António Filipe e André Ventura estiveram em debate moderado por Vítor Gonçalves na RTP
António Filipe e André Ventura estiveram em debate moderado por Vítor Gonçalves na RTPPedro Pina - RTP

Ventura e António Filipe: um confronto sobre fantasmas do passado, defesa dos trabalhadores e ameaças à democracia

André Ventura e António Filipe protagonizaram um debate marcado pelo confronto ideológico, pela evocação do passado recente e por acusações cruzadas sobre quem ameaça a democracia e quem está verdadeiramente ao lado dos trabalhadores.
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O debate entre André Ventura e António Filipe trouxe para o centro da discussão alguns dos grandes fantasmas da política portuguesa das últimas décadas - da herança da "geringonça" carregada pelo ex-deputado comunista ao legado de Passos Coelho com que Ventura se identifica - cruzando-os com acusações mútuas sobre qual dos candidatos será uma maior ameaça à democracia portuguesa e até um inesperado piscar de olho à segunda volta presidencial, quando Ventura disse confiar que António Filipe votará em si contra outro candidato... deixando subentender referência a um cenário de segunda volta que junte o líder do Chega e Marques Mendes.

Apesar das clivagens evidentes entre dois políticos nos antípodas da paisagem ideológica um do outro, o confronto nunca fugiu do tom, com momentos de tensão, ironia e interação direta entre os candidatos.

Inevitavelmente, o debate começou pela recente Greve Geral e pela anteproposta de alterações à lei laboral que a motivou, num tema em que ambos procuraram ocupar o espaço da defesa dos trabalhadores. André Ventura acusou o Governo de ter provocado a paralisação ao insistir num “ataque a quem trabalha”, garantindo que “não devíamos ter chegado a uma Greve Geral” e que, se dependesse de si, “isso não teria acontecido”.

O líder do Chega tentou afastar a ideia de um ziguezague de posições nesta matéria e garantiu que, se a proposta se mantiver, o seu partido “votará contra”. Mas, apesar de se dizer de acordo com António Filipe e o PCP em relação a algumas medidas de alteração à lei propostas pelo Governo de Luís Montenegro ("casos dos despedimentos discricionários, a amamentação, ou a possibilidade de recurso a outsourcing após um despecimento coletivo", enumerou), estabeleceu uma diferença para o candidato comunista ao admitir que quer "uma nova legislação laboral" e que este anteprojeto contém aspetos positivos: “A licença de maternidade passar para 180 dias pagos a 100% é uma coisa boa”, exemplificou.

António Filipe respondeu com acusações de incoerência. “O senhor Ventura defendia a precariedade”, afirmou, lembrando que o adversário chegou a classificar a legislação laboral em vigor como “do tipo soviético”, apesar de, lembrou, "se tratar do Código do Trabalho do Bagão Félix e já alterado mais de 20 vezes desde 2003, sempre em desfavor do trabalhador”.

O candidato comunista apontou a "mudança de discurso" do líder do Chega em relação à greve geral, o que, disse, “só revela o enorme sucesso da Greve Geral”. Mas António Filipe diz não se deixar enganar por Ventura e avisou que o verdadeiro teste à verdadeira mudança será o sentido de voto do Chega na Assembleia da República: “Essa será a prova do algodão.”

Passos Coelho vs. Geringonça

O choque ideológico intensificou-se quando o debate entrou no terreno das responsabilidades pela situação atual do país. António Filipe colocou Ventura “do lado dos interesses do poder económico”, classificando-o como um dos “candidatos do consenso neoliberal”. E recorreu à carta Passos Coelho, para ligar Ventura ao que apelidou de "pior governo desde o 25 de Abril". "Só se apresentou a estas eleições porque Passos Coelho não quis ser candidato, revia-se nesse candidato. Eu não me revejo nesse nome e nesse consenso neoliberal que nos fez chegar onde chegámos. Quem é contra este sistema sou eu, não o André Ventura”, concluiu.

