Costa diz que "manifestamente" não partilha "padrões éticos e de exigência" de Lucília Gago
O ex-primeiro-ministro António Costa afirmou na terça-feira à noite que manifestamente não partilha dos "padrões éticos e de exigência" no exercício de funções públicas da Procuradora-Geral da República, reiterando que não se arrepende de se ter demitido.
Em entrevista ao canal televisivo NOW - do mesmo grupo da CMTV e onde esteve para ser comentador antes de saber que iria de facto ser eleito para presidente do Conselho Europeu - António Costa foi questionado sobre as declarações da Procuradora-Geral da República, Lucília Gago, que descartou qualquer responsabilidade sobre a demissão do ex-primeiro-ministro, salientando que Costa poderia "ter continuado nas suas funções".
Na resposta, o ex-primeiro-ministro salientou que "cada um assume as suas responsabilidades", considerando que foi o que fez.
"Cada um tem os seus padrões éticos e de exigência relativamente aos cargos que ocupa. Manifestamente não temos os mesmos padrões", afirmou.
António Costa acrescentou que, "é suposto que todos exerçam, com uma devida responsabilidade, as suas funções", dando o exemplo das forças de segurança, que andam armadas com base no pressuposto de que utilizarão "a arma de uma forma adequada, proporcional e em caso de necessidade".
"É assim que as nossas forças de segurança atuam, felizmente. Há depois uma ou outra exceção. Eu não acho que, quando há um mau exercício de uma função, se deva necessariamente alterar essa função", frisou.
Questionando se, relativamente à Procuradora-Geral da República, considera que houve um "mau exercício" da sua função, o ex-primeiro-ministro respondeu: "Ninguém é bom juízo em causa própria, portanto não vou estar a falar por mim".
"Acho que há um juízo geral das pessoas relativamente ao que aconteceu, ao que se passou. É uma página que está virada, foi dolorosa, mas entendi que tinha de me reinventar", referiu, reiterando que não se arrepende de se ter demitido e salientando que tomou a "decisão certa na hora exata".
Nesta entrevista, António Costa foi ainda questionado sobre a operação Tutti Frutti e o facto de o seu ex-ministro das Finanças Fernando Medina vir a ser constituído arguido, tendo considerado a situação bizarra.
"Acho, apesar de tudo, bizarro uma pessoa ser constituída arguida pela atribuição de um subsídio que não atribuiu - foi atribuído pela Câmara, que é um órgão colegial - e, além do mais, uma reunião em que ele nem sequer participou. Portanto, acho bizarro", disse.
Sobre a sua relação com o Presidente da República, Costa referiu que continua a ser boa, apesar de assumir que teve uma divergência com Marcelo Rebelo de Sousa após a sua demissão, designadamente quanto à decisão de o chefe de Estado convocar eleições em vez de aceitar nomear como primeiro-ministro uma das personalidades que lhe tinha proposto.
O ex-primeiro-ministro considerou ainda que Marcelo Rebelo de Sousa fez uma "interpretação bastante circunstancial" na tomada de posse do seu Governo de maioria absoluta, quando afirmou que os portugueses tinham dado uma "maioria a um partido, mas também a um homem".
António Costa frisou que "a única pessoa que tem uma legitimidade pessoal e direta, a nível nacional, é o Presidente da República", salientando que um primeiro-ministro não é eleito diretamente, pelo que "essa equiparação da legitimidade do primeiro-ministro à própria legitimidade do Presidente da República é, de alguma forma, uma diminuição da própria legitimidade do Presidente da República".
"Portanto, é uma interpretação que não é a minha. Creio, aliás, que não é de ninguém e, sobretudo, espero que não faça escola", frisou.
OE não deve ser transformado numa moção de censura
Noutra vertente, o ex-primeiro-ministro considerou que era bom o país ter um Orçamento do Estado, pedindo que não seja transformado numa moção de confiança ou de censura, salientando que os portugueses não querem uma crise política.
"O Orçamento do Estado, independentemente de quem governe, é um instrumento essencial ao funcionamento normal do país. E, portanto, é bom o que o país tenha orçamentos do Estado e que o exercício da responsabilização dos governos seja feito pelos instrumentos próprios previstos na Constituição: a moção de censura e a moção de confiança", considerou.
O ex-primeiro-ministro sustentou que "nem o Governo deve transformar o Orçamento numa moção de confiança, nem a oposição deve transformar o Orçamento numa moção de censura", considerando que os partidos devem "transformar o debate do orçamento na normalidade que o debate deve ter".
Salientando que a governação em duodécimos "não é desejável" e "não é a solução ideal num contexto de grande instabilidade internacional", Costa considerou que o normal é que, "se o Governo não tem maioria, tem o dever de procurar encontrar uma solução para ter um Governo".
"E aquilo que é normal nas oposições é não inviabilizarem à partida a existência de um Orçamento, mas predisporem-se a que o Orçamento possa ser viabilizado sem que isso seja entendido como um apoio ao Governo", referiu.
O presidente-eleito do Conselho Europeu defendeu que "o ónus da negociação" está no Governo e referiu que, se o executivo quer a viabilização do Orçamento, "deve criar condições para que o PS não tenha de o inviabilizar".
"Se o governo propõe, por exemplo, uma descida radical do IRC, o PS é contra. Não é possível pedir ao PS para votar a favor de uma medida que é contra", exemplificou, reforçando que, se o Governo não tem maioria, não pode obrigar outras forças políticas a votar a favor de algo que sabe que são contra.
Por outro lado, Costa considerou que, nas oposições, também não pode haver a leitura de que "se não inviabilizam o Orçamento é porque estão a apoiar o Governo".
