André Azevedo Alves: "Costa vai remodelar o governo, mas não vai ceder a uma pressão externa"

"Galamba está no topo dos remodeláveis", "o Chega pode chegar aos 15% ou 20% de votos" e "o PSD precisa de ter uma vitória clara nas europeias ou será a liderança do PSD que fica em causa", afirma o economista, politólogo e professor na Universidade Católica, onde coordena o Centro de Investigação do Instituto de Estudos Políticos.
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Para refletir sobre a Comissão Parlamentar de Inquérito à TAP e o estado geral da nação, o economista e politólogo, professor na Universidade Católica, onde coordena o Centro de Investigação do Instituto de Estudos Políticos, André Azevedo Alves é o entrevistado desta semana pelo DN e TSF.

​A Comissão de Inquérito à TAP está quase a acabar e depois da novela em que se tornou, as conclusões finais serão ou não uma verdade negociada? Que verdade é que espera desta comissão?
Nesta altura, ia dizer nesta altura do campeonato, mas que é nesta altura da comissão, não espero grandes novidades para além do que já nos foi dado a perceber. Já percebemos que havia problemas sérios com a tutela política da TAP e com a interferência na própria gestão da empresa. Já percebemos que dentro do próprio governo e dentro do próprio ministério havia também problemas graves de coordenação ou de falta de coordenação. E já percebemos que também todo o processo permitiu revelar ou vir mais uma vez ao de cima a conflitualidade interna cada vez mais acentuada dentro do próprio Partido Socialista e, em alguma medida, também com reflexos no interior do próprio governo. Acho que nesta reta final, face ao que já se passou entre António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa, António Costa está praticamente obrigado a não tirar consequências políticas nenhumas. Se agora chegasse ao final da comissão e dissesse que ia demitir João Galamba, no fundo estaria a dar uma enorme vitória política a Marcelo Rebelo de Sousa e a deitar pela janela o posicionamento que tomou ainda recentemente. Portanto, julgo que nesta altura não é de esperar que haja grandes desenvolvimentos. Acho que tanto Hugo Mendes como Pedro Nuno Santos, também de forma não surpreendente, assumiram posturas de procurar minimizar danos e, portanto, parece-me que deste ponto de vista não haverá muito adicional a esperar para além de tudo o que já se passou.

Portanto, não há ilações a serem retiradas por António Costa?
Por António Costa, creio que não. Quer dizer, acho que seria difícil para António Costa agora, porque seria no fundo desdizer-se e ir contra o que foi a sua postura recente com saliência para o tal episódio público com Marcelo Rebelo de Sousa. Portanto, vejo com muita dificuldade que, independentemente do que se passe agora nestes últimos momentos, que António Costa venha no imediato a tirar consequências políticas adicionais. Não quer dizer que numa próxima remodelação João Galamba não possa ser remodelável. Creio que fica, digamos, no topo da lista dos potencialmente remodeláveis, mas parece-me que no imediato, face ao investimento político e até pessoal que António Costa fez na manutenção de João Galamba, acho que o mais provável é dizer que, enfim, as saídas de Pedro Nuno Santos e do Hugo Mendes já resolveram, na perspetiva de António Costa, o que estava em causa do ponto de vista político e, portanto, que aprenderá com os erros cometidos e que o governo fará melhor no futuro, etc., mas provavelmente, na minha expectativa, é que não vá além disso.

E considera que a comissão, a determinada altura, tornou-se uma espécie de arma de arremesso político-partidário?
Essa leitura é uma leitura razoável, mas também, de alguma forma, isso faz parte do jogo democrático, não é? Portanto, o escrutínio que é natural e desejável que as oposições façam ao governo passa por, também, do ponto de vista político, criar problemas ao governo. Portanto, acho que é possível essa leitura, mas não vejo isso como necessariamente algo impróprio ou que não devamos esperar da parte de uma comissão de inquérito. Depois, claro, há que avaliar caso a caso a razoabilidade das questões que são levantadas e das críticas que são feitas, e aí pode haver críticas mais ou menos razoáveis. Agora, o facto da oposição ou das várias oposições utilizarem comissões como esta como uma ferramenta de oposição contra o governo, diria que faz parte do, para usar uma expressão que em Portugal temos mais abrangente, faz parte do regular funcionamento das instituições.

