O clima de divisão interna no PS agravou-se ao longo de 1982, sobretudo a propósito do processo de revisão constitucional. Jorge Sampaio assumiu-se cada vez mais como elemento destacado da minoria, embora fosse ele a pôr água na fervura nos momentos mais acalorados do desaguisado entre Mário Soares e Salgado Zenha..Nas jornadas parlamentares de janeiro de 1982, quando Zenha se queixou de que "não estava disposto a aturar atitudes de má-criação" e Soares respondeu com um desafiador "se for preciso separarmo-nos, então separemo-nos", Sampaio interveio para fazer um apelo "à calma e à amizade" entre os camaradas..Zenha seria convidado a demitir-se de líder do grupo parlamentar. Recusou e foi alvo de um processo disciplinar que resultou na sua suspensão. Foi neste ambiente que acabou por ser votada a revisão da Constituição. Sampaio votou a favor, obrigado pela disciplina partidária, mas fez várias declarações de voto para sublinhar o seu desacordo relativamente à redução dos poderes presidenciais e à extinção do Conselho da Revolução..Em março de 1982 presidiu, na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, a um colóquio comemorativo do 20.º aniversário da crise académica de 1962. O antigo secretário-geral da RIA chorou ao ler uma mensagem da antiga colega Isabel do Carmo, presa no âmbito do processo dos assaltos aos bancos por parte de militantes do PRP/BR, partido de que era dirigente..Um dos documentos mais importantes saídos do sótão de Guterres foi escrito por... Jorge Sampaio. Eram 13 regras destinadas a balizar o relacionamento no interior do PS, com o objetivo de fazer respeitar os direitos da minoria pela maioria. Ficou conhecido como o "decálogo de Sampaio" e dizia logo no primeiro ponto: "A solidariedade interna não elimina o direito de expressão das divergências, quer no interior do partido, quer no seu exterior." Soares aceitou o documento..Nas autárquicas de dezembro de 1982, Sampaio foi eleito para a Assembleia Municipal de Sintra. Embora ficando atrás da AD em número de votos e percentagem global, o PS cantou vitória por ter sido o partido que mais subiu e mais novas câmaras conquistou. Freitas do Amaral aproveitou aquilo a que chamou "desaire eleitoral" para romper a coligação com o PSD e tirar o tapete ao primeiro-ministro, Pinto Balsemão..As legislativas antecipadas de 1983 deram o primeiro lugar ao PS, mas longe da maioria. Para garantir a governabilidade do país, à beira da bancarrota, e o indispensável empréstimo do FMI, Mário Soares coligou-se com o PSD de Mota Pinto e formou o Bloco Central. Fora do Parlamento ficou Jorge Sampaio, que, com a maioria dos elementos do ex-secretariado, se recusou a integrar as listas de deputados socialistas impostas por Soares..Sampaio aproveitou a travessia do deserto para se dedicar ao trabalho e à família. Como especialista em marcas e patentes - em 1978 conseguira que o Supremo Tribunal lhe desse razão num assento sobre o fabrico de um antibiótico, que é considerado pelo próprio como a sua "coroa de glória" -, interveio num processo que envolveu os célebres charutos cubanos Montecristo e noutro sobre as imitações das garrafas do licor francês Cointreau. Quando foi lançada a Revista de Propriedade Industrial, em 1985, foi naturalmente colaborador daquela publicação especializada na sua área de advocacia..Um processo judicial que envolveu figuras gradas da sociedade portuguesa, incluindo do mundo da política, foi o "caso DOPA", que rebentou em 1985 e foi julgado em 1987. Sampaio foi um dos advogados de Francisco Sousa Tavares, então ministro da Qualidade de Vida do governo do Bloco Central, acusado de irregularidades cambiais. Sousa Tavares demitiu-se e, apesar