“Acho um disparate e um perigo.” Rui Moreira sobre ordem de Moedas à Polícia Municipal para fazer detenções
Rui Moreira, o presidente da Câmara Municipal do Porto (CMP), vê “sérios riscos” naquilo que o seu homólogo lisboeta anunciou esta segunda-feira - que dera ordem à Polícia Municipal (PM) de Lisboa, a qual funciona na dependência da autarquia, para passar a proceder a detenções de suspeitos da prática de crimes.
“As polícias municipais de Lisboa e do Porto são constituídas por agentes da PSP. Mas a nossa função não é investigação criminal. Não defendemos esse modelo, e creio que se correm sérios riscos com isso.” afirmou o edil ao DN.
Face às declarações de Carlos Moedas, à SIC-N esta segunda-feira, de que “as detenções já estão a acontecer”, naquilo que qualifica como “uma grande mudança na filosofia de atuar na cidade”, Rui Moreira manifestou-se escandalizado. “Acho que viola princípios da Constituição. E acima de tudo viola os meus princípios básicos: há competências que o Estado não pode delegar, nem sequer para as autarquias, não pode descentralizar.”
E o presidente da CMP explica porquê: “Sou muito a favor do Estado moderno - que tem o monopólio do uso da força, quer na defesa das fronteiras quer na segurança interna. E isso nao pode ser distribuído através de 308 municípios, não faz sentido nenhum. Nem que houvesse regionalização estaria de acordo em que se descentralizasse essa competência. Porque senão estamos a avançar para o modelo americano dos xerifes. Ou vamos ter um exército privado também.”
Esclarecendo que, numa situação de flagrante delito, está já legalmente previsto que a PM possa efetuar detenções, assim como que em determinadas circunstâncias possa ser chamada para ajudar a PSP (“Quando a PSP precisa de reforços da PM pode solicitar ao presidente da camara, e ele concorda, a PM pode desempenhar funções de segurança publica. Por exemplo em grandes eventos e sempre que haja um risco grande, como uma ação de terrorismo”), Rui Moreira considera que um presidente de câmara ter investigação criminal sob a sua competência seria “abrir uma caixa de pandora.”
Além disso, comenta, “a PM já tem que chegue para fazer. Preciso é de mais polícias municipais - tenho cerca de 200 e preciso de 400 - para desempenharem as tarefas que as pessoas esperam que desempenhem. No tempo de António Costa, conseguimos uma coisa muito importante - que a PM ficasse com as competências do trânsito, que antes eram da PSP. Assim libertámos a PSP para fazer aquilo que é o cerne da sua função: a protecção e segurança dos cidadãos”.
Mas não se trata, como Rui Moreira sublinha, de diferentes visões políticas. Está em causa uma questão de estrita legalidade, a qual de resto Carlos Moedas admitiu à SIC-N ainda não ter clarificado: “Depois podemos clarificar em termos jurídicos, mas a Polícia Municipal são Polícias de Segurança Pública”.
É que a questão das competências das PM foi já analisada pela Procuradoria-Geral da Republica por duas vezes, e sempre para se concluir que estas polícias não têm poderes de investigação criminal.
A primeira foi em 2008, num parecer do Conselho Consultivo da PGR, no qual se conclui que “não sendo as polícias municipais órgãos de polícia criminal, está vedado aos respetivos agentes a competência para a constituição de arguido (…).”
Havendo exceções para esta interdição, como o parecer informa, estas estão estatuídas na Lei nº19/2004 (Lei da Polícia Municipal), no respetivo artigo 3º, número 3 - “Os órgãos de polícia municipal têm competência para o levantamento de auto ou o desenvolvimento de inquérito por ilícito de mera ordenação social, de transgressão ou criminal por factos estritamente conexos com violação de lei ou recusa da prática de ato legalmente devido no âmbito das relações administrativas.” No número quatro do mesmo artigo, determina-se que “quando (…) os órgãos de polícia municipal diretamente verifiquem o cometimento de qualquer crime podem proceder à identificação e revista dos suspeitos no local do cometimento do ilícito, bem como à sua imediata condução à autoridade judiciária ou ao órgão de polícia criminal competente” - trata-se da jé mencionada exceção do flagrante delito.
A segunda análise, para a qual Rui Moreira chamou a atenção do DN, ocorreu em 2018, a pedido da Câmara Municipal do Porto. Nessa análise, à qual o jornal teve acesso, e que esta datada de 23 de março de 2018, a Procuradoria-Geral Distrital do Porto reproduz o essencial do parecer de 2008 do Conselho Consultivo da PGR e escreve: “Reconhecendo-se embora que esta conclusão poderá não estar completamente adaptada ao atual quadro funcional das Policias Municipais de Lisboa e Porto, o parecer é vinculativo (…).”