E os casos que acabaram por ser revelados na Comissão, na sua opinião, revelam uma má gestão do governo, no dossier da TAP?
Parece-me claramente que sim. E acho que até revelam um bocadinho mais do que isso. Revelam uma má gestão do dossier da TAP que se soma, e isto é importante recordar, aos milhares de milhões de euros que foram injetados na companhia. Portanto, aqui, mais do que o episódio da indemnização a Alexandra Reis, do que interferência política, etc., é preciso ter em conta que isto é no contexto de uma empresa na qual os portugueses foram chamados, por decisão do governo, deste governo, a injetar mesmo muito dinheiro. Isto num país que tem os problemas que conhecemos na educação, na saúde, etc., não pode deixar de ser tido em conta. Depois, acho que revela também problemas do ponto de vista da própria forma como as empresas estatais são geridas. Ou seja, é legítimo que se coloque a pergunta se com a TAP acontece isto, enfim, qual é a regra do ponto de vista da gestão das empresas que estão sob controlo do Estado, e nomeadamente considerando que provavelmente a TAP é deste grupo de empresas, se calhar é a que tem maior grau de escrutínio, não é? Portanto, o que é que podemos esperar, o que é que os eleitores podem esperar que se passe em outras empresas estatais que têm um grau de escrutínio?

Levanta uma nuvem de suspeição, é isso?
Levanta uma nuvem, não diria necessariamente suspeição, porque podemos não estar a falar de nada necessariamente ilegal. Agora, levanta claramente a ideia legítima de que as empresas estatais são muito mal geridas e estão sujeitas a intervenções políticas e a interferências políticas mais ou menos arbitrárias, que há um excessivo grau de informalidade. Recordo, por exemplo, a questão das indemnizações de centenas de milhares de euros decididas em trocas de mensagens do WhatsApp, não é? E, portanto, além da TAP, e a TAP em si mesma é um dossiê suficientemente relevante, mas para lá da TAP, creio que levanta questões e problemas para o governo, para todo o universo da gestão estatal e das empresas que estão sob controlo do Estado.

E até agora, quem lhe parece que sai mais fragilizado deste processo? Será António Costa? E, por outro lado, quem é que sairá melhor? Pedro Nuno Santos?
Nem Pedro Nuno Santos, nem António Costa saem particularmente bem, ainda que por razões diferentes. Pedro Nuno Santos, pela intervenção direta que teve, foi durante muito tempo o rosto, inclusivamente desta nacionalização ou estatização, e depois o grande campeão da manutenção da TAP na esfera estatal, um rumo que depois acaba por ser revertido com a reprivatização. Portanto, acho que desse ponto de vista também Pedro Nuno Santos não sai particularmente bem. Há um aspeto em que politicamente, não do ponto de vista da gestão TAP, mas do ponto de vista do procedimento político, Pedro Nuno Santos sai melhor, que é o facto de ter assumido responsabilidades e ter saído. E aí isso permite a Pedro Nuno Santos, até no interior do Partido Socialista, e claro, também para fora do partido, fazer o contraste, por exemplo, com Fernando Medina e com outros responsáveis, agora com o próprio João Galamba, e de alguma forma diferenciar-se politicamente e dizer "eu assumi as minhas decisões, assumi as minhas responsabilidades, não me agarrei ao poder quando achei que devia sair, saí". Desse ponto de vista há aqui uma faceta positiva, mas que acho que tem de ser balanceada com o tal aspeto muito negativo da gestão do dossiê TAP, do qual Pedro Nuno Santos é até mais responsável, creio eu, do que António Costa. António Costa, não estando tão diretamente envolvido, obviamente fica também em alguma medida fragilizado, mas que é em dois aspetos. Por um lado, porque sendo o primeiro-ministro, é também ele, em última instância, o principal responsável pela má gestão do dossiê da TAP. Em segundo lugar, pelo que falávamos há pouco, pelos problemas que tudo isto acabou por revelar sobre o universo da gestão estatal e da forma como o governo conduz essa tutela política sobre o setor das empresas estatais, e nesse aspeto acho que António Costa fica também fragilizado. Isto além também da questão do próprio funcionamento interno do próprio governo, quer dizer, obviamente mesmo estes episódios com João Galamba e aqueles mais ou menos momentos surreais que se passaram no próprio Ministério, responsabilizam em primeiro lugar o ministro João Galamba, mas não deixam de ter também implicações para o próprio António Costa, mais ainda a partir do momento que António Costa decide manter João Galamba em funções contra uma indicação direta, ou uma recomendação direta do próprio Presidente da República.