"Não. Não inviabilizam o Orçamento, porque o país precisa de um Orçamento. Portanto, se o Orçamento não tiver nenhuma medida que seja absolutamente intolerável para a oposição, eu acho normal que a oposição viabilize", considerou.
Referindo que não pretende sugerir o que o PS deve fazer, Costa referiu contudo que o "conjunto do sistema político deve orientar-se" pela ideia de que os instrumentos para pôr em causa a confiança num executivo é a moção de censura, e para a afirmar é a moção de confiança.
"O Orçamento é uma ferramenta de ação do Estado e, portanto, não deve o Estado ser privado dessa sua ferramenta", considerou, recordando casos em que governos minoritários conseguiram aprovar orçamentos do Estado com o principal partido da oposição, como no primeiro executivo de António Guterres, em que orçamentos foram viabilizados pelo PSD, na altura liderado por Marcelo Rebelo de Sousa.
António Costa salientou ainda que, em 2022, quando o seu Governo viu a sua proposta de Orçamento do Estado ser chumbada na Assembleia da República, disse ao Presidente da República que estava disponível para governar em duodécimos.
Questionado se considera que é de evitar uma nova crise política, Costa respondeu: "Isso, claramente".
"Podemos ler todos os sinais que os portugueses nos dão todos os dias: deram nas eleições legislativas, nas europeias... (...) A última vontade e desejo que as pessoas têm é qualquer crise política ou que voltem a ser incomodadas pelos políticos a chamá-los para eleições", afirmou.
Referindo que os dois últimos anos para os portugueses "foram duríssimos" - com a pandemia de covid-19, a guerra na Ucrânia e a inflação -, Costa reforçou que "a última coisa que o país precisa é de nova crise política".
"O que os portugueses desejam é que haja tranquilidade", frisou.
Costa quer ajudar Ucrânia a obter "paz justa" e diz que só Zelensky pode falar com Putin
O presidente eleito do Conselho Europeu, António Costa, afirmou que pretende ajudar a Ucrânia a "obter uma paz justa" e recusou negociar diretamente com o Presidente russo, salientando que só Zelensky o pode fazer.
Questionado se, enquanto presidente do Conselho Europeu, pretende ser um "mentor para uma solução de paz na Ucrânia", o antigo primeiro-ministro revelou que não tem "essa pretensão".
"Tenho a pretensão de ajudar a União Europeia a contribuir para que a Ucrânia obtenha a paz justa e duradoura a que tem direito, a que os ucranianos têm direito e que nós, europeus, precisamos que a Ucrânia obtenha, porque isso é a garantia de que nós também teremos uma paz justa e duradoura para nós próprios", afirmou.
Já interrogado se considerava que, enquanto presidente do Conselho Europeu, terá capacidade para negociar com o Presidente da Federação Russa, Vladimir Putin, Costa respondeu: "Só há uma pessoa com mandato para falar com o Presidente da Rússia e negociar com o Presidente da Rússia, que é o Presidente da Ucrânia".
"Só tem legitimidade para negociar com a Rússia a Ucrânia, e essa legitimidade é uma legitimidade que nós não podemos enfraquecer, nem podemos diminuir", sublinhou.
António Costa salientou que a Ucrânia é "um Estado soberano, democrático, que escolheu a sua liderança política", que tem sido exercida "com enorme coragem e em circunstâncias absolutamente inimagináveis".
"Portanto, temos de respeitar essa liderança e é nosso dever apoiá-la, porque esse apoio à Ucrânia é o apoio a nós próprios", disse.
Costa lembrou que UE já disse que vai apoiar a Kiev "no que for necessário e enquanto for necessário", e que "os termos da paz justa e duradoura só podem ser definidos pela Ucrânia, porque só o agredido tem legitimidade para definir qual é o momento para pôr termo à guerra".
O presidente eleito do Conselho Europeu salientou que os portugueses têm uma "boa razão" para compreender "a importância de se ser firme na afirmação do direito internacional, recuando aos tempos da ocupação indonésia de Timor-Leste.
"Durante quase duas décadas, Portugal teve muitas vezes isolado a defender um pequeno espaço do território, que é uma parte de uma ilha, num arquipélago que tem centenas de ilhas e com muito poucos milhares de pessoas. Mas foi essa firmeza que fez com que uma das grandes potências globais hoje em dia - a Indonésia - tivesse de aceitar respeitar o direito internacional", afirmou.
Para o ex-primeiro-ministro português, não se pode agora ser menos firme com a Rússia do que se foi nessa altura com a Indonésia.
"Nós não podemos pedir aos ucranianos que sejam mais tolerantes com o agressor do que pedimos aos timorenses", defendeu.
Nesta entrevista, Costa afirmou ainda que assume com entusiasmo o cargo de presidente do Conselho Europeu, "mas também com a consciência de que é uma missão particularmente exigente no momento que o mundo e a UE vivem hoje".
"Com uma situação de guerra, uma situação em que a economia europeia tem de fazer um esforço muito grande para recuperar a sua dinâmica, com a perspetiva de um novo alargamento e a necessidade de a Europa se afirmar neste mundo diverso onde está e onde é preciso desenvolver parcerias e encontrar novos amigos nas novas potências emergentes: a Índia, Nova Zelândia e Austrália, o Brasil, a África do Sul", elencou.
À pergunta sobre qual seria, entre Donald Trump e Kamala Harris, o melhor Presidente dos Estados Unidos para a UE e para as relações transatlânticas, Costa respondeu que, olhando para o programa de ambos, quem "reforçará as relações transatlânticas claramente é Kamala Harris".
Questionado se não há dúvidas sobre isso ao nível dos decisores europeus, Costa respondeu: "Não. Se fossem os europeus a votar, eu não tenho dúvidas de quem ganhava".