A companhia aérea Azul pediu uma intervenção da diplomacia do Governo do Brasil para levar a questão do pagamento da dívida da TAP à agenda de discussões bilaterais entre aquele país e Portugal. Representantes do Ministério das Relações Exteriores, homólogo ao dos Negócios Estrangeiros, receberam uma carta assinada pelo CEO da Azul, John Rodgerson, e pelo vice-presidente institucional da empresa, Fábio Campos, datada de 30 de setembro último, a pedir apoio para “solução de disputa comercial com empresa pública portuguesa, que põe em risco cooperação bilateral no setor de aviação civil”..O DN teve acesso à carta, de seis páginas, endereçada ao Embaixador Alex Giacomelli da Silva, diretor do Departamento de Promoção Comercial, Investimentos e Agricultura do Ministério das Relações Exteriores, com cópia enviada a outros elementos da diplomacia brasileira..No texto, os responsáveis pela Azul afirmam que “tendo em vista o facto de que o capital da TAP é exclusivamente detido pelo Estado português, o descumprimento de contrato milionário de investimento celebrado com a companhia brasileira tem potencial de se tornar um irritante na relação bilateral entre os países”..O documento ainda relata que ações recentes do Governo de Portugal para esvaziar a TAP SGPS de ativos, com a transferência destes para a TAP S.A., que será privatizada, acendem “o sinal de alerta para problemas diplomáticos, como o da expropriação indireta de investimentos brasileiros no exterior”. Na sequência, uma acusação clara: “De facto, o Estado português está se apropriando de um ativo de propriedade de investidor estrangeiro, sem a correspondente indemnização”..Reprodução de trecho da carta enviada pela Azul a representantes da diplomacia brasileira em 30 de setembro..Empréstimo vence em 2026.Em julho deste ano, a Azul notificou a TAP do incumprimento “de uma série de obrigações vinculadas à emissão de bonds, com vencimento em 2026”, escreve a companhia brasileira noutro documento ao qual o DN teve acesso. No texto, enviado dez dias antes do pedido aos diplomatas à administração da TAP e aos gabinetes dos ministros das Finanças e das Infraestruturas e Habitação, a Azul afirma que, após a cobrança, a TAP terá respondido, no dia 5 de agosto, com uma “tese jurídica surpreendente e inédita”, que alterava a qualificação do contrato firmado em 2016 que emitiu as “bonds”..Na altura, a Azul financiou a TAP SGPS, que é a holding da TAP S.A., com o valor de 90 milhões de euros com a aquisição de títulos conversíveis em ações. Este contrato tem a qualificação de empréstimo de natureza obrigacionista, com uma série de garantias dadas pela TAP ao cumprimento do pagamento, com juros, em dez anos. De acordo com o documento, o valor em 28 de junho de 2024, quando foi emitido um extrato pelo Banco Santander, já estava em 165 670 030,62 de euros, incluídos os juros fixados no contrato. O valor no vencimento, que será em 15 de março de 2026, está calculado em aproximadamente €189 536 356,76 de euros..Na resposta de agosto, a TAP terá tentando caracterizar o contrato não mais como de natureza obrigacionista, mas como “um contrato de suprimento - devido ao facto de a Azul pertencer ao seu acionista David Neeleman -, o que levaria, nos termos do n.º 6 do art. 245.º do Código das Sociedades comerciais (CSC), à natureza subordinada dos créditos da Azul e subsequente nulidade das garantias reais a ele atreladas”, explica a companhia brasileira..Além disso, a Azul afirma que desde a assinatura “a única alteração ao contrato de emissão dos bonds foi, no dizer da própria TAP - ‘tão só e apenas’ e ‘nada mais’ para eliminar o Direito de Conversão da Azul”. Em 2020, na sequência de medidas estipuladas pela União Europeia no combate à pandemia, a Azul concordou em abrir mão da possibilidade de conversão dos títulos em ações da TAP, um ato que afirma ter sido feito “num espírito cooperativo e de boa-fé”..Em conclusão à resposta à companhia portuguesa, a Azul sugere que a TAP poderá estar a incorrer em “abuso de direito” que, “a ser invocado, fundamentadamente” por parte da companhia brasileira, “não deixaria de repercutir na visão do mercado a respeito dos compromissos, transparência e credibilidade da TAP”..Reprodução de trecho da carta enviada pela Azul à administração da TAP, aos ministérios das Finanças e das Infraestruturas em 20 de setembro..Privatização.Ontem, o ministro de Portos e Aeroportos do Brasil, Silvio Costa Filho, reuniu-se em Lisboa com o titular das Infraestruturas e Habitação de Portugal. Em conversa exclusiva com o DN após o encontro, o governante brasileiro disse que Miguel Pinto Luz “comunicou oficialmente o processo de privatização da TAP”..Segundo Costa Filho, o ministro português “assegurou que, independente do processo de privatização da TAP, e mesmo com a privatização sendo feita, que deve ocorrer no ano de 2025, todas as rotas para o Brasil estarão preservadas”..O DN sabe que a Embaixada do Brasil em Lisboa acompanhou a reunião e foi informada sobre o “irritante” diplomático. O DN também sabe que o diretor do Departamento de Promoção Comercial, Investimentos e Agricultura do Ministério das Relações Exteriores fez diligências junto da Secretaria Nacional de Aviação Civil para que o ministro Silvio Costa Filho realizasse as ações pertinentes ao caso durante sua agenda em Lisboa..O governante brasileiro disse ao DN que o assunto “foi discutido rapidamente” na reunião. “É um tema importante, mas o que ficou acertado entre os dois governos é que, naturalmente, vamos acompanhar esse processo de diálogo da TAP com a Azul, mas temos que aguardar o processo jurídico”, disse Costa Filho. O ministro explicou que o diálogo entre as empresas “ficará na linha de discussão entre as companhias aéreas e entre os advogados. Ambos entendem a importância do entendimento para que possamos preservar essa relação saudável entre a TAP e a Azul, mas neste momento, como há um processo jurídico em curso, temos que respeitar e acompanhar ao final a decisão que será tomada”..A Azul apresenta ainda, nos dois documentos consultados pelo DN, uma sequência de incumprimento de cláusulas por parte do Governo português, como a transferência, sem conhecimento da empresa, das ações da TAP SGPS para a TAP S.A., fazendo com que a holding fique sem património, não tendo “bens passíveis de penhora e alienação” para pagar a Azul. A notícia da passagem da gestão da Portugália, “um dos últimos ativos” da TAP SGPS para a TAP S.A., agrava o “fundado receio” da empresa de que Portugal não vai pagar o empréstimo..Questionada, a TAP limitou-se a dizer que não tinha qualquer comentário a fazer. Os ministérios das Finanças e das Infraestruturas e Habitação não responderam..caroline.ribeiro@dn.pt