A sucessão de António Costa no partido já se evidencia na agenda política. Pedro Nuno Santos, temos também Duarte Cordeiro, Fernando Medina, Ana Catarina Mendes e Mariana Vieira da Silva, estão entre os potenciais sucessores, mas o outsider, dizem alguns socialistas, parece ser José Luís Carneiro. A luta dentro do aparelho do partido já começou?
Sim, já começou há bastante tempo. Aliás, acho que vários destes problemas, não só a questão da TAP, mas vários dos casos que temos tido este ano e pouco de maioria absoluta tem sido uma sucessão quase constante de casos, se calhar uma média de uns dois ou três por mês no interior do próprio governo, acho que parte da compreensão desta sucessão de casos passa também por aquilo que podemos descrever como uma guerra civil no interior do Partido Socialista, associada naturalmente ao posicionamento para a sucessão de António Costa. Aqui, acho que há várias variáveis. Por um lado, Pedro Nuno Santos, percebe-se, tem uma posição mais forte no interior do partido, isso é visível a vários níveis.

Depois, Fernando Medina, percebe-se também que tem o apoio, não um apoio maioritário no interior do partido, mas que provavelmente seria o sucessor mais desejado pelo próprio António Costa. A forma como depois da derrota surpreendente em Lisboa acaba por ser repescado para o cargo de ministro das Finanças, acho que é bastante sintomática, mas acho que aí o próprio Fernando Medina não se tem ajudado a si próprio. Conseguiu evitar até agora problemas graves, mas a forma como tem conseguido evitar esses problemas tem sido muitas vezes, a meu ver, demasiadas vezes, invocar desconhecimento, invocar esquecimento, quer dizer, é algo que do ponto de vista, voltando ao que falávamos há pouco, do ponto de vista da imagem política que passa, aí acho que Pedro Nuno Santos, não obstante os seus erros de gestão, leva vantagem sobre o que tem sido a conduta de Fernando Medina.

E depois há outras possibilidades, Duarte Cordeiro, nomeadamente com os problemas que quer Pedro Nuno Santos, quer Medina têm tido, provavelmente vê subir as suas possibilidades, assim como outras figuras, e José Luís Carneiro também, até pela postura bastante sóbria que tem tido no meio de todos estes casos e todas estas situações, é natural também que seja um nome que seja crescentemente falado. Está muito em aberto.

Há favoritos à sucessão?
Tenho dificuldade em identificá-los. Diria que se olharmos para o interior do partido, e na medida em que o equilíbrio de forças no interior do partido seja a variável decisiva, parece-me que há um favorito claro, que é Pedro Nuno Santos. E acho que a própria saída de Pedro Nuno Santos do governo, no timing em que saiu, deve ser lida dessa forma. Ou seja, a meu ver foi Pedro Nuno Santos a querer, digamos, posicionar-se melhor, sair do governo para se posicionar melhor dentro do próprio partido para essa sucessão. Neste sentido, parece-me que Pedro Nuno Santos levará alguma vantagem. Se entendermos que poderá pesar mais aquilo que seja uma decisão do próprio António Costa, quer dizer, obviamente o PS não é uma monarquia hereditária, portanto não é o líder que indica o seu sucessor, mas obviamente António Costa, dependendo da forma como sair e do momento em que sair, poderá também ter peso, nomeadamente, por exemplo, se apoiar explicitamente um sucessor, poderá ter algum peso a condicionar a decisão subsequente. Nessa perspetiva, parece-me que provavelmente o favorito seria Medina, com o tal aspeto que dizia há pouco, parece que a conduta política de Medina tem fragilizado a sua posição. Se admitirmos que quer um quer outro, em virtude dos casos e do desgaste a que têm estado sujeitos, poderão estar fragilizados, então creio que é isso que poderia abrir espaço para uma das outras figuras, mas colocaria talvez nestes moldes. Portanto, do interior do partido, se pesar mais o interior do Partido Socialista, olharia para Pedro Nuno Santos como favorito, olhando mais para uma indicação de António Costa, pelos dados que temos até agora e pela própria escolha para ministro das Finanças, Fernando Medina, se o desgaste destes dois for mais forte, então diria que isso poderá abrir espaço para uma outra solução.

