Agosto trouxe um sol radioso que ajuda Maria das Dores Meira a afirmar, olhando para o Sado, que “não há um rio azul igual ao nosso”, mas a mulher que foi eleita presidente da Câmara de Setúbal três vezes consecutivas, sempre com maioria absoluta, antecipa tempestade. “Estou preparada para me denegrirem. E não só a CDU. Haverá mais partidos. Quer dizer que há uma candidatura que incomoda e que tem possibilidades.”.A mais de um ano das eleições autárquicas, Dores Meira já está a agitar a disputa pela capital de distrito. Não é para menos, pois em poucos meses renunciou ao mandato de vereadora em Almada, que tentou reconquistar para a CDU em 2021, pôs termo a mais de quatro décadas de militância no PCP e criou um movimento independente, que vai apresentar oficialmente a 28 de setembro, já com listas para a Câmara de Setúbal, Assembleia Municipal e juntas de freguesia. Mais do que baralhar as contas em setembro ou outubro de 2025, quando os setubalenses forem às urnas, conta regressar a um gabinete da presidência que conhece muito bem..“Comecei a pensar que estava em perfeita forma física e psíquica, que tinha garra, força anímica e este coração que bate muito por Setúbal, para dar mais um contributo para retomarmos o caminho de progresso e desenvolvimento que foi percorrido durante o tempo em que aqui estive”, diz ao DN, no Parque Urbano de Albarquel, junto ao Sado, que é uma das marcas da sua gestão. E a conjugação do verbo “estar” não vem por acaso, pois a ex-autarca, de 67 anos, considera que o concelho ficou estagnado desde a sua saída, por limitação de mandatos. “Fiquei estupefacta. Era a pessoa que eu achava que reunia mais condições. Ao fim do primeiro ano de mandato percebi que estava enganada”, diz, acerca do sucessor, André Martins, militante do PEV que foi seu vice-presidente e presidia à Assembleia Municipal quando foi apontado para encabeçar a CDU nas autárquicas de 2021..Em 2021 André Martins sucedeu a Dores Meira na Câmara de Setúbal mas ganhou sem maioria absoluta.Reinaldo Rodrigues/Global Imagens.André Martins, que não teve disponibilidade para falar com o DN, manteve a presidência da autarquia, mas não a maioria absoluta. De 49,95% em 2017, a CDU baixou para 34,40% em 2021, perdendo dois dos sete lugares no executivo camarário. Logo atrás, com 27,67%, ficou o PS, principal força partidária do concelho em eleições de âmbito nacional, com quatro vereadores, sendo decisivos os dois eleitos do PSD, que nas autárquicas teve 16,57%, mas nas legislativas deste ano viu a Aliança Democrática (18,74%) ultrapassada pelo Chega. O partido de André Ventura teve 20,79% e subiu a segunda força em Setúbal, só atrás do PS (29,91%) e muito à frente da CDU, reduzida a 6,49%, com apenas mais 19 votos do que o Bloco de Esquerda e mais 633 do que a Iniciativa Liberal..Acusações do PCP.Reinaldo Rodrigues/Global Imagens.Contra o que diz ser “falta de decisões” e “ausência de estratégia”, Dores Meira quer “pôr a cidade novamente a brilhar”. Algo que implica a requalificação da frente ribeirinha, retomando o projeto da construção da marina, “que tanta falta faz ao desenvolvimento turístico”, e tirar partido de “fundos que estão a derrapar” do Plano de Recuperação e Resiliência para recuperar e construir habitação social. E também alterar o viaduto das Fontainhas, para “deixar respirar” uma cidade que cresceu..Mas também quer “voltar a pôr os serviços municipais a funcionarem com muita celeridade”, com vista à captação de grandes projetos de investimento que criem riqueza e emprego. “Estávamos com essa dinâmica, que também parou”, acusa, fazendo igual diagnóstico quanto à atração de visitantes à cidade que tem a Serra da Arrábida ao lado e a península de Troia do outro lado do rio. “Setúbal foi um dos municípios que menos turismo atraiu este ano”, defende, prometendo devolver-lhe “notoriedade, protagonismo e visibilidade”..Sobre problemas dos munícipes, como o custo elevado da travessia para Tróia, concessionada a uma empresa privada, Dores Meira quer pressionar o Governo e o operador a “baixar consideravelmente os preços”. Quanto ao estacionamento tarifado que se disseminou pela cidade, muito criticado pela oposição socialista, considera-o inevitável, mas ressalva que “há cláusulas que não estão a ser cumpridas” e “coisas que podem e devem ser alteradas”..Criticada pelo secretário-geral do PCP, Paulo Raimundo, para quem, “fora de um coletivo, as pessoas valem pouco mais do que nada”, Dores Meira garante ter já consigo “mil e tal pessoas”, incluindo as que a acompanharão nas listas com que espera a quarta vitória em Setúbal - e o quinto mandato presidencial, pois completou o de Carlos de Sousa antes das vitórias de 2009, 2013 e 2017. “Não há preocupações quanto a ficar sozinha”, diz, antecipando grande renovação, pois será a única com experiência executiva nas listas do seu movimento, que incluirão “pessoas de todas as áreas políticas”..Face às acusações do PCP de que só pretende voltar a Setúbal por não ter conseguido eleger-se presidente da Câmara de Almada, onde reside, admite que hoje não voltaria a aceitar o desafio que lhe foi colocado em 2021. E, negando-se