Combater a corrupção, envolver a comunidade

Criado para chamar a atenção da sociedade civil para os custos sociais e económicos da corrupção, esta distinção quer mostrar que este é um problema de todos, incluindo os mais novos.

Coloca-se sob a "proteção" das Tágides, as ninfas invocadas por Camões no momento de se sentar à escrivaninha para escrever Os Lusíadas, mas não é obra poética, antes um projeto de cidadania. Criado pela Organização não governamental All4Integrity, o Prémio Tágides convida todos os portugueses sem exceção a nomear as pessoas que os inspiram no combate à corrupção e à "cultura" que a favorece. Para isso, basta aceder ao site https://www.premioanticorrupcao.site/ e responder até 30 de setembro. É simples, rápido e de fácil perceção.

Para o homem que pensou esta iniciativa, André Corrêa d"Almeida, professor na Universidade de Columbia, em Nova Iorque, o grande objetivo é "mobilizar os cidadãos, criar intervenção específica em torno da corrupção em Portugal e, se quisermos ser um pouco mais latos, em torno dos défices de transparência que existem em muitos campos da sociedade. Não queremos cair no legalismo da linguagem anti-corrupção porque a verdade é que se pode não violar a lei mas ter, de forma recorrente, atitudes que não são transparentes, éticas ou íntegras."

Já com vários parceiros institucionais como o Planetiers World Gathering, a Associação de Ética Empresarial, a UN Global Compact Network Portugal, entre outros que continuam a aderir ao movimento, os critérios de nomeação e de eleição dos vencedores são apresentados no regulamento do prémio (também disponível no site) para garantir a total transparência do processo. O júri é constituído por 35 membros, distribuídos equitativamente pelas cinco categorias do prémio (ver caixa), já que, como sublinha André Corrêa d"Almeida, "não se trata de ver quem tem mais votos ou mais gostos como numa rede social, mas de avaliar a pertinência das candidaturas apresentadas pelos cidadãos." A lógica é incentivar a proximidade, destacar pela positiva o projeto ou o indivíduo que localmente mais faz por este combate."Quando se fala num prémio deste tipo, as pessoas pensam logo numa figura pública mas não tem de ser necessariamente assim."

Ao lançar o movimento All for integrity a 5 de outubro do ano passado (de forma simbólica, junto à estátua da menina sem medo em Manhattan), André Corrêa d" Almeida, que é autor de uma extensa bibliografia, em que se destaca o estudo por si coordenado e publicado em 2019, Reforma do Sistema Parlamentar em Portugal - Análises e Instrumentos para um Diálogo Urgente, pensou na mudança a médio prazo. A ideia de que a corrupção (ou o défice de integridade) é uma fatalidade do poder político ou económico só se combate com uma mudança de mentalidade, que "se inicia no coração do sistema educativo". Para isso, foi lançada a 9 de julho uma rede de escolas anti-corrupção, que, para já, foi apresentado em 1300 estabelecimentos de ensino, mas também em câmaras municipais, juntas de freguesias ou bibliotecas. Até outubro, os interessados podem inscrever-se e trabalhar os temas propostos (ou relacionados), sempre sob o lema do movimento All4integrity: "Libertem o meu país da corrupção."

Os custos da corrupção

Em causa estão questões éticas, essenciais ao funcionamento da democracia e à equidade entre cidadãos, mas também custos financeiros avultados - a corrupção tem um preço e não é pequeno, como, aliás, reconhece a resolução do Conselho de Ministros que, em abril deste ano, fixou uma Estratégia Nacional Anticorrupção, depois de um longo período de discussão pública.

Mas os dados apresentados pelo All4Integrity (citando fontes de diversa proveniência) falam por si: segundo o inquérito realizado pelo Flash Eurobarómetro em 2019, o favorecimento de amigos e/ou familiares em instituições públicas (59%) e em negócios (55%), assim como o pagamento de subornos (34%), são as práticas mais comuns em Portugal.

Em 2019, e de acordo com o GRECO, entidade do Conselho da Europa que monitoriza o combate à corrupção, apenas uma das 15 medidas anticorrupção recomendadas em 2016 foram plenamente implementadas em Portugal (6,7%). Em consequência de práticas continuadas como esta, o Parlamento Europeu estima que a corrupção em Portugal custe o equivalente a 8% a 10% do PIB: Segundo se pode ler na abertura do site dedicado ao Prémio Tágides qualquer coisa como 18 mil milhões de euros por ano.

Porque é que isto acontece? Para o relatório anual sobre o Estado de Direito da Comissão Europeia, apresentado já este ano, em grande parte devido à falta de meios orçamentais e logísticos, que acaba por ser identificado como o maior bloqueio no combate à corrupção no nosso país. Em causa está a frequência com que são aplicadas penas suspensas aos condenados neste tipo de processos (só 15% sofrerão penas de prisão efetiva), para além dos recorrentes atrasos processuais e o grande número de processos prescritos.

Recorde-se ainda que, segundo o Índice de Perceção de Corrupção (CPI), a mais antiga e abrangente ferramenta de medição de corrupção do mundo, Portugal passou, em 2020, para 33º, descendo três posições. Os países melhor cotados foram a Dinamarca e a Nova Zelândia.

dnot@dn.pt

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