Marcelo Rebelo de Sousa deixou claro no último 10 de junho que não tenciona dissolver o Parlamento. Na sua opinião, foi o ponto final na crise política ou foi apenas uma pausa técnica?
Acho que foi apenas uma pausa técnica, aliás, acho que todo aquele dia rocambolesco com a demissão e depois a não aceitação da demissão, acho que marcou, em primeiro lugar, uma rutura nas relações entre Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa. Aliás, um dos dados de que tomámos conhecimento agora durante a comissão, embora de forma lateral, mas não deixando de ser politicamente sintomática, é que no interior do governo havia quem visse, e a meu ver de forma não surpreendente, Marcelo como o principal apoiante do governo. E acho que isso terminou nesse dia e Marcelo tem dado vários sinais desde aí que isso se passou. E depois, em segundo lugar, acho que aqui a questão para Marcelo é uma questão essencialmente de timing, ou seja, parece-me que Marcelo não avançou para uma decisão mais drástica que eleições antecipadas o pudessem propiciar.

Não vê ainda alternativa?
Não vê ainda alternativa, creio que isso tem a ver com a leitura que Marcelo faz do PSD, da atual situação do PSD, mas acho que também terá muito a ver com o receio que Marcelo terá, e obviamente não vai explicitar publicamente como presidente, mas fica nas entrelinhas, da votação que o Chega poderia ter. Portanto, os dois fatores estão ligados, a preocupação com o PSD, e com a relativa fragilidade do PSD, ou a incapacidade do PSD de se assumir como alternativa clara ao PS, mesmo com as dificuldades do PS, e por outro lado, com o facto de nas sondagens de vários centros o Chega estar com intenções de voto crescentes. E a fazer fé no que as várias sondagens vão dizendo, só haver uma alternativa à direita do Partido Socialista, com a inclusão do Chega, isso é claramente, e aqui estou a especular, um legado que Marcelo não gostaria de deixar.

Acerca da relação Belém-São Bento, na sua opinião tem condições para voltar a ser uma relação distendida, ou pelo contrário, Marcelo poderá continuar a esticar a corda e a desgastar o governo?
Esse é o cenário mais provável, ou seja, com Marcelo a continuar a desgastar o governo, mas acho que António Costa também está, ele próprio, muito desgastado pessoalmente, portanto, acho que há vários sinais de que António Costa, se surgisse uma oportunidade pessoalmente interessante, não hesitaria em sair. Acho que a questão é que não apareceu até agora, não é? Nomeadamente no panorama europeu, e claro, não aparecendo, António Costa também não quer ficar visto como o culpado de uma crise política. Portanto, temos aqui uma situação em que, se calhar, António Costa até não se importava que Marcelo convocasse eleições antecipadas, desde que o próprio António Costa pudesse culpar Marcelo por ter desnecessariamente criado uma crise política e para capitalizar eleitoralmente a partir daí. Ou seja, António Costa provavelmente até estará com vontade de sair, mas está consciente, como político muito experiente e hábil, que é, que não pode sair de qualquer maneira, nem para qualquer oportunidade, e enquanto essa oportunidade não surge, tem de continuar em funções e a gerir quer os problemas no governo, quer os problemas internos no Partido Socialista, o melhor possível. Enfim, acho que não é de escolher, em política acho que é sempre de evitar fazer previsões definitivas, não é de escolher que possa haver uma reconciliação, até porque do ponto de vista pessoal sabemos que a relação entre os dois vai muito para trás. Há uma relação longa, é sempre possível que uma relação que foi muito próxima e de apoio mútuo, recordo que na própria reeleição de Marcelo Rebelo de Sousa, António Costa foi bastante, foi quase explícito a fazer de Marcelo o seu candidato. Portanto, existe sempre essa possibilidade, agora parece-me que face à situação em que estamos num ciclo político, Marcelo num segundo mandato, António Costa muito desgastado e provavelmente cada vez com mais vontade de sair do que de continuar, acho que é mais provável continuarmos a assistir a esta tensão do que propriamente a um voltar a um cenário anterior.