A resposta surgiu no habitual tom provocatório de Ventura. “Gostava mais de Álvaro Cunhal, de Fidel Castro, de Maduro, da China…”, atirou, levando António Filipe a interrompê-lo para exigir: “Tenha respeito pelo Álvaro Cunhal.”

O líder do Chega devolveu as críticas, apontando responsabilidades ao PCP pela famosa Geringonça, o Governo PS com apoio parlamentar de Bloco de Esquerda e PCP que fez cair Passos Coelho em 2015: “Nesses anos, a habitação subiu como nunca, a imigração descontrolou-se e se hoje temos metade das pensões abaixo dos 420 euros isso é responsabilidade vossa também.”

Quem ameaça a democracia?

No bloco final do debate, o futuro e a saúde atual da democracia estiveram em evidência, com António Filipe a acusar Ventura de ter “declarações antidemocráticas”, sublinhando uma das posições assumidas pelo adversário em querer mudar a Constituição atual. "Um candidato presidencial candidata-se para cumprir e fazer cumprir a Constituição”, defendeu o candidato apoiado pelo PCP, criticando a defesa de “outra Constituição” por parte de Ventura e lembrando que o Presidente da República "não tem poderes de revisão constitucional". "Portanto, essa proposta é inconstitucional”, reforçou.

Ventura respondeu então com um dos momentos mais inesperados, um piscar de olho irónico para um potencial cenário de segunda volta: “Acho que numa segunda volta o António Filipe vai votar em mim.” A réplica foi imediata: “Não me estrague a noite”, respondeu o comunista, que ouviu de seguida o líder do Chega explorar algumas posições históricas do PCP: "Acho piada dizer que sou uma ameaça à democracia. O António Filipe quer sair do Euro e quer sair da NATO. Um candidato que quer sair da NATO, que defende a Rússia... e eu é que sou ameaça à democracia?", apontou.

A discussão sobre democracia cruzou-se com os temas da segurança e imigração, duas das bandeiras mais agitadas por André Ventura e que proporcionaram uma acesa exposição de diferenças entre os candidatos, assim que Ventura verbalizou que prefere "um bandido morto do que um polícia morto”.

António Filipe considerou as declarações “muito graves”, lembrando que o Presidente “não dá poderes às polícias” e que “não pode querer a morte de alguém”. "Eu quero um país em que todos vivam em segurança, não um país em que todos se matem uns aos outros. Isso de um Presidente da República dar poder às polícias deve ser um fenómeno de uma qualquer República das Bananas que apoie, uma ditadura como a do seu amigo Buekele em El Salvador", atacou o comunista, com Ventura a retorquir que "El Salvador é o país mais seguro do mundo, tornou-se mais seguro do que a Suíça" [nota: segundo o Global Peace Index de 2025, El Salvador está na 104ª posição dos países mais seguros, enquanto a Suíça está no 5º posto, num ranking em que Portugal é 7.º]. E terminou com a inevitável menção à posição do PCP sobre a guerra na Ucrânia: "Vejo António Filipe dizer que quer um país onde todos estejamos de acordo e ninguém se mate, mas apoia a invasão russa da Ucrânia."

Os debates presidenciais prosseguem na segunda-feira, com André Ventura de novo em jogo, frente a Henrique Gouveia e Melo, num debate entre dois dos nomes que as sondagens destacam na disputa pela segunda volta.

Próximos debates:

Segunda-feira, 15 de dezembro

Henrique Gouveia e Melo vs. André Ventura (RTP)

Sexta-feira, 19 de dezembro

João Cotrim de Figueiredo vs. André Ventura (SIC)

Sábado, 20 de dezembro

António José Seguro vs. António Filipe (TVI)

Domingo, 21 de dezembro

Catarina Martins vs. Jorge Pinto (RTP)

Segunda-feira, 22 de dezembro

Henrique Gouveia e Melo vs. Luís Marques Mendes (TVI)

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