Chefe da Casa Civil admite “desconforto”, mas nega favor da parte de Belém
A primeira admissão veio logo na declaração inicial de Fernando Frutuoso de Melo na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI): o caso das gémeas luso-brasileiras “foi tratado como qualquer outro” e seguiu o “procedimento padrão” em relação a este tipo de situações. Há, no entanto, uma diferença: quando enviou o e-mail para o gabinete do primeiro-ministro, o chefe da Casa Civil do Presidente da República decidiu “deliberadamente omitir a identificação de quem pediu ajuda para as gémeas.” Esse “quem” era Nuno Rebelo de Sousa, filho do Presidente da República.
Ainda assim, deixou um ponto bem claro: “Não houve qualquer favor por parte da Presidência da República.” E garantiu ainda: “Não falei com a ministra da Saúde [Marta Temido].”
Relembrando que há “milhares” de pedidos semelhantes a chegar a Belém, Frutuoso de Melo recuou até 2019, quando houve duas outras crianças, Matilde e Natália, que receberam o mesmo tratamento das gémeas luso-brasileiras. Três meses depois, surge o contacto de Nuno Rebelo de Sousa, questionando se havia algo a fazer. A 29 de outubro desse ano, o filho do Presidente questionou o que podia dizer “aos pais das bebés”, que estavam “desesperados”. A resposta: “A prioridade é dada aos casos a ser tratados nos hospitais portugueses.”
Gerardo Santos / Global Imagens
Fernando Frutuoso de Melo enviou então uma carta com o pedido de Nuno Rebelo de Sousa (cujo nome foi omitido, para não haver identificação de quem era o remetente original), anexando-lhe dois relatórios médicos. “A intervenção da Casa Civil terminou aqui”, garantiu.
No entanto, foram deixadas pontas soltas. Em resposta a João Almeida, do CDS-PP, Fernando Frutuoso de Melo disse que o filho do Presidente da República se queixou da burocracia de todo o processo e assume que Nuno Rebelo de Sousa “não teve a resposta que desejava”. Que desejo era este? Frutuoso de Melo recusa fazer uma interpretação.
Por responder ficou também a questão: foi este o único pedido que Nuno Rebelo de Sousa fez chegar à Presidência? “Não posso jurar que tenha sido o único, mas foi certamente o mais relevante.” O chefe da Casa Civil acrescentou ainda que, “desde o primeiro dia”, o Presidente da República foi claro, ao dizer que “família de Presidente não é Presidente. Filho de Presidente não é Presidente”. Mas sentiu “algum desconforto” quando lidou com o caso, admitiu.
Dizendo não conhecer as motivações de Nuno Rebelo de Sousa ao enviar o pedido para a Presidência, Frutuoso de Melo considera que o “dossier ficou fechado a a 29 de outubro de 2019”, quando remeteu a última resposta por e-mail. Depois dessa data, não tem conhecimento de mais nenhum contacto da Presidência da República com o filho do Presidente.
Outra garantia que deixou na CPI foi a de que a Casa Civil não contactou o Hospital de Santa Maria. Quem o fez terá sido Maria João Ruela, assessora presidencial para os assuntos sociais e comunidades [que será ouvida esta quarta-feira às 14.30 na CPI]. “Tentou perceber como se procedia nestes casos”, após o contacto de Nuno Rebelo de Sousa - com quem, aliás, Frutuoso de Melo negou falar “regular ou irregularmente. É um conhecido”.
Marcelo decide na próxima semana se vai depor
Por sua vez, o Presidente da República remeteu para a próxima semana uma decisão para o seu depoimento na CPI.
Questionado sobre a sua decisão de responder ou não perante os deputados, afirmou: “Para a semana depois direi qual é a minha posição sobre a carta.”
Marcelo Rebelo de Sousa foi notificado para depor perante os deputados, tal como António Costa e Augusto Santos Silva. Segundo a lei, os três podem responder por escrito, não estando obrigados a ir presencialmente ao Parlamento.
CPI decide sobre queixa contra advogado
Antes da audição de Maria João Ruela (esta quarta-feira, às 14.30 horas), os deputados vão discutir a possibilidade de avançar com uma queixa por desobediência junto do Ministério Público contra Wilson Bicalho, advogado da mãe das gémeas. Em causa está o facto de o causídico não ter entregue os documentos ligados à apólice da seguradora brasileira AMIL, celebrada com a mãe das meninas. Daniela Martins considera o pedido ilegal. Esta “não é uma questão de sigilo, mas de desrespeito com a Assembleia e a CPI”, considerou o deputado António Rodrigues (PSD), antes dos trabalhos de ontem.