Aguiar-Branco só foi eleito presidente da Assembleia da República à quarta votação. Teve 160 votos, contra 50 para Rui Paulo Sousa e 18 em branco.
Aguiar-Branco só foi eleito presidente da Assembleia da República à quarta votação. Teve 160 votos, contra 50 para Rui Paulo Sousa e 18 em branco.Leonardo Negrão / Global Imagens

Acordo entre PSD e PS põe fim a impasse e deixa todos felizes (Ventura incluído)

Bloqueio do Chega à eleição de Aguiar-Branco ultrapassou-se porque Montenegro e Pedro Nuno Santos dividiram a legislatura ao meio, com a presidência da AR a passar para o PS no fim do verão de 2026. O Chega não cedeu, mas passará a ter um vice-presidente e reforçou ainda mais a narrativa do “todos contra nós”.
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No final da tarde desta quarta-feira, Luís Montenegro saiu do Palácio de São Bento com melhores motivos para sorrir do que na véspera, pois o que ameaçava ser um impasse ad eternum na eleição do presidente da Assembleia da República resolveu-se numa negociação com Pedro Nuno Santos. Após uma conversa por vídeo do presidente do PSD e primeiro-ministro indigitado com o secretário-geral do PS, encontrou-se um atalho, revelado logo de manhã pelo ainda líder parlamentar social-democrata Joaquim Miranda Sarmento: os dois maiores grupos parlamentares dividiram a legislatura a meio, com as duas primeiras sessões presididas pelo social-democrata José Pedro Aguiar-Branco e as duas últimas pelo socialista Francisco Assis. 

O acordo entre o PSD e o PS, ambos com 78 eleitos, foi a melhor forma de nenhum dos dois partidos “perder a face”, tal como a opção de uma reunião por meios eletrónicos, sem que nenhum dos líderes partidários fosse ao encontro do outro. E resultou quase na perfeição, pois no início da tarde Aguiar-Branco foi eleito com 160 votos - PSD, PS, CDS-PP e Iniciativa Liberal somam apenas mais seis mandatos -, com Rui Paulo Sousa a fazer o pleno entre os 50 eleitos do Chega, e ainda 18 votos em branco e duas faltas. 

Mas a solução engendrada entre os dois maiores partidos também serviu a estratégia de André Ventura, que na véspera apelara a Luís Montenegro para um consenso à direita. Minutos após Miranda Sarmento, logo secundado pelo homólogo socialista Eurico Brilhante Dias, ter revelado a repartição do cargo, inspirada em negociações entre as maiores famílias políticas em Bruxelas, “não deixando que o Parlamento e o Governo fiquem parados quando há grandes problemas para resolver no país”, o líder do Chega apressou-se a acusar os “partidos do sistema” de se voltarem a entender para defender lugares e interesses, “como têm feito ao longo dos últimos 50 anos”.

Ensaiando o registo que manteve à tarde, depois de ser consumada a eleição de José Pedro Aguiar-Branco, quando aproveitou a sua intervenção para apontar os 50 deputados do Chega como essenciais “para o sistema ser derrotado nas próximas eleições”, Ventura disse que “ficou claro que o PSD resolveu fazer uma aliança mais ou menos assumida com o PS”, acrescentando que, “com toda a probabilidade”, esses partidos “irão entender-se” para aprovar o Orçamento do Estado para 2025. E atribuiu ao Chega, “o papel de líder da oposição”.

“São todos, mesmo todos, contra nós. No final, tenho a certeza que venceremos”, exclamou, antes de obter outra vitória. Apesar de ter apresentado um candidato à presidência da Assembleia da República, viu o PSD manter o compromisso, assumido por Miranda Sarmento, de aprovar os candidatos a vice-presidente apresentados pelo segundo, terceiro e quarto maiores grupos parlamentares da legislatura. E foi assim que Diogo Pacheco de Amorim foi eleito -ao contrário do que lhe sucedera no início da anterior legislatura -, com 129 votos a favor (mais um do que a soma do PSD e Chega), 97 em branco e um nulo, juntando-se à social-democrata Teresa Morais (140 votos a favor, 86 em branco e um nulo), ao socialista Marcos Perestrello (169 a favor, 57 em branco e um nulo) e ao liberal Rodrigo Saraiva (144 a favor, 82 em branco e um nulo). E foram eleitos Mithá Ribeiro para secretário da mesa e Pedro Frazão para o conselho de administração da Assembleia da República.

“Foi a reposição da normalidade democrática com anos de atraso”, disse ao DN um alto dirigente do PSD no final da sessão, referindo-se ao facto de na anterior legislatura a maioria absoluta do PS e os outros partidos de esquerda terem travado a eleição dos candidatos à vice-presidência e de outros órgãos da Assembleia da República do Chega e da Iniciativa Liberal. Mas entre a Aliança Democrática, apesar de o CDS-PP ter uma relação problemática com o Chega, o essencial é a ultrapassagem de um problema na véspera de Luís Montenegro apresentar ao Presidente da República os nomes escolhidos para o seu Governo.

