lisboetas..E também Miguel Pinto Luz, cujo peso político no PSD é inegável, embora distante de equivaler ao que Pedro Nuno Santos tinha no PS antes de ser secretário-geral, tem enfrentado turbulência quase desde que entrou no Ministério das Infraestruturas, estando há pouco mais de uma semana no cargo quando se declarou “completamente tranquilo” face às buscas da PJ na Câmara de Cascais, da qual o social-democrata foi vice-presidente, devido a suspeitas relacionadas com uma fábrica de máscaras cirúrgicas durante a pandemia..O episódio mais recente, que forçou o primeiro-ministro a dizer que vê Pinto Luz “fortalecido pelo excelente trabalho que tem feito”, foi o relatório da Inspeção-Geral das Finanças sobre a privatização da TAP. Uma operação que essa entidade entende dever ser investigada pelo Ministério Público, pelo alegado aproveitamento pelos compradores de um acordo com a Airbus, quando o agora ministro era secretário de Estado das Infraestruturas no efémero segundo Governo de Passos Coelho, o que levou os partidos da oposição a defenderem a sua demissão ou, pelo menos, o seu afastamento do processo de reprivatização da transportadora aérea..Estando a TAP equiparada aos problemas nas Urgências hospitalares de Obstetrícia entre os maiores obstáculos à permanência de ministros, como se viu quando Pedro Nuno Santos se demitiu, nos últimos dias de 2022, por ter aprovado a indemnização de 500 mil euros paga à ex-administradora Alexandra Reis, que dias antes deixara de ser secretária de Estado do Tesouro, Luís Montenegro fez declarações que, mais do que defenderem Pinto Luz, sublinharam a necessidade de não mexer numa equipa que tem pela frente circunstâncias que, em linguagem politicamente eufemística, se podem chamar desafiantes. “Estamos a governar o país com o intuito de concluir a legislatura, levando este Governo até setembro ou outubro de 2028, com a expectativa de ter a bordo todos os membros deste Governo”, sustentou o primeiro-ministro, que também viu a sua escolha para a Comissão Europeia, a ex-ministra das Finanças Maria Luís Albuquerque, visada no relatório da Inspeção-Geral das Finanças..Com a aprovação do OE2025 como a verdadeira espada de Damocles do Governo, as dificuldades específicas dos seus integrantes perdem importância, mesmo que a médio prazo alguns ministros mais desgastados acabem substituídos por figuras com perfil apropriado - no caso de Ana Paula Martins, o ex-bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, integra o grupo parlamentar do PSD - ou que a ambição, constante da moção com que Montenegro foi reeleito presidente do partido, de recuperar a presidência da Associação Nacional de Municípios Portugueses leve a que algum peso-pesado protagonize candidaturas autárquicas em 2025. Ainda que esse cenário tenha sido afastado pelo ministro dos Assuntos Parlamentares, Pedro Duarte, novo líder da distrital social-democrata do Porto, face à oportunidade de reconquista da segunda maior cidade portuguesa aberta pela limitação de mandatos do independente Rui Moreira..Apesar dos problemas que vão sucedendo com vários membros do Conselho de Ministros, desde as críticas da oposição ao ministro de Estado e das Finanças, Miranda Sarmento, até à desconfiança com que a ministra da Administração Interna, Margarida Blasco, é encarada por muitos tutelados, passando pelos reparos à titular da Justiça, Rita Alarcão Júdice, pela demora na reação à fuga na prisão de Vale de Judeus, e à falta de professores aquando da abertura do ano letivo com que se deparou o ministro da Educação, Fernando Alexandre, o Governo procura cerrar fileiras. Algo que sucede mesmo em momentos de tensão com o CDS, como quando a ministra da Juventude, Margarida Balseiro Lopes, deu aval à linguagem neutra numa campanha sobre menstruação, com os centristas a censurarem a referência a “pessoas que menstruam”. Ou quando o Ministério da Saúde deu sinais de avançar na regulamentação da eutanásia, contra a mesma linha oficial de aguardar pela pronúncia do Tribunal Constitucional que na semana passada foi contestada por um manifesto subscrito por, entre 250 personalidades, os antigos líderes do PSD Pinto Balsemão e Rui Rio..Os sete ministros debaixo de fogo.Ana Paula Martins, ministra