E enquanto António Costa fica, acredita que vai fazer uma remodelação? Em que momento é que isso poderia surgir?
Ora bem, acho que um dado que relativamente seguro em relação a António Costa, e mais ou menos consensual, é que ele evita o mais possível fazer remodelações. Talvez aí o caso mais sintomático tenha sido o de Eduardo Cabrita. Quer dizer, a certa altura parecia que nada poderia fazer Eduardo Cabrita sair do governo, parecia quase um teste a ver até onde é possível manter Eduardo Cabrita em funções governamentais. Mas acho que isso corresponde, nesse caso havia também relações pessoais entre os dois que provavelmente ajudaram a proceder isso, mas acho que em geral isso provavelmente também explica este caso de João Galamba, explica outros a que assistimos, porque António Costa resiste a remodelações, e em especial acho que resiste a remodelações em que ele seja visto concedendo a pressões externas. Isto seja da opinião pública, seja do Presidente da República e, portanto, nesse sentido, voltando ao que estávamos a falar no início a propósito da TAP, acho que é pouco provável acabar a comissão de inquérito e António Costa decidir demitir João Galamba. Acho que é possível que haja uma remodelação governamental, mas nesse caso apontaria para ela acontecer quando houver um qualquer fator externo ao governo que não seja identificável como uma pressão sobre o próprio António Costa e em que ele pudesse aproveitar para, nesse momento, fazer então uma alteração em algumas pastas. Agora, considerando a resistência que António Costa habitualmente demonstra a essas remodelações, acho que a única previsão que me sinto confortável a fazer é que dificilmente será num momento em que pudesse ser associado a António Costa ceder a uma pressão externa nesse sentido e, provavelmente, havendo uma outra oportunidade qualquer, até por razões pessoais de algum ministro, etc. Recorde-se também que se passou com Marta Temido, que também foi mantido em funções ao longo de um período em que também já tinha havido vários sinais de que poderia sair, aí admito que António Costa aproveite uma circunstância externa para fazer a remodelação, mas sempre tentando salvaguardar ao máximo o não ser visto como cedendo a pressão.

E as eleições europeias podem mudar o jogo, ou seja, serem uma espécie de primárias para as legislativas antecipadas?
Creio que sim. Aliás, esse é provavelmente, se não acontecer nada de excecional até lá, o próximo marco relevante. E acho que muito vai depender do que se passar nessas europeias. Sabemos que isso está associado a uma interpretação que é feita, e aí jornalistas e comentadores e analistas também são corresponsáveis, não precisa da natureza das eleições europeias, quer dizer, de ler as eleições europeias como uma espécie de primárias ou de sondagem com voto em urna real dos eleitores todos, ou pelo menos dos eleitores que desejam ir votar, que normalmente nas eleições europeias também não são tantos, sobre o governo e sobre a situação do sistema partidário, mas as coisas são o que são. Ainda que seja de deixar sempre esta nota de que não é essa a finalidade primária das eleições europeias, elas são de facto interpretadas assim, e estas provavelmente não serão exceção, e acho que aí será de facto um momento importante. Será importante para ver qual o grau de penalização do Partido Socialista, será importante para ver qual o grau de afirmação do PSD, e aí parece-me francamente que não é suficiente, ao contrário do que o Luís Montenegro sugeriu recentemente, ao PSD perder por poucos, ou sequer ter um resultado equivalente ao do Partido Socialista. Acho que o PSD nas europeias precisa de ter uma vitória clara sobre o Partido Socialista, de outra forma acho que é a própria liderança do Luís Montenegro que fica em causa, e a capacidade do PSD a liderar essa alternativa. E depois também num segundo plano saber como é que outros partidos com posições minoritárias na oposição, à esquerda e à direita, conseguem afirmar-se, se a IL e o Chega continuam a crescer ou não, e no caso do Bloco de Esquerda, do PCP e do PAN, recuperar ou não e em que medida face às últimas legislativas. Acho que essas leituras não deixarão de ser feitas.

