Política
20 outubro 2021 às 05h00

Prioridade é "não subsidiar fiscalmente combustíveis"

Crise nos combustíveis é para ser gerida "com prudência", segundo António Costa, que prefere um alívio temporário do ISP e a limitação das margens das petrolíferas e gasolineiras.

O primeiro-ministro, António Costa, veio ontem reforçar a posição já assumida pelo ministro do Ambiente, João Matos Fernandes e de outros membros do governo, de que não haverá uma revisão da carga fiscal para fazer baixar os preços dos combustíveis. Em plena escalada de preços, o executivo recuperou um mecanismo de compensação da subida do IVA nos combustíveis, mas o primeiro-ministro não quer ir mais além, para não alterar a prioridade definida pelo governo "de não subsidiar fiscalmente os combustíveis".

"Tendo havido um aumento do preço, isso reflete-se num aumento da receita do IVA. O que nós fazemos é a devolução aos portugueses desse aumento da receita do IVA através de uma redução do ISP [Imposto Sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos]. Nós só estamos a reduzir o ISP porque é a forma tecnicamente mais fácil de rapidamente devolver aos portugueses a receita extraordinária que estamos a ter", explicou ontem o chefe de governo, à margem da cerimónia de concessão de honras de Panteão Nacional ao antigo cônsul Aristides de Sousa Mendes.

Ou seja, segundo Costa,"tudo aquilo que o Estado está a receber a mais em IVA pelo facto de haver um aumento dos preços, será devolvido em ISP aos portugueses, de forma a que o Estado não esteja a ter uma receita extraordinária pelo facto deste aumento extraordinário dos preços". Uma devolução que ocorrerá todas as semanas, até 31 de janeiro de 2022.

A devolução, que nas contas do executivo ascende a 90 milhões de euros cobrados a mais no ISP, foi anunciada na última sexta-feira. Estimava-se um recuo dos preços em um e dois cêntimos no gasóleo e na gasolina, respetivamente, devido à redução do ISP. No entanto, os preços continuam elevados e, na prática, não se sentiu qualquer redução tendo em conta que, na segunda-feira, houve novo encarecimento, devido à cotação de 85 dólares do Brent (índice da matéria-prima de referência para Portugal).

Para Costa, o cenário energético (não só os combustíveis) "preocupa todo o mundo" e, por isso, exige "prudência". Aguardando ações do Conselho Europeu, o primeiro-ministro entende que a escalada de preços se deve à "escassez de combustível" e à "hiper dependência dos combustíveis fósseis importados", que "estão a condicionar grandemente os preços" e a "capacidade de recuperação económica" da Europa.

Quanto a Portugal, António Costa reiterou que o caminho passa por "controlar" as margens máximas da comercialização dos combustíveis, impondo limites sempre que o regular funcionamento do mercado esteja em causa, verificando-se aumentos nos preços que não se justifiquem. A medida já existe e tem a aprovação da Assembleia da República, mas ainda falta promulgá-la para entrar em vigor.

Fonte oficial do Ministério do Ambiente explicou ao DN/Dinheiro Vivo que a medida assegura o "equilíbrio permanente entre a proteção dos consumidores e o livre funcionamento dos mercados de combustíveis", porque a "intervenção administrativa" é "justificada" com proposta de regulação da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE), ouvindo-se a Autoridade da Concorrência. Além disso, é "proporcional", porque permitirá "recuperar os custos e dar uma margem alinhada com a prática histórica da indústria". A medida também não distorce o normal funcionamento do mercado, porque a intervenção administrativa "apenas vigorará durante um período limitado no tempo, suficiente para corrigir a falha de mercado identificada", defende o ministério de João Matos Fernandes.

A medida pode ser aplicada em cenários idênticos ao atual. Quanto poderão os consumidores poupar com esta medida? Contactada, a ERSE não conseguiu responder a tempo do fecho desta edição.

Quando foi apresentada, em julho, o ministro do Ambiente, Matos Fernandes, disse que permitiria baixar em um e nove cêntimos o preço do gasóleo e gasolina, respetivamente.

Para o PCP, a a intervenção do governo "deve ser no sentido de travar esta escalada de preços". Por isso, ontem, os comunistas anunciaram que vão propor o fim do "adicional" ao ISP e da dupla tributação dos combustíveis. Sublinhando que foi a "liberalização do mercado de combustíveis que levou à cartelização e oligopólio" no setor, o deputado do PCP Duarte Alves garantiu, em conferência de imprensa, que o partido "intervirá até ao final do ano e no âmbito da discussão orçamental para a eliminação do chamado adicional ao ISP, criado em 2016 por portaria do governo, com o objetivo alegado de manter a receita fiscal num período de baixa das cotações do petróleo, critério que objetivamente já não se aplica".

A proposta vem da bancada comunista, embora o fim do adicional do ISP também tem sido defendido pelos partidos PSD, CDS-PP, IL e Chega.

O PCP também vai "reapresentar uma proposta para a criação de um regime de preços máximos" dos combustíveis, que foi recentemente rejeitada pelo PS, PSD, CDS-PP, PAN, IL e Chega.

Sobre a medida do governo de limitar as margens máximas de petrolíferas e gasolineiras, Duarte Alves referiu que "tem um alcance muito menos significativo do que a do PCP". Questionado sobre se a proposta do PCP para o fim do adicional do ISP é fundamental para o partido viabilizar o OE2022, Duarte Alves explicou: "o PCP não tem nenhuma medida que, isoladamente, seja critério para aprovação ou para rejeição. É necessário uma resposta global aos problemas do país. A questão dos combustíveis, pelo peso que está a assumir, também se insere nessa resposta global".

José Varela Rodrigues é jornalista do Dinheiro Vivo