Ex-secretário de Estado assume "responsabilidade política" e rejeita procurar bode expiatório.
Ex-secretário de Estado assume "responsabilidade política" e rejeita procurar bode expiatório.António Cotrim / Lusa

"Direito ao silêncio" marca audição de Lacerda Sales no caso das gémeas

Ex-secretário de Estado da Saúde recusou falar de "reuniões" com Nuno Rebelo de Sousaalegando não querer interferir na investigação judicial e arastar outros envolvidos no caso.
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Nas poucas respostas concretas dadas pelo antigo secretário de Estado da Saúde  na comissão parlamentar de inquérito (CPI) ao caso das gémeas luso-brasileiras, tratadas com Zolgensma no Hospital de Santa Maria, houve uma garantia: Lacerda Sales não falou sobre o caso com o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, com o ex-primeiro-ministro, António Costa, nem com a antiga ministra da Saúde, Marta Temido.
A CPI sobre o tratamento administrado às duas crianças, com um custo de quatro milhões de euros, no total, como resposta à atrofia espinhal muscular, arrancou esta segunda-feira com a audição do ex-governante, que na maior parte dos momentos respondeu evocando o direito ao silêncio, por ser arguido no processo criminal que decorre e, alegou, para não interferir na investigação.

O ”direito à não autoincriminação”, evocado por Lacerda Sales, foi reiterado logo no arranque da CPI, quando, por parte do Chega, o deputado André Ventura questionou o ex-governante se alguma vez se reuniu com o filho de Marcelo Rebelo de Sousa, Nuno Rebelo de Sousa, que na altura dos factos liderava a Câmara Portuguesa de Comércio de São Paulo.

Em resposta, António Lacerda Sales remeteu para factos públicos que, disse, o deputado “conhece”. E regressou ao silêncio, insistindo no “direito à não autoincriminação”. Com a permanência de André Ventura no tema, Lacerda Sales acabou por afirmar que “nunca disse que não” se “tinha reunido” com Nuno Rebelo de Sousa.

A primeira quebra do silêncio de Lacerda Sales aconteceu quando André Ventura o interrogou sobre se alguma vez tinha comentado o caso das gémeas com Marcelo Rebelo de Sousa, António Costa e Marta Temido. A resposta foi uma negação repetida.

Face à exaltação do líder do Chega por não estar a receber as respostas que procurava, Lacerda Sales lembrou os tempos da pandemia, quando falava semanalmente à população. “O país conhece-me. Falei ao país durante semanas”, disse, antes de assumir que não quer “interferir com eventuais testemunhas” e com outros arguidos. André Ventura, em resposta, citou a Bíblia e disse que “a verdade liberta”. “Rego as minhas rosas e o resto são as sombras das árvores”, concluiu Lacerda Sales, citando Fernando Pessoa.

A troca de palavras entre o ex-governante socialista e o líder do Chega cessou depois de André Ventura perguntar se Lacerda Sales se arrependia de alguma coisa no processo.

O antigo secretário de Estado afirmou que sentia orgulho no país e vincou que já foram tratadas 36 crianças nas mesmas circunstâncias, afirmando que nem há lista de espera.

Confrontado várias vezes, por vários deputados, com o relatório da Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS) e a auditoria do Hospital de Santa Maria, que levantaram suspeitas sobre a marcação da primeira consulta das gémeas no hospital, que terá passado pelo gabinete do ex-governante, Lacerda Sales disse que não estava “disponível para servir de bode expiatório num processo político-mediático a qualquer custo”, acrecentando ainda que “nenhum membro do Ministério da Saúde pode ter interferência na marcação de consultas ou na administração de medicamentos”.

Mais tarde, Lacerda Sales foi interrogado pelo deputado social-democrata António Rodrigues sobre se estava a tentar “encontrar um bode expoiatório” na médica que acompanhou as gémeas, Teresa Moreno.

O ex-governante defendeu-se, alegando que quem trouxe o nome da médica à audição foram os deputados e que, por isso mesmo, ela deveria ser ouvida. “O relatório da IGAS mais parece uma tentativa de responder à pressão mediática”, acrescentara Lacerda Sales na sua intervenção inicial, antes das perguntas.

Nas várias perguntas colocadas, a deputada da IL Joana Cordeiro, lembrando o silêncio evocado, considerou que “há muitos factos que foram sendo conhecidos” e acrescentou “que se todos os envolvidos os tivessem vindo a esclarecer nem seria necessário” haver uma CPI. Na segunda ronda de perguntas, a deputada liberal escusou-se a questionar Lacerda Sales, afirmando que era uma perda de tempo.
Um dos temas mais puxados pelos deputados, sempre defletido por Lacerda Sales, foi o do documento enviado para Santa Maria pela secretária do ex-governante, Carla Silva, que terá recebido ordens para o fazer. Para este tema, a resposta foi semelhante à dada por Lacerda Sales a outros: “direito ao silêncio”.

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