No seu livro, refere que existem cerca de 40 monarquias a nível mundial. Então, porquê escrever sobre monarquias numa altura em que este regime está em clara desvantagem perante a República? Embora a monarquia decresça nominalmente, ou seja, há muito poucos regimes a que se chamam monarquias, o que me interessava era uma coisa ligeiramente diferente, que é a monarquia como o governo de um só. Este governo é muito mais elástico do que aquilo que parece. Quer dizer, quando no século XVIII ou XIX se pensava em democracias, pensava-se em decisões colegiais. Hoje em dia, uma democracia serve, maioritariamente, para eleger um governante que é, ele próprio, um só. O que acaba por acontecer é que temos, sob outro nome, uma série de monarquias no sentido clássico do termo. Não são hereditárias, é verdade, mas são monarquias..Ou seja: há aqui ligações entre as repúblicas atuais e as monarquias, é isso? Sim. É até um bocadinho mais do que isso. Quer dizer, a ideia de governo de um só é uma coisa que está presente, que é quase incontestável hoje em dia. Não há países que decidam maioritariamente, por colégios. Não há governos executivos que sejam exatamente democráticos. Por isso, a monarquia, no sentido clássico do termo, não decresceu e não está invalidada. Recuperou, até. E isso era uma coisa que me parecia interessante. Por outro lado, já assistimos, noutros tempos da História, à destruição nominal da ideia de monarquia. Os vários reis de Roma, por exemplo. Depois, quando é estabelecida a República, a monarquia, como ideia e nome, desaparece e é desaprovada o tempo todo. Mas acaba por regressar no Consulado [da Revolução Francesa], e isso também é interessante: uma ideia política nunca está exatamente morta. Era isso que me interessava. Ver como é que esta ideia persiste, como é que se infiltra sob outros nomes, sob outros processos, naquilo que é uma vida contemporânea que parece ter rejeitado completamente esta ideia de monarquia..No contexto nacional, se essa transição fosse feita, eventualmente, da monarquia hereditária para a monarquia eletiva, será que havia espaço para implementar novamente a monarquia em Portugal? Ou até mesmo para crescer em termos de apoiantes. Acho que é difícil vivermos de costas voltadas para a nossa consciência. Isto é, a partir do momento em que não tenho consciência de que o meu tipo de governo se aproxima de um governo monárquico, não há nada que faça aproximar da ideia nominal de monarquia e não há nada que provoque uma vontade de esclarecer, de dar um nome adequado, ou do que quer que seja. A partir do momento em que nos apercebemos de que há uma série de princípios que são mais próximos das monarquias clássicas do que propriamente das democracias, isto pode sempre gerar um aproximar desta ideia de monarquia, uma vontade de tornar as coisas mais coerentes. Isso é que é um ponto fundamental das monarquias e é uma das coisas que me interessava explorar no livro: um sistema político não é só uma teoria sobre quem governa..E no caso português em concreto, considera que a sociedade tem mais traços monárquicos ou republicanos? O [Alasdair] MacIntyre tem uma ideia sobre a civilização que acho que é muito bem apanhada, que, no fundo, defende que vivemos numa civilização de estilhaços. Estilhaços de sistemas filosóficos ou organizacionais que coabitam. Acabamos por ter elementos que são, claramente, de sociedades mais próximas de uma mundividência monárquica. Temos elementos mais próximos de uma sociedade democrática. E esses elementos, às vezes, conseguem integrar-se, outras vezes chocam. Não sei dizer se nós vivemos numa sociedade com mais elementos que a aproximem da monarquia ou da democracia. Sei que vivemos numa sociedade que está pouco alerta para estas contradições que, às vezes, se juntam dentro dela, e que esse conflito acaba por gerar uma má integração dos dois tipos de coisa. Quando temos a liberdade, entendida no sentido democrático, a chocar, permanentemente, com a liberdade entendida no sentido mais clássico, isso é um bom exemplo disto. Estamos sob os mesmos conceitos a falar de coisas completamente diferentes e há aí um choque difícil..Portanto, não é uma questão de ser melhor ou pior um ou outro regime. São regimes diferentes, mas ao mesmo tempo com ligações, é isso? Sim. A classificação de melhor ou pior não pode ser feita nos sentidos tradicionais em que é feita. Há claramente sistemas que são mais apropriados a certas épocas ou a certos povos. Acho também que a consciência disto choca ligeiramente com o princípio democrático, que acaba por estabelecer a ideia de que o regime democrático é um regime neutro. Não é propriamente uma filosofia, mas é um lugar em que várias filosofias podem coexistir. Por isso, o que acho é que a monarquia - por não concentrar a sua legitimidade no modo como o poder surge - está mais preparada para abarcar no seu seio esta ideia de que a História e os lugares podem precisar de adaptação e de tipos de governo diferentes. O problema é que a nossa conceção de democracia não admite esta ideia.