Cavaco aponta "falhanço" e falta de credibilidade ao Governo

Antigo Presidente da República volta a carregar nas críticas. Condena rendas congeladas e o arrendamento forçado e diz que o executivo tem minado a confiança do mercado.

Foi uma crítica a três tempos: durante sete anos, o governo nada fez para resolver os problemas da habitação; agora que o fez, foi por maus caminhos; e as medidas adotadas minam a confiança do mercado e têm um problema de credibilidade que deriva do próprio executivo. A traços largos, foi esta a mensagem deixada ontem pelo antigo Presidente da República Cavaco Silva, que volta assim a protagonizar uma intervenção pública muito crítica ao governo. E se, em ocasiões anteriores, acusou os executivos de António Costa de imobilismo, inércia, falta de rumo, eleitoralismo ou falta de coragem política, agora somou-lhe - invocando as promessas feitas e não cumpridas - a "falta de credibilidade".

O palco para as críticas do antigo Presidente de República foi a conferência que assinalou os 30 anos do Programa Especial de Realojamento (PER), uma iniciativa promovida pela Câmara de Lisboa, que decorreu na Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa, na Ajuda. Com Carlos Moedas como anfitrião, a conferência contou também, na primeira fila da assistência, com Luís Montenegro, presidente do PSD.

Cavaco Silva, como vem sendo timbre nas suas intervenções públicas, não poupou nas palavras. "A atual crise é o resultado do falhanço da política do governo no domínio da habitação nos últimos sete anos, com custos sociais muito elevados para milhares de famílias", acusou o antigo primeiro-ministro social-democrata, que diz ter "muitas dúvidas" quanto ao sucesso do programa Mais Habitação anunciado pelo governo em meados de fevereiro. Para Cavaco há várias "medidas negativas" no conjunto das propostas. Mas esse não é o único problema: "Como o historial do governo dos últimos sete anos não é positivo em matéria de cumprimento de promessas feitas, o novo programa de habitação sofre do problema de credibilidade próprio das políticas do atual executivo", considerou Cavaco Silva, que deixou um conselho para resolver a questão - que o governo "se encoste à credibilidade das câmaras municipais".

Para Cavaco Silva, além do problema de falta de credibilidade, "há um outro fator inerente ao atual governo que põe em causa a eficácia prática do programa" - a confiança. "Ao longo dos sete anos no poder, o governo tem feito o possível para corroer a confiança dos investidores", acusou o antigo Presidente, desafiando o governo a afastar a "absurda ideia de fazer do estado um agente imobiliário ativo, substituindo os empresários e os proprietários das casas". O executivo tem de perceber "que os senhorios não são um instrumento de política social", advertiu: "Os livros ensinam que os instrumentos fundamentais da política de redistribuição do rendimento são os impostos e as transferências políticas e não as rendas dos senhorios".

No seu discurso, Cavaco Silva visou duas medidas em particular, o arrendamento coercivo de casas devolutas e o congelamento definitivo das rendas antigas, duas das propostas que têm causado mais polémica e que foram particularmente mal recebidas pelas associações de proprietários. "O governo deu dois outros golpes no clima de confiança dos investidores: pôs em causa o direito de propriedade dos prédios de que os cidadãos são detentores através da ameaça do arrendamento compulsivo de casas devolutas", apontou também Cavaco, acrescentando que "face a este conflito de direitos - direito de habitação e direito de propriedade - os marxistas ignorantes das regras da economia de mercado que vigora na União Europeia" dirão: "Que se proceda à coletivização da propriedade urbana privada". E rematou: "Deixemo-los em paz com a sua ignorância".

Já quanto a "ressuscitar o congelamento das rendas de tão má memória para as rendas anteriores a 1990, passando o Estado a pagar aos senhorios a atualização das rendas", o antigo chefe do Estado voltou a questionar a credibilidade do executivo liderado por António Costa. "Face ao historial do atual governo, quem garante que o Estado cumprirá no futuro essa obrigação e não mudará as regras como já fez?", questionou.

A intervenção de Cavaco Silva mereceu a concordância de Luís Montenegro, que falou numa crítica "justificada e fundamentada" às medidas do governo. Já o PS veio reagir afirmando que as palavras de Cavaco são mais do mesmo. "Ao longo dos últimos anos habituámo-nos a ouvir o professor Cavaco Silva quase sempre com um espírito destrutivo em relação ao governo e em relação ao PS, e hoje [ontem] não foi exceção", afirmou à Lusa João Torres, secretário-geral adjunto dos socialistas, acrescentando que "seria esperável, por parte de um antigo chefe de Estado, que tivesse uma postura mais construtiva".

Recusa da Madeira deve ser ponderada e negociada

O programa "Mais Habitação" está também na mira dos governos regionais. Miguel Albuquerque, líder do executivo madeirense, já exigiu soluções específicas para a realidade regional, rejeitando medidas como o arrendamento forçado de habitações devolutas, o fim dos vistos gold ou as restrições ao alojamento local. Marcelo Rebelo de Sousa, que esteve este sábado no arquipélago, veio afirmar que a recusa destas medidas deve ser ponderada e objeto de conversações com o governo, sobretudo numa altura em que vários diplomas estão ainda em consulta pública, ou seja, ainda não finalizados. "Vamos esperar e ver qual é o panorama global [do programa Mais Habitação], até porque há outras propostas alternativas", afirmou o Presidente da República, numa referência à aprovação no Parlamento, na passada semana, de um conjunto de medidas apresentado pelo PSD.

susete.francisco@dn.pt

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