a revelar o motivo da desfiliação - “É uma questão entre mim e o PCP. Acho que não tem interesse público”, diz -, prevê que “vai ser um ano difícil”, em que terá de “desmistificar as fake news, os perfis falsos e tudo o que vai aparecer”. Como por exemplo? “Documentos sem contextualização” relativos à sua passagem pela Câmara de Setúbal, antecipa, acrescentando que “quem ficar com as mãos sujas também vai ter de prestar contas”..Oposição à espreita.A mais de um ano das autárquicas, corrida à Câmara de Setúbal já mexe.Reinaldo Rodrigues/Global Imagens.Atentos à dispersão de votos na potencial disputa entre a anterior e o atual presidentes da Câmara de Setúbal estão os restantes partidos. E nenhum mais do que o PS, que não lidera a autarquia desde 2001, apesar de ser mais votado no concelho em eleições de âmbito nacional. Atual vereador e candidato à presidência em 2021, quando muitos esperavam que avançasse a agora eurodeputada Ana Catarina Mendes, Fernando José garante ao DN que os socialistas “não estão minimamente preocupados com a candidatura de Dores Meira”, concentrando-se no estado do município..“Este é claramente um mandato perdido. A CDU desistiu da cidade, com o descuido dos serviços da Câmara, tal como a falta de liderança e de coordenação política, a deixarem a cidade num estado de abandono que nos preocupa”, acusa o também deputado, para quem a vitória do PS em 2025 é a solução para uma cidade que “não pode continuar a adiar projetos”. E enumera alguns, ligando a gestão de Dores Meira à de André Martins, como o novo Estádio do Bonfim ou a Cidade do Conhecimento, enquanto anúncios “que nunca saíram da gaveta”..Ironizando a “pompa e circunstância” com que André Martins inaugurou recentemente um restaurante McDonald’s, apontando-o como “um projeto que aproxima Setúbal de Lisboa”, Fernando José advoga uma forte articulação com o Instituto Politécnico e a Administração do Porto de Setúbal. E a urgência de construir um Pavilhão Multiusos, lamentando a sua inexistência numa capital de distrito, e de retroceder na cobrança de estacionamento, que “acabou por se estender a zonas residenciais, onde não faz sentido”. .Menos confiante quanto a hipóteses de vitória do seu partido, o vereador social-democrata Fernando Negrão defende “algo completamente novo” para Setúbal, que “não precisa dos atuais PSD, PS e CDU se continuarem a defender rigorosamente a mesma coisa”. E inclui Dores Meira, a quem identifica “a satisfação de uma ambição que não concretizou em Almada, e que acha que vai concretizar em Setúbal”, dizendo que a sua candidatura “não foi surpresa absolutamente nenhuma”..Para o ex-deputado do PSD, mais do que uma vez candidato à Câmara de Setúbal, uma “política nova e ambiciosa” para o concelho deve ser fundada nos princípios do desenvolvimento sustentável, aproveitando a ligação a grandes empresas, como a Navigator, Sapec, Secil ou Setenave. E numa estratégia para o turismo conjunta com os concelhos de Alcácer do Sal e de Grândola..Sobre o legado de Dores Meira, Negrão fala em “12 anos de estagnação de uma cidade que não andava nem para a frente nem para trás”, pautados por anúncios de grandes projetos, “com maquetes exageradíssimas”, mas que nunca se concretizaram. Já a André Martins aponta o desperdício das condições proporcionadas pelo PSD ao seu executivo minoritário e ao PS ter feito “exclusivamente críticas isoladas e sem nenhuma visão para a cidade”, antevendo que nenhum partido terá “uma oportunidade de ouro” nas próximas autárquicas, em que a “gestão política vai ser complexa” e a anterior presidente tem hipóteses de suceder ao sucessor, se o enfrentar nas urnas. “Não estou a dizer que não tem”, admite ao DN..E depois há o Chega, que não elegeu vereadores em 2021, mas foi a segunda força nas legislativas deste ano. Realçando que a direita nunca conquistou uma câmara no distrito de Setúbal, o deputado e líder distrital Nuno Gabriel, um dos eleitos para a Assembleia Municipal, admite a ambição de “uma boa votação” e a certeza de “um grande candidato” escolhido pela direção nacional. E admite que poderá ser “uma grande candidata”, tendo em conta a quantidade de figuras destacadas do partido com ligações à região, como as deputadas Rita Matias, Cristina Rodrigues, Marta Silva e Patrícia Carvalho..Nuno Gabriel defende a necessidade de uma visão de médio e longo-prazo para a cidade, com “um salto qualitativo a nível da economia” e atenção aos problemas da mobilidade, parqueamento e saneamento básico, mas também “olhar de frente para o problema da insegurança”. Por isso, defende a implementação de videovigilância para “evitar que as pessoas acordem a meio da noite com o carro a arder”..Naquilo que o líder distrital do Chega encara como “uma potencial corrida a cinco”, em que será preciso consensos entre quem presidir à Câmara de Setúbal e os outros dez vereadores, Dores Meira diz-se preparada para construir pontes. E recua à sua primeira experiência à frente da autarquia, antes das três vitórias eleitorais, “numa situação mesmo muito complicada”, para dizer que aprendeu muito com a oposição. “Havia diálogo e as propostas iam passando.”