E do lado do PSD, o que acha que está a acontecer a Luís Montenegro? Ele não consegue subir significativamente nas sondagens, o que está a acontecer é que o PS está a descer. O que é que faltará ao líder do PSD?
Essa é uma excelente pergunta, e até se calhar alargava a pergunta, o que é que tem faltado aos vários líderes do PSD? Porque, na prática, desde Pedro Passos Coelho, que também ganhou eleições e foi primeiro-ministro em condições excecionais, foi basicamente uma situação em que o país teve de fazer o pedido de assistência externa, e depois o PSD, quer antes de Passos Coelho, quer depois de Passos Coelho, as sucessivas lideranças do PSD não têm sido capazes de reafirmar o PSD como partido de liderança de governo. Vejo o período de Passos Coelho como um período relativamente de exceção. Aliás, a governar até com um programa largamente imposto de fora, não é? E basicamente nas últimas duas décadas é essa a única exceção. E, portanto, as sucessivas lideranças do PSD têm tido muita dificuldade em reafirmar o partido. Acho que Montenegro, infelizmente para ele e para o PSD, não está a ser exceção. Portanto, face ao que têm sido os problemas do PS, os problemas do governo, o desgaste do PS, e como referiu e bem, o PS tem caído nas sondagens. Agora, o que não é normal do ponto de vista histórico do sistema partidário português é que quando temos um governo tão desgastado e quando o partido que tinha tido uma maioria absoluta está agora nas sondagens em torno dos 20 e tal, 30%, o principal partido da oposição esteja num patamar equivalente. Portanto, aqui o que há de anómalo face à história do sistema partidário português nas últimas décadas não é tanto o desgaste do partido que está no governo, é o facto do principal partido da oposição não estar a conseguir capitalizar. E o que temos vindo a assistir é que esse desgaste do PS, a fazer fé nas sondagens, repito, dos vários centros, parece estar a dispersar eleitorado para outros partidos, mas sem que o PSD seja capaz de concentrar apoio significativo. Acho que aí as europeias podem ser relevantes, mais uma vez, se o PSD tiver um bom resultado, isso pode permitir a Luís Montenegro potenciar até um discurso de vitória e de que está em ciclo uma mudança de ciclo político por ele liderada. Se o PSD tiver um resultado, enfim, fraquinho acho que aí os problemas do PSD se podem inclusivamente agravar, porque também a perspetiva de uma alternativa de governação claramente liderada pelo PSD será tanto mais diminuta quanto menor for a capacidade eleitoral do PSD nas próximas europeias.

É caso também para perguntar se o eleitorado ainda não acredita ou simplesmente não acredita que o PSD não vai conseguir formar um governo sem o Chega.
Aquilo que o eleitorado acredita ou não são sempre questões um bocadinho complicadas, porque diferentes eleitores acreditarão em diferentes coisas e terão diferentes desejos.