da saúdeÉ provável que a antiga bastonária dos Farmacêuticos e presidente do Hospital de Santa Maria tivesse noção que nunca seria a governante mais popular, mas os habituais problemas de quem aceita o Ministério da Saúde superaram as expectativas. Além da demissão do diretor executivo do SNS, Fernando Araújo, substituído pelo militar Gandra d’Almeida, foi responsabilizada pelo “verão caótico” nas urgências, sobretudo nas especialidades de pediatria, ginecologia e obstetrícia. Continuam a faltar profissionais de saúde, pelo que o outono e inverno serão de previsível descontentamento. .Fernando Alexandre, ministro da EducaçãoCom uma pasta destinada a marcar a diferença, o ministro da Educação, Ciência e Inovação negociou a recuperação dos emblemáticos seis anos, seis meses e 23 dias de tempo de serviço congelados nos tempos da troika e que se mantiveram como um mantra de docentes e sindicatos durante os Governos de Costa. Muito mais difícil está a ser a resolução da falta de professores, como se viu na semana passada: o ano letivo voltou a arrancar com milhares de alunos sem aulas, por falta de professores nas escolas públicas, o que Fernando Alexandre admitiu ser “uma falha grave”..Margarida Blasco, ministra da Administração internaA antiga juíza conselheira do Supremo Tribunal de Justiça tornou-se ministra da Administração Interna com um currículo em que se destacam sete anos como inspetora-geral da Administração Interna. Bastaria para ser mal recebida por alguns tutelados, mesmo antes de dizer, em entrevista ao DN e à TSF que é preciso “retirar a fruta podre do grande cesto que são as forças de segurança”. Herdeira do problema do Suplemento de Risco atribuído apenas à PJ, conseguiu acordos com os maiores sindicatos das forças policiais para minorar a diferença de tratamento, mas a contestação persiste..Margarida Balseiro Lopes, ministra da juventudeO facto de a ministra da Juventude deter a tutela da Igualdade levou a que se pronunciasse sobre uma campanha da DGS em termos que mereceram críticas do parceiro de coligação CDS, defensor de “fórmulas que não estimulem polémicas desnecessárias”, e acusações de wokismo mesmo dentro do PSD, do qual é uma das vice-presidentes. Respondendo a uma pergunta do BE, Margarida Balseiro Lopes disse que o Governo está “consciente dos desafios” de conceber políticas para “pessoas que menstruam, onde se incluem as pessoas transgénero e não-binárias”..Miranda Sarmento, ministro das finançasResponsável pelo Orçamento do Estado para 2025, o ministro de Estado e das Finanças, um dos raros casos de continuidade entre as lideranças de Rio e Montenegro, deverá ter de chegar a acordo com os socialistas com quem tem défice de concórdia. Alegando que a situação das contas públicas deixada pelo Governo anterior era diferente da anunciada, foi acusado pela líder parlamentar do PS de “brincar com o prestígio do país”. Por seu lado, acusou o maior partido da oposição de ser “populista” por fazer aprovar medidas como o fim das portagens nas ex-Scut..Rita Júdice, ministra da justiçaA advogada independente a quem Luís Montenegro destinou o Ministério da Justiça, depois de a escolher para cabeça de lista da AD pelo Círculo de Coimbra, não hesitou em atacar a ainda procuradora-Geral da República, Lucília Gago, criticando os “anos de descredibilização do Ministério Público”. Também por isso foram notados os três dias que demorou a reagir à fuga de cinco reclusos do Estabelecimento Prisional de Vale de Judeus. Quando se pronunciou, confirmando a demissão do diretor-geral, disse que não quis contribuir para o “ruído de fundo” antes de ter dados concretos..Miguel Pinto Luz, ministro das InfraestruturasEscolhido para a pasta que engloba o dossier do novo aeroporto de Lisboa e os não menos importantes problemas de habitação, assumiu o Ministério das Infraestruturas quase em simultâneo com o ónus político das buscas da PJ à Câmara de Cascais, de onde acabara de sair. Mais recentemente, viu-se visado num relatório da Inspeção-Geral das Finanças ao processo de privatização da TAP, no qual interveio em 2015, enquanto secretário de Estado, ficando de tal forma na mira da oposição que Luís Montenegro sentiu necessidade de reafirmar a confiança no seu ministro.