Costa regressa ao Parlamento. E quase nada está como da última vez que lá foi
Terça-feira, o primeiro-ministro estará no Parlamento pela última vez nesta legislatura, numa reunião da Comissão Permanente (versão proporcionalmente reduzida do plenário). Vai discutir com os deputados o Conselho Europeu, que reunirá quinta e sexta-feira, em Bruxelas. Falará ainda, garantidamente, da cimeira da NATO marcada para quinta-feira, também em Bruxelas. E muito relevante será o facto de, para ambas as reuniões - mesmo a do Conselho Europeu - estar prevista a presença do Presidente dos EUA, Joe Biden. Reuniões internacionais de tema único: guerra na Ucrânia.
Há três meses e meio que António Costa não vai ao Palácio de S. Bento. A última vez foi em 9 de dezembro do ano passado. Marcelo já havia dissolvido a Assembleia da República por causa do chumbo do Orçamento do Estado para este ano (OE2022) mas as eleições ainda não se tinham realizado. E em três meses e meio tudo mudou. O PS venceu com maioria absoluta; os líderes do PSD e do CDS (que vai desaparecer do Parlamento) estão de saída; a pandemia covid-19 parece estar no fim (mas ninguém põe as mãos no fogo e há mesmo quem fale na emergência a curto prazo de uma sexta vaga); e a Rússia atacou a Ucrânia.
Costa tenciona entregar ao Presidente o próximo elenco governativo na próxima quarta-feira à noite (dia 23). E o Presidente tenciona dar-lhe posse uma semana depois, dia 30. Qual o novo mapa em quem o primeiro-ministro desenvolverá a sua ação? Que novas circunstâncias surgiram de há três meses e meio para cá?
A emergência de uma guerra na Europa de Leste poderá forçar o Governo a ter de alterar algumas despesas que tinha previstas. É provável, por exemplo, que o orçamento da Defesa (cerca de 2,5 mil milhões de euros) saia reforçado. O (ainda) titular da pasta, João Gomes Cravinho, já avisou: "O nosso objetivo de 1,68 por cento do PIB até 2024 terá que ser repensado, senão para 2024, para os anos subsequentes. Obviamente que quando aumenta a insegurança tem que aumentar o investimento em segurança", afirmou há dias, em entrevista à Renascença e ao jornal Público. Ou seja: as despesas previstas no OE2022 terão de sofrer um "ajustamento". Para os próximos anos, a UE determinou um aumento "substancial" nos orçamentos militares nacionais e o mesmo exige a NATO. A revisão, este ano, da Lei de Programação Militar - o "plano quinquenal" dos investimentos na Defesa - já será enquadrada nessas novas exigências.
Ao mesmo tempo, o enorme fluxo de refugiados ucranianos que entretanto já chegaram a Portugal (quase 15 mil mas sendo esse um número sempre a aumentar) tenderá a ter implicações (não se sabe quais) no orçamento da Segurança Social. Este está neste momento em situação de excedente (mais receitas do que despesas), no valor de cerca de 500 milhões de euros. Há folga e provavelmente aumentará porque vão diminuir as despesas sociais com a pandemia. Além do mais, a despesa com os refugiados está muito disseminada (pelo poder local e pela sociedade civil).
Para já, dizem os economistas, é impossível prever em toda a sua extensão as consequências económicas da guerra na Ucrânia. Os preços do petróleo já tinham começado a aumentar antes da Rússia atacar a Ucrânia mas depois essa tendência agravou-se. O OE2022 foi construído na presunção do brent a 68 dólares e na sexta-feira estava a 106. E conhecem-se os efeitos de arrastamento inflacionário que os preços do petróleo têm em toda a economia (já há supermercados a fazer racionamento, por exemplo de óleo).
Uma coisa é certa: António Costa não tenciona voltar atrás na promessa de fazer aumentos extraordinários das pensões e de baixar o IRS dos jovens e da classe média. Poderá jogar com a folga criada pela diminuição das despesas com a pandemia. Na UE, tenta por todos os meios pressionar para que o seu Governo possa baixar o IVA dos combustíveis. Ao mesmo tempo, pressiona-se o BCE para que recue na intenção de abrandar nos seus programas de compra de dívida pública (algo essencial para controlar o peso desta no PIB).
Se tudo correr como previsto, o Governo tenciona apresentar o novo OE2022 no Parlamento algures em abril, logo a seguir à discussão do Programa de Governo. E tem a urgência de pôr a execução do PRR rapidamente em velocidade cruzeiro.
António Costa respirou de alívio com a maioria absoluta que o país lhe deu nas legislativas de 30 de janeiro e mais ainda quando o ataque da Rússia à Ucrânia expôs um PCP completamente isolado no panorama político nacional por fazer equivaler o belicismo de Moscovo ao belicismo da UE, da NATO e dos EUA. Fossem estes os tempos ainda da "geringonça", com o PS e o PCP (e o BE) de braço dado a aprovarem orçamentos do Estado, e o embaraço atingiria necessariamente os socialistas. Mas agora, mais do que consumada a rutura, e podendo o PS aprovar leis no Parlamento sem negociar nem à esquerda nem à direita, coube exclusivamente ao PCP lidar com o isolamento em que se deixou colocar por não querer, a princípio, ser claro na condenação de Putin. A guerra na Ucrânia irá expor, além da desunidade de esquerda, a força dos entendimentos ao centro, entre o PS e o PSD, quanto à UE e quanto à NATO.