Mas deveria Montenegro ser mais claro ao dizer se vai ou não vai com o Chega, não basta dizer que não vai com partidos racistas e xenófobos, era preciso clarificar isso para que o eleitorado também tenha uma leitura clara do que é que aí poderá vir, caso haja uma mudança de ciclo?
Sim, acho que aí é importante termos em conta o contexto europeu. E se olharmos para países europeus que têm, diria mais proximidade do ponto de vista do sistema partidário e da sociologia política com Portugal, estou a pensar em França, em Itália, em Espanha, em menor grau a Alemanha, o que temos assistido é que no espaço que o Chega procura ocupar se têm afirmado, em alguns casos, novos partidos, outros partidos que já existiam, mas que mais recentemente têm adquirido mais força e que se têm afirmado de forma muito substancial. Em Itália temos o governo liderado por Meloni que basicamente aniquilou o centro-direita tradicional. O centro-direita tradicional, porque as forças equivalentes ao PSD estão hoje reduzidas em Itália a 7% ou 8%, e quer Meloni, quer Salvini estão, de grosso modo, num espaço similar ao que pode ser identificado com o do Chega. Em França temos uma situação também relativamente similar, portanto o centro-direita tradicional e as forças políticas que estariam mais próximas do que o PSD representa estão também numa posição bastante minoritária. Em Espanha a situação é um pouco diferente, mas o PP, mesmo tendo mais força do que os partidos tradicionais do centro-direita noutros países, muito provavelmente também não será capaz de constituir governo sem um Chega, enfim, vamos ver, porque as eleições serão em breve, e a própria dinâmica de campanha pode gerar uma mobilização para o voto útil no PP que altere isso, e isso até pode ter alguma relevância também para o caso português, mas fazendo fé nas sondagens em Espanha, parece que o Vox, com algures entre os 10% e os 15%, provavelmente será essencial para que o PP possa ter alguma forma de apoio parlamentar maioritário, e portanto, neste panorama, de certa maneira, se o PSD conseguisse prescindir de alguma forma de entendimento com o Chega, seria a exceção e não a regra. Agora, ao mesmo tempo, concordo que a ambiguidade no discurso não favorece e aqui acho que, provavelmente, uma de duas opções seria preferível: ou adotar um posicionamento como o da Iniciativa Liberal, que é o de dizer que não há nenhum tipo de acordo em nenhuma circunstância, e, portanto, votar no Chega, só se for para votar num governo liderado pelo Chega, porque não haverá entendimento em nenhuma circunstância, essa é a posição da Iniciativa Liberal, ainda mais clara agora com Rui Rocha. Ou então, simplesmente dizer que o PS fez entendimentos com o PCP, com o Bloco de Esquerda, e que o PSD tem muitas divergências face ao Chega, mas não exclui à partida qualquer possibilidade de entendimento, e isso vai depender do que os eleitores decidirem. Portanto, dizerem que não aceitam que se lhes tracem linhas vermelhas, muito menos o Partido Socialista que durante quatro anos não teve problema nenhum em governar com apoio parlamentar do PCP e do Bloco de Esquerda. Parece-me que, para Montenegro e para o PSD, uma das duas coisas seria preferível, estar algures no meio da estrada. Por um lado, parecer querer beneficiar de uma hipotética linha vermelha, com as tais referências aos racistas, extremistas, mas sem especificar. E depois, ao mesmo tempo, querer manter aberta a porta para um possível entendimento, se os resultados forem nesse sentido, não parece que isto seja muito benéfico. Portanto, aí parece-me que provavelmente seria desejável uma definição mais clara. Ou dizer, não aceitamos que nos imponham linhas vermelhas de fora, muito menos o Partido Socialista, que não teve problema nenhum em governar com apoio parlamentar do Bloco de Esquerda e do PCP. E, portanto, decidiremos após as eleições, temos muitas diferenças face ao Chega, mas não aceitamos que o PS nos imponha linhas vermelhas, ou então, seguir a mesma linha da Iniciativa Liberal e dizer que estão dispostos a entendimentos com a Iniciativa Liberal, eventualmente a ter entendimentos com o PAN ou com outras pequenas forças políticas que possam ter representação parlamentar, mas o Chega, e aí nominalmente, identificando que é o Chega, nas próximas eleições excluírem a possibilidade de fazer um acordo. Ficar algures a meio parece-me que não ajuda, ainda mais quando o próprio Montenegro e o próprio PSD sofrem de algum desgaste, precisamente por haver muito eleitorado, ou uma boa parte do eleitorado a querer ir para a IL ou para o Chega. Ou seja, a fugir para a direita, mas não percecionando o PSD como uma alternativa clara, portanto, que associa também muitos dos problemas do país, não só ao PS, que de facto tem governado mais tempo em especial nas últimas duas décadas, mas de alguma forma também ao PSD, acho que há uma parte do eleitorado de centro-direita e direita que vê o PSD não como parte da solução, mas como parte do problema.

E que eventualmente associa o PSD à troika ainda, é isso que está a dizer?
Não, até mais do que a troika acho que associa, no fundo, às últimas décadas de governação, que têm sido uma alternância entre PS e PSD, e é natural que o eleitorado de centro-direita e direita responsabilize mais o PS pelos problemas do país do que o PSD, mas parece-me que para segmentos significativos desse eleitorado, o PSD, e nomeadamente, por exemplo, as questões de que falávamos há pouco da má gestão no universo estatal, problemas de mau uso de fundos, problemas de nepotismo, problemas de captura das instituições, creio que o PS é penalizado por isso e há uma perceção de que o PS tem problemas sérios a esse respeito, mas parece-me que muitos dos eleitores, em especial no centro-direita e à direita, que percecionam esses problemas no PS, provavelmente também os percecionam em alguma medida no PSD. E ainda mais num contexto em que passou a haver no Parlamento duas forças políticas, a IL e o Chega, que são novas. Portanto, provavelmente quando estiverem em governo passam a ter também esse tipo de problemas, mas até estarem podem ter uma postura que, por exemplo, o CDS não podia ter, porque também tinha esse historial de presença em governos e de problemas, que é normal que ocorram quando se está em governos, mas havendo estas duas alternativas, digamos, frescas, acho que é difícil para o PSD fazer o pleno destes passos, particularmente se somarmos esta incerteza em relação ao Chega. Portanto, por um lado condenar, mas por outro lado não ter uma posição explícita, definitiva de dizer logo que não.