de, ao contrário dos outros arguidos, ter usado a empresa DOPA para fazer entrar divisas estrangeiras (no caso, um cheque de 10 mil dólares) em Portugal, acabou por ser condenado a seis meses de prisão por negligência - pena entretanto amnistiada..Ainda em 1985, o escritório que Jorge Sampaio partilhava com Vera Jardim, Júlio Castro Caldas e outros colegas mudou da Columbano Bordalo Pinheiro para a Avenida Duque de Ávila, onde se lhes juntou Manuel Magalhães e Silva. Por essa altura já lá trabalhava o jovem advogado e futuro primeiro-ministro António Costa..Em outubro de 1984, Jorge Sampaio sofreu um grande desgosto com a morte do pai, o médico e ex-diretor-geral da Saúde Arnaldo Sampaio..O regresso à primeira linha da política teria de esperar até 1986. Para trás ficara a entrada de Portugal na então CEE, logo seguida pela desintegração do Bloco Central, acelerada pela morte de Mota Pinto e pela tomada do poder por Cavaco Silva no PSD..Ficara também a chegada de Cavaco ao governo, ainda sem maioria, numas eleições marcadas pela entrada no Parlamento do partido eanista (PRD) com um forte grupo de deputados (45) e pela humilhação do PS, que pagou a fatura dos salários em atraso e da austeridade imposta por Soares. Almeida Santos deu a cara pelos socialistas. Nos cartazes espalhados por todo o país pedia 43%, o número mágico da maioria absoluta. Teve um resultado histórico - o pior de sempre: 20,8%..Candidato não-eleito por Lisboa, Jorge Sampaio recusou-se a fazer coro com os que crucificaram Mário Soares pela derrota. Defendeu-o até numa comissão nacional tempestuosa. O secretário-geral, que entretanto se autossuspendera para apresentar a candidatura à Presidência da República, agradeceu-lhe: "Você hoje safou-me!".A campanha presidencial foi épica. Soares começou com 7,9% nas sondagens, inverteu a pulso a impopularidade que se lhe tinha colado e, após um debate fratricida com Zenha na televisão e de ser agredido no bastião comunista da Marinha Grande, ganhou as "primárias da esquerda" a Zenha e a Maria de Lourdes Pintasilgo..Na segunda volta, Jorge Sampaio foi o emissário de Soares em dois encontros secretos com dirigentes de topo do PCP. Resultado: Cunhal mobilizou os eleitores comunistas para votarem em Soares, que acabou por ser eleito..A partir de Belém, Soares ainda tentou influenciar a sua sucessão na liderança do PS apoiando Jaime Gama. Mas foi Vítor Constâncio quem se tornou secretário-geral no congresso de junho de 1986, que pelo caminho deixou cair o marxismo como ideologia. Sampaio foi eleito para o secretariado nacional e ficou com o pelouro das relações internacionais, onde substituiu o até então fidelíssimo soarista Rui Mateus, que, anos depois, viria a escrever um livro demolidor para o antigo "patrão"..A ascensão de Jorge Sampaio na cúpula socialista tornou-se imparável. Regressado a S. Bento (para o lugar deixado vago por Mário Soares), integrou a direção da bancada como vice-presidente responsável pela integração europeia. As funções no Parlamento e no partido levaram-no a intensas deslocações ao estrangeiro, onde contactou com inúmeros líderes internacionais..Em 1987, o PS votou a favor de uma moção de censura apresentada pelo PRD, derrubando o governo minoritário de Cavaco. Vítor Constâncio estava convencido de que Soares o iria nomear primeiro-ministro de um Executivo socialista com apoio do PRD e do PCP. Em vez disso, o Presidente dissolveu o Parlamento e convocou as eleições que deram a primeira maioria absoluta a Cavaco Silva..Cabeça de lista por Santarém, Jorge Sampaio foi eleito líder parlamentar da bancada socialista, confirmando no hemiciclo a fama de tribuno brilhante - e temível - que trazia