“Não foi muito bem pensado”

Apesar de tudo se ter resolvido, as diferenças entre a Assembleia da República e o Parlamento Europeu, onde existe o antecedente de repartição da presidência entre o Partido Popular Europeu e os Socialistas e Democratas, foram realçadas pelo porta-voz do Livre, Rui Tavares. “O Parlamento Europeu tem mandato fixo de cinco anos e não pode ser dissolvido”, disse, acusando o PSD e o PS de estarem a dividir um mandato cuja duração não determinam, pois “o Presidente da República pode dissolver a qualquer momento”.

Descrevendo o acordo entre os dois maiores grupos parlamentares como “algo que não foi muito bem pensado”, sendo apenas “uma solução de compromisso, de um dia para o outro”, Tavares não se esqueceu de afirmar que se aplicou uma “lógica inversa à que existe no Governo”. Montenegro foi indigitado primeiro-ministro por a AD ter mais dois deputados do que o PS, enquanto Aguiar-Branco teve menos dois votos do que Francisco Assis nas duas votações realizadas na noite de terça-feira.

Também não faltaram críticas ao Chega do líder da Iniciativa Liberal. Rui Rocha culpou André Ventura por existir um presidente da Assembleia da República socialista a partir de 2026 e não se comprometeu com qualquer orientação de voto na altura em que o PS apresentar o seu candidato. “Daqui a dois veremos”, disse, enquanto outros líderes, como Rui Tavares, levantaram a dúvida de que a presente legislatura dure tanto.   

Aguiar-Branco marca diferenças em relação a Augusto Santos Silva

O discurso de José Pedro Aguiar-Branco após ser eleito presidente da Assembleia da República, à quarta tentativa, no âmbito de um acordo entre o PSD e o PS, e tendo por único adversário o deputado do Chega Rui Paulo Sousa, arrancou com a garantia de que o partido de André Ventura pode esperar um registo diferente na condução dos trabalhos parlamentares do que houve na legislatura anterior, quando o seu lugar era ocupado pelo socialista Augusto Santos Silva.

Assumindo o compromisso de que “irá representar todas e todos os deputados”, o antigo ministro social-democrata salientou que “o voto de cada português em eleições livres deve merecer igual respeito por parte de todos os cidadãos”. E ainda mais por parte de representantes eleitos do povo, aludindo à “exigência de imparcialidade, equidistância e rigor que todos esperam de mim”.

Sem esquecer os motivos que levaram ao falhanço das três primeiras tentativas para o eleger, ressalvou que “se [houve] alguma coisa que o dia de ontem [terça-feira] nos ensinou é que não devemos desistir da democracia”. “Eu não desisti”, disse o advogado que Luís Montenegro fez regressar à política ativa, como cabeça de lista da Aliança Democrática por Viana do Castelo, defendendo ser preciso repensar o Regimento da Assembleia da República, “a bem da democracia que estamos a representar”.

Antes de assumir o seu lugar na tribuna, Aguiar-Branco fez questão de cumprimentar líderes partidários e líderes parlamentares de todos os partidos, percorrendo a primeira fila do hemiciclo da esquerda para a direita, desde a coordenadora bloquista Mariana Mortágua até André Ventura. Reservou também elogios à “elevada competência, sentido de Estado e dignidade” com que António Filipe conduziu os trabalhos no início da legislatura, com o deputado comunista a receber aplausos de todos os eleitos.

“Se não somos capazes de nos entender na casa da democracia, que exemplo estamos a dar para fora?”, perguntou Aguiar-Branco, procurando iniciar uma nova era no Parlamento, até porque, como disse, citando Miguel Veiga, “a democracia é de uma magnífica fragilidade; cuidemos dela com a devoção que a sua magnificência e fragilidade exigem”.

O apelo não impediu que logo à segunda intervenção dos partidos representados, feita por Nuno Melo, tenha começado a ouvir-se burburinho e apartes da bancada do Chega, à medida que o líder centrista fazia menções à “pantomina” dos últimos dias, terminando a dizer, acerca do seu regressado grupo parlamentar, que “dois valem muito mais do que 50”. E depois de regressar ao seu lugar, numa espécie de enclave entre eleitos do Chega, manteve uma troca de palavras exaltada com o deputado Bruno Nunes.

O líder parlamentar do Bloco de Esquerda, Fabian Figueiredo, disse que “a direita é confusão, trapalhadas e barafunda”, e o tom do debate aqueceu ainda mais com a subida de André Ventura à tribuna. Apoiado por outros 49 deputados, “eleitos pelos nossos cidadãos, sem precisarem de vir à boleia do PSD”, venceu no cam- peonato dos decibéis. Até porque cada orador só teve aplausos dos correligionários (tirando o PSD e o CDS-PP, que partilharam palmas), e agora só tem menos 28 do que os dois principais partidos.

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