Há pouco falou também dos cenários na Europa em que a direita, a extrema-direita, foi crescendo e mesmo para fecharmos, perguntar-lhe também, em Portugal, até onde é que pode ir o Chega? Acredita que podem chegar aos tais 15% a 20% que alguns analistas acreditam ser possível?
Acho que os 15% claramente são possíveis e, aliás, acho que um dado que joga a favor do Chega é as próximas eleições serem as europeias. Porquê? Porque as eleições europeias têm tipicamente menor participação.

O segundo fator é precisamente esse, tendem a ser eleições em que há mais votos de protesto. Ora, conjugando estes dois fatores, portanto, havendo menor participação eleitoral, que é quase certo que vá haver - não estou a ver uma razão para estas europeias serem drasticamente diferentes de eleições europeias anteriores -, e, por outro lado, haver mais votos de protesto, acho que isso cria uma situação em que claramente o Chega pode capitalizar e até capitalizar mais do que, por exemplo, a Iniciativa Liberal. Eventualmente também à esquerda o Bloco pode capitalizar, um bocadinho na mesma lógica, para eleitorado, para segmentos de eleitorado diferente, mas um pouco a mesma lógica. Acho que também é bastante possível que o Bloco consiga recuperar algum espaço eleitoral com a insatisfação face ao PS e com menor participação eleitoral e o voto de protesto. Nestas circunstâncias, acho que, considerando que o próximo passo são as europeias, acho que é bastante possível que o Chega tenha uma votação significativa. Acho que a marca dos 15% não é irrealista. Do ponto de vista mais geral, agora indo para lá das europeias, acho que o Chega, se por um lado tem a seu favor esta tendência europeia mais geral de afirmação de partidos neste espaço, e deste ponto de vista acho que André Ventura, se calhar, fez uma leitura em termos de oportunidade política quando decidiu avançar com o projeto do Chega, correta, do ponto de vista de marketing político, do que é que está a dar neste momento, mas acho que tem também algumas fragilidades que outros destes partidos de que falávamos há pouco, nomeadamente, por exemplo, o Vox, não tem. Ou seja, o Chega parece-me que é um partido, neste momento, ainda muito mais unipessoal do que são vários destes outros partidos. A figura do líder é importante em geral em todos os partidos, e nestes partidos em particular, mas acho que no Chega é a um nível mais extremo. Ou seja, acho que neste momento ainda se pode dizer que se retirarmos André Ventura do Chega, praticamente não sobra nada. Isso é visível, por exemplo, se olharmos para o grupo parlamentar, é visível se olharmos para quem intervém publicamente, aliás, acho que uma forma também interessante de testar isto vai ser nas europeias, seja quem for o cabeça de lista, aposto que vai falar mais André Ventura do que o cabeça de lista. Ou nas autárquicas, por exemplo, em que os cartazes tinham todos André Ventura. Portanto, havia o candidato à Câmara, mas no fundo estava-se a votar, fosse qual fosse a autarquia, era em André Ventura. E, portanto, isso é uma fragilidade e acho que isso também limita, em alguma medida, o potencial de crescimento do Chega, nomeadamente a possibilidade de o Chega poder fazer, por exemplo, o que Meloni fez em Itália, de tornar-se o partido dominante no espaço centro-direita e direita. Apesar de tudo, acho que o facto de ser unipessoal limita ainda o Chega. Agora, para um patamar entre os 15% e os 20%, acho que se o PSD continuar a não conseguir reafirmar-se, acho que esse horizonte é um horizonte ambicioso, mas não irrealista para o Chega.

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