"Não fiz nada que o secretário de Estado não soubesse ou que não me tivesse pedido", disse Carla Silva.
"Não fiz nada que o secretário de Estado não soubesse ou que não me tivesse pedido", disse Carla Silva.Paulo Spranger / Global Imagens

Caso das gémeas: Ex-secretária de Lacerda Sales diz ser "bode expiatório" e que "a verdade vence sempre"

Carla Silva alegou que o antigo secretário de Estado da Saúde teve "pleno conhecimento" das suas intervenções no processo que levou a que as duas gémeas luso-brasileiras recebessem um tratamento que custou quatro milhões de euros ao Serviço Nacional de Saúde. "Hoje faria de forma diferente", garantiu aos deputados.
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A ex-secretária do antigo secretário de Estado da Saúde, Lacerda Sales, admitiu nesta sexta-feira, na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) às gémeas luso-brasileiras tratadas com o medicamento Zolgensma, que terá sido "provavelmente um bode expiatório" desde que o caso foi revelado. E terminou a audição, muito crítica em relação ao ex-governante, que a responsabilizou pela marcação da consulta no Hospital de Santa Maria, a dizer que "a verdade vence sempre" e a agradecer "a todas as pessoas que acreditaram em mim desde o início",

Respondendo a uma pergunta da deputada bloquista Joana Mortágua, Carla Silva, que exigiu não aparecer na transmissão da ARTV, o que acabou por acontecer momentaneamente, motivando um pedido de desculpas do deputado do Chega Rui Paulo Sousa, presidente da CPI - "tenho de proteger a minha imagem ao máximo", justificou -, referiu que "temos um secretário de Estado a negar qualquer intervenção e a levantar suspeições em relação a mim".

Salientando ao longo da audição que nada fez nenhuma comunicação sobre as duas meninas que sofrem da doença neurodegenerativa atrofia muscular espinhal sem o conhecimento de Lacerda Sales, ou do seu chefe de gabinete, Carla Silva começou por dizer aos deputados que o então secretário de Estado da Saúde lhe deu o contacto de Nuno Rebelo de Sousa após a reunião que teve com o filho do Presidente da República, também responsável pela Câmara Portuguesa de Comércio de São Paulo, que chamou atenção para o grave problema de saúde das crianças.

Segundo Carla Silva, Lacerda Sales deu-lhe indicações para contactar o Hospital de Santa Maria. Como tinha trabalhado anteriormente nessa unidade hospitalar, a secretária dirigiu um pedido de avaliação do caso a Ana Isabel Lopes, diretora do Departamento de Pediatria, que "conhecia profissionalmente".

Quanto à ideia de que foi comunicado ao hospital lisboeta, onde as crianças receberam um tratamento com um custo de quatro milhões de euros, que estava em causa um pedido do filho do Presidente da República, a inquirida respondeu a Joana Mortágua com um "creio que não".  De igual forma, limitou-se a um "não sei" quando a bloquista lhe perguntou se era normal existir uma nota no processo clínico a dizer que a consulta tinha sido pedida pelo secretário de Estado.

Antes, respondendo ao líder do Chega, André Ventura, afirmou ter reencaminhado para Lacerda Sales uma mensagem de correio eletrónico da mulher de Nuno Rebelo de Sousa, Juliana Drummond, em que reencaminhava outra mensagem, da mãe das duas gémeas, agradecendo ao então secretário de Estado da Saúde.

Para Carla Silva, que repetiu várias vezes "não fiz nada que o secretário de Estado não soubesse ou que não me tivesse pedido", as declarações de Lacerda Sales a responsabilizá-la pelas démarches junto do Hospital de Santa Maria não fazem sentido, embora o mail enviado a Ana Isabel Lopes não tivesse o governante em conhecimento. "Tinha pleno conhecimento de todas as fases da minha intervenção neste processo", disse a Inês de Sousa Real, acrescentando "não sei porque é que o secretário de Estado reagiu dessa forma", numa resposta ao deputado social-democrata António Rodrigues.

Acareação "inútil" com Lacerda Sales

Elogiada por vários deputados na segunda ronda de perguntas, Carla Silva ouviu António Rodrigues destacar a sua "coerência". "Em momento algum vacilou. Atrever-me-ia a dizer que é a coerência da verdade", disse o social-democrata, que disse ter ponderado requerer a acareação da secretária com Lacerda Sales, mas que tal "seria inútil" quando está em causa um ex-governante que, nas suas palavras, "atira, a torto e a direito, para cima dos outros as suas responsabilidades".

Em vez de fazer mais perguntas à antiga secretária de Lacerda Sales, foi realçada por António Rodrigues a carta do então presidente do Conselho de Administração do Centro Hospital Universitário de Lisboa Norte, Daniel Ferro, enviada dias após a primeira consulta das duas crianças, na qual terá sido pedido ao Ministério da Saúde que o orçamento fosse reforçado em quatro milhões de euros. "O hospital tinha noção de que teria de o fazer", referiu o deputado do PSD.

Respondendo a Cristina Rodrigues do Chega, Carla Silva admitiu que, "sem dúvida, hoje faria de forma diferente" todas as suas intervenções neste caso, visto que tem "uma visão geral do que está em causa". Ainda assim, minutos depois reconheceu não saber "o que está em causa neste processo".

Sem revelar se está zangada com Lacerda Sales - "não vou responder a isso", disse aos deputados -, a secretária admitiu ter sido contactada pelo ex-secretário de Estado da Saúde "já depois de o caso estar mediatizado". Este ter-lhe-á dito que lhe queria fazer uma pergunta, sugerindo que se encontrassem nos jardins da Assembleia da República. Perante isto, respondeu que o encontro poderia ser à porta do Ministério da Saúde, tendo ficado sem resposta.

Carla Silva disse ainda que nunca mais teve qualquer contacto com Nuno Rebelo de Sousa e confirmou, respondendo a Inês de Sousa Real, que o então secretário de Estado da Saúde estava consciente do seu percurso profissional e da ligação ao Hospital de Santa Maria. Não só esse assunto foi abordado na entrevista que antecedeu a sua entrada para o gabinete como transitou diretamente do Centro Hospital Universitário de Lisboa Norte para o Ministério da Saúde.

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