Costa vai a Kiev. O próximo passo na relação entre Portugal e Ucrânia
O primeiro-ministro confirmou ontem a sua viagem à Ucrânia, onde se encontrará com o presidente daquele país, Volodymyr Zelensky, não revelando, no entanto, quando tal irá acontecer. Numa declaração feita em São Bento, em conferência de imprensa, depois de ter estado reunido durante cerca de uma hora, por videoconferência, com o homólogo ucraniano, Denis Shmygal, António Costa adiantou que a data da sua visita a Kiev "ficou acertada e será divulgada no~momento que for considerado oportuno", explicando de seguida que a deslocação "incluirá não só reuniões com o primeiro-ministro, como também com o presidente" Zelensky.
O chefe de Governo - que acumula a pasta dos Assuntos Europeus - explicou ainda que vai ser assinado um protocolo para apoiar financeiramente a Ucrânia, de acordo com "as solitações que o governo ucraniano dirigiu para auxílio via Fundo Monetário Internacional".
Dias antes, na Comissão Parlamentar de Negócios Estrangeiros, o PSD apresentara uma proposta para que uma delegação da Assembleia da República visitasse a Ucrânia, algo que foi rejeitado por não ter havido um convite formal a ser feito. O mesmo não se verifica na deslocação do primeiro-ministro, uma vez que existiu um convite da parte ucraniana.
Este é mais um passo na lista de cooperação entre Portugal e Ucrânia desde o início do conflito, numa relação que começou fria mas cujas partes se têm aproximado, ainda que com algumas polémicas pelo meio.
Quase um mês após o início do conflito, a 24 de março, o presidente ucraniano falou ao Conselho Europeu. Na declaração, feita por videoconferência, Zelensky considerou que, até então, Portugal não tinha dado todo o apoio que considerava ser necessário. Quando questionado sobre se Portugal apoiava a Ucrânia, o presidente ucraniano respondeu: "Quase".
António Costa esteve presente na reunião, ouviu as palavras do presidente ucraniano e, no final, disse que Portugal tinha dado à Ucrânia "todo o apoio necessário" quer a nível humanitário, quer a nível militar.
Outro tema em cima da mesa na declaração de Zelensky prendia-se com a adesão da Ucrânia à União Europeia de forma mais acelerada, algo que não reuniu um consenso nas estruturas europeias. Apesar do pedido de Zelensky para que Portugal tivesse uma "posição forte", Costa não alinhou, numa fase inicial, com a proposta da Ucrânia, dizendo que o país precisava "de uma resposta urgente e efetiva" e não de um "processo demorado e necessariamente incerto".
A 21 de abril, e já depois de ter falado em 23 parlamentos espalhados por todo o mundo, Volodymyr Zelensky foi convidado a dirigir-se à Assembleia da República numa sessão extraordinária, que não contou com a presença dos deputados do grupo parlamentar do PCP.
Na sessão, Zelensky pediu a Portugal mais armamento e sanções à Rússia. Ao mesmo tempo, também fez relatos sobre o que se passava no terreno: "Ontem [20 de abril], não muito longe da nossa capital, encontraram mais duas sepulturas de dois homens de 35 anos e uma rapariga de 15 anos". E houve, até, espaço para uma alusão ao 25 de abril, apelando à liberdade e aos direitos humanos.
Desde que a guerra em território ucraniano começou, a posição do PCP - que não condena expressamente a invasão russa, sem utilizar uma qualquer forma de "contextualização" - tem estado no centro da discussão.
Depois de se saber que, na autarquia de Setúbal, havia refugiados ucranianos a serem recebidos por uma associação com ligações ao Kremlin, o presidente da Associação de Refugiados Ucranianos disse não perceber "como é que Portugal continua a ter um partido como o PCP, que basicamente apoia a guerra". Perante isto, António Costa afirmou, ontem, ser "inconcebível" ilegalizar o partido, salientando, no entanto, que o Executivo tem divergências quanto às posições dos comunistas sobre este assunto.
De acordo com o PCP, a discussão sobre as posições do partido representa um discurso "fascizante" e uma caça às bruxas.
Já depois de Zelensky ter falado no parlamento, o ministro dos Negócios Estrangeiros ucraniano, Dmytro Kuleba, voltou a reforçar, em entrevista ao DN, os pedidos a Portugal.
Para Kuleba, é necessário fornecer armas à Ucrânia, bem como dar "apoio sem restrições a todas as sanções impostas à Rússia" e ainda "apoio total ao processo de adesão da Ucrânia à UE num futuro previsível". Tal como pedira Zelensky no parlamento: "Os discursos aos parlamentos nacionais [do presidente tornaram-se fatores decisivos e decisões que não tinham sido tomadas antes tornaram-se efetivas depois do discurso", disse o ministro, sendo "armas poderosas da Ucrânia" no conflito.
Kuleba considerou ainda que "Portugal tem, há muitos anos, uma comunidade ucraniana muito leal", algo que "torna o país mais forte", o que pode também beneficiar a União Europeia e, por fim, jogar a favor da adesão da Ucrânia.
rui.godinho@dn.pt