As perguntas sem resposta, os silêncios e a desdramatização

António Costa desvaloriza as divergências, elogia repetidamente a sua governação e garante "total convergência" com o Presidente para o futuro. E a vigilância de Marcelo? "Nada incomodado".
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Primeiro, um silêncio de mais de 21 horas. Ninguém falaria antes do primeiro-ministro por "razões institucionais". Depois, um prolongamento do silêncio: "o primeiro-ministro já disse o que havia a dizer". E a seguir, uma receita igual proferida por ministros, não fosse Costa Silva, ministro da Economia, ter-se antecipado: "O que o país precisa, e creio que é a mensagem do senhor Presidente da República, é de estabilidade, é de continuidade, e o Governo tem toda a legitimidade para continuar, para conseguir resolver os problemas das pessoas". Duarte Cordeiro, ministro do Ambiente, que falou depois de Costa, reforçou a ideia: "Estarmos a trabalhar, mostrarmos o resultado do nosso trabalho, é um bom exemplo de para que é que a estabilidade é necessária".

Um governo com "pulseira eletrónica" [expressão usada por Miguel Pinto Luz na entrevista DN/TSF], um governo fragilizado? "Até na vida estamos a prazo, quanto mais nos governos", respondeu Costa Silva.

António Costa, minutos antes, à saída do Picadeiro Real, em Belém, após a cerimónia de entrega do Prémio Camões à escritora moçambicana Paula Chiziane, aparecia para as prometidas declarações sobre as palavras de Marcelo Rebelo de Sousa.

João Galamba podia ligar diretamente ao SIS, está nas suas competências? A pergunta ficou sem resposta. O governo ficou fragilizado depois do que disse o Presidente? A pergunta ficou sem resposta.

Mas por três vezes, e sem que a pergunta fosse feita, António Costa insistiu na repetição do elogio à sua governação: "No mês passado, pagámos a primeira prestação do apoio extraordinário às famílias mais carenciadas. Neste mês, as famílias que têm crédito à habitação terão já juros bonificados, quando estiverem acima da sua taxa de esforço, e vai ser pago também o primeiro mês de apoio às rendas para as famílias que estão com uma elevada taxa de esforço no acesso à habitação".

E até, minutos depois, e também sem que qualquer pergunta nesse sentido fosse feita, citou a Deco, por causa do IVA zero, para dizer que os "preços dos bens alimentares estão a baixar".

Marcelo Rebelo de Sousa, na quarta-feira, na comunicação ao país, justificando a não dissolução da Assembleia da República, tinha precisamente elencado um cabaz de necessidades políticas porque "num tempo, como este, o que [ os portugueses] querem é ver os governantes a resolverem os seus problemas do dia a dia. Os preços dos bens alimentares. O funcionamento das escolas. A rapidez na justiça. O preço da aquisição da habitação".

"Apesar de alguns grandes números muito positivos da nossa economia, e de apoios a famílias e empresas, esses grandes números ainda não chegaram à vida da maioria dos Portugueses. Eles esperam e precisam de mais e melhor", alertou ainda Marcelo.

Costa respondeu, esta sexta-feira, dizendo que em julho "a melhoria da economia traduzir-se-á num aumento intercalar das pensões" e que "neste mês já se verificará também uma tradução no aumento intercalar do vencimento dos funcionários públicos com retroativos a janeiro".

E a vigilância "atenta" e "interventiva" prometida por Marcelo Rebelo de Sousa? "Todos os portugueses confiam e desejam essa vigilância ativa por parte do senhor Presidente e o governo não é exceção, nem se sente nada incomodado", respondeu Costa.

Já sobre a "responsabilidade é mais do que pedir desculpa, virar a página e esquecer. É pagar por aquilo que se faz ou deixou de fazer. Não se afasta por razões de consciência pessoal" - ideia que o Presidente da República sublinhou -, o primeiro-ministro resumiu tudo a uma "divergência. Pronto, aconteceu. Não vale a pena dramatizar".

"Uma divergência natural, reconheço que rara nestes sete anos e dois meses, mas que é normal entre titulares de dois órgãos de soberania (...). Divergimos? Sim. O Sr. Presidente da República teve oportunidade, ontem [quinta-feira], de explicar muito minuciosamente as razões porque pensa como pensou. Eu tive oportunidade, na terça-feira, de explicar detalhadamente como conclui o que conclui", acrescentou.

"Natural", mas reduzida a uma circunstância: Marcelo Rebelo de Sousa "tem uma opinião divergente da minha sobre quem é responsável" pela situação "deplorável" - argumento repetido por duas vezes. "Partilhamos uma igual visão de que houve um acontecimento deplorável, divergimos sobre quem é o responsável por essa situação, mas estamos convergentes sobre o mais importante que é a necessidade de garantir estabilidade e de prosseguir a ação governativa das políticas que permitem uma boa evolução da economia e que essa boa evolução económica se traduza na melhoria da vida dos portugueses", foi a síntese de António Costa.

A "divergência de fundo" enunciada por Marcelo foi desvalorizada por Costa, que argumenta que "não se justifica dramatizarmos" por ter "havido um momento em que as agulhas não tenham ficado acertadas". "No passado", tinha dito na véspera Marcelo, "com maior ou menor distância temporal, foi sempre possível acertar agulhas. Desta vez não. Foi pena".

E João Galamba pode conduzir o processo de privatização da TAP ? "As condições para cada um de nós exercer as suas funções medem-se desde logo pelos resultados", respondeu Costa. E depois o elogio imediato: "Ainda na quinta-feira o ministro das Infraestruturas teve ocasião de lograr um acordo que pôs termo a uma greve na CP (...), isso é a melhor demonstração de que está a exercer as suas funções".

E não deveria [Galamba] ter-se demitido depois das declarações do Presidente? "Não vamos revisitar a história, porque a história é muito clara".

Numa frase breve, António Costa tentou desdramatizar toda a polémica usando palavras do Presidente: "Passado? [Marcelo] Disse o que já todos sabíamos, tem uma opinião divergente da minha sobre quem é responsável. Futuro? Total convergência. É necessário estabilidade e é necessário prosseguir as boas políticas".

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