das lutas académicas e da barra..Apesar da vitória esmagadora no congresso de fevereiro de 1988, com 89% dos votos e que voltou a entronizá-lo como líder do PS, Vítor Constâncio viu o partido fugir-lhe das mãos nos meses seguintes. Com a aproximação das eleições autárquicas, marcadas para finais de 1989, o secretário-geral chegou à conclusão de que ninguém de primeiro plano se chegava à frente para encabeçar a candidatura à câmara que, acima de todas, faria a diferença: Lisboa..Quando António Guterres, seu apoiante da primeira hora, também se recusou, Constâncio bateu com a porta. Os jornais da época citaram-no: "Não tinha generais para combater.".A demissão de Vítor Constâncio abriu a corrida à liderança. Jorge Sampaio achou que chegara a sua hora: a 18 de novembro de 1988 anunciou que decidira candidatar-se ao cargo de secretário-geral do PS..O adversário foi Jaime Gama e a campanha incluiu um frente a frente na RTP, assim como debates na rádio e nos jornais. Por fim, os delegados ao congresso extraordinário de janeiro de 1989 escolheram: Jorge Sampaio foi eleito com 62,7% dos votos, contra 34,7% de Gama. A concluir o discurso de consagração como novo líder dos socialistas, ia fazendo vir abaixo o Pavilhão Carlos Lopes, em Lisboa: "Com este PS, com o PS, tudo é possível!".Os primeiros tempos na chefia do partido foram de cortar a respiração. Começou por pôr ordem na casa, ao colocar gente da sua confiança nos postos-chave. Entregou a presidência do grupo parlamentar a António Guterres e percorreu a Europa para reforçar os laços com a Internacional Socialista..À porta da sede, no Largo do Rato, apareceram a bater muitos novos militantes, sobretudo antigos membros do MES, católicos progressistas e ex-PRD..Na Assembleia da República, foi já sob a sua liderança que foi votada a segunda revisão constitucional (que tinha sido negociada sobretudo por Vítor Constâncio) e graças à qual se tornou possível abrir a televisão aos privados, acabar com as nacionalizações e a reforma agrária. Num debate mais aceso em São Bento, olhou nos olhos os deputados da primeira fila do PSD que lhe gritavam e desafiou: "Não é pelos gritos que me vão calar, senhores deputados!".Em julho de 1989, a escassos cinco meses das eleições autárquicas e depois de sucessivas negas de outros tantos potenciais candidatos ganhadores à Câmara Municipal de Lisboa, como Nuno Portas e Gonçalo Ribeiro Telles, Jorge Sampaio decidiu não esperar mais. Ouvidos os amigos políticos mais próximos - Nuno Brederode Santos, José Manuel Galvão Teles, António Costa - e também o irmão Daniel e a mulher, Maria José, Sampaio anunciou que o candidato seria... ele..Mas uma candidatura do líder do partido tinha que ser para ganhar. E Sampaio mostrou que não era em vão que transportava a fama de ter conseguido organizar, montar e manter a mais importante luta dos estudantes contra a ditadura e de ser um temível negociador, tanto nos bastidores dos escritórios de advocacia como na barra do tribunal..Tal como, a seguir à primeira volta das presidenciais de 1986, tinha dado o primeiro passo para obter o apoio decisivo dos comunistas à eleição de Mário Soares, foi também ele o primeiro a avançar com uma proposta irrecusável ao PCP: uma aliança formal para conquistar Lisboa à direita..No dia 17 de dezembro de 1989, a coligação Por Lisboa, constituída pelo PS, PCP, MDP e Os Verdes, ganhou as eleições na capital e abriu a Jorge Sampaio as portas dos Paços do Concelho. Para a Assembleia Municipal, pelo parceiro de coligação, foi eleito outro nome já bem conhecido dos portugueses e que, anos depois, ganharia fama mundial: José Saramago..O jornalista João Ferreira já não faz parte da redação do DN