Quem quer rainhas, paga-as”, exclamava a Rainha D. Maria Pia, quando um membro do Governo de Sua Majestade, mais preocupado com o equilíbrio da Fazenda, ousava questioná-la sobre o excesso de despesa com baixelas, pianos de cauda, lustres e canapés que ela encomendava em Paris ou na sua Itália natal para fazer do Palácio da Ajuda o lar com que tinha sonhado. Mais de século e meio depois, já não há Rainhas caprichosas a desfilar, em vestido de cauda, pelos corredores do Palácio, mas será ali que, hoje, mais uma vez, tomará posse o novo governo, dando assim continuidade a uma tradição iniciada com o II Governo Constitucional, a 30 de Janeiro de 1978..Na Iª República, apesar da sanha anti-monárquica e anti-clerical que movia os dirigentes políticos da nação, já existia a consciência que a antiga morada de família do casal formado por D. Maria Pia e D. Luís e seus filhos era o melhor lugar de Lisboa para cerimónias de Estado importantes, sobretudo quando aqui aportavam visitas a quem convinha impressionar. O andar nobre, decorado pelo dispendioso gosto da rainha enviada para o exílio juntamente com a nora e o neto, passou a ser o preferido do novo regime para cerimónias oficiais. Para além das tomadas de posse de governos, na Sala D. João VI ou na sala dos Embaixadores, é aqui que habitualmente se realiza a sessão de cumprimentos de Ano Novo ao corpo diplomático creditado em Lisboa e os banquetes oferecidos aos chefes de Estado estrangeiros. .E, no entanto, tudo começou com uma barraca - real, mas barraca. Aterrorizado pela destruição do Terreiro do Paço pelo terramoto de 1755, o rei D. José I ordenou a construção, na zona ocidental da cidade (menos atingida pela tragédia) de um novo palácio, sem cantarias nem mármores, mas todo em madeira. O interior até podia ser sumptuoso, mas o povo de Lisboa não resistiu a designá-lo pelo pouco lisonjeiro epíteto de Real Barraca. Ardeu numa noite fria de 1794, num incêndio que tudo reduziu a cinzas. Em desespero, a Casa Real prometeu recompensas generosas a um pequeno exército de reclusos caso encontrassem objetos de valor nas cinzas ainda fumegantes. E, assim, ressurgem algumas pedras preciosas, cujo engaste metálico fora derretido pelo fogo..Em 2022, a última posse de António Costa como primeiro-ministro, na Ajuda.(Leonardo Negrão / Global Imagens).Coube ao príncipe regente, D. João (futuro D. João VI) encomendar a obra de reconstrução (desta feita, em cantaria). Para isso, recorreu ao arquiteto Manuel Caetano de Sousa. A primeira pedra foi lançada, com pompa e circunstância, em Novembro doe 1795, mas a obra foi lenta, interrompida várias vezes devido às vicissitudes financeiras e políticas do país, como as invasões francesas e as lutas liberais. De resto, como é sabido a ala poente só foi concluída recentemente, com a construção do Museu do Tesouro Real..O Palácio da Ajuda só voltaria a servir de residência privada de monarcas portugueses com D. Luís e D. Maria Pia, que casaram em 1862. Ali nasceram e cresceram os dois filhos de ambos - o futuro rei D. Carlos e o infante D. Afonso. O objetivo da jovem princesa da casa de Sabóia (era filha de Vítor Emanuel, primeiro rei da Itália unificada) foi transformar o edifício numa morada acolhedora para a família real, mas, ao mesmo tempo, suficientemente majestoso para receber os mais ilustres convidados que chegassem a Lisboa..Com um gosto refinado (a sala azul ou o seu quarto pessoal são disso exemplo), a Rainha mandou redimensionar e renovar salas, construir casas de banho com banheiras e águas correntes, e criar novos espaços como as Salas da Música (muito ao gosto do marido), a sala chinesa ou o jardim de Inverno. Da mesma época é o atelier de pintura do Rei D. Luís..Tão afeiçoada se sentia ao Palácio que ali ficou a residir mesmo após a morte do marido, o que levou os novos reis, D. Carlos e D. Amélia, a fixarem-se no Palácio das Necessidades, já que o temperamento de D. Maria Pia nem sempre facilitava harmoniosa convivência..Encerrado em 1910 (e só utilizado pela Iª República em cerimónias oficiais), o Palácio da Ajuda receberia, na década de 1920, uma inesperada visita: a de Nevada Hayes, a viúva norte-americana do Infante D. Afonso. O seu objetivo era saber aquilo que podia reclamar como parte da sua herança.