Alguns munícipes que se juntam para ouvir Marco Almeida, num final de tarde de julho com o céu cheio de nuvens, queixam-se de que têm medo de sair à rua a partir de certa hora. Mas o que esses moradores em Monte Abraão querem comunicar ao político de 55 anos, pela terceira vez candidato à presidência da Câmara de Sintra, agora com o apoio do PSD, da Iniciativa Liberal (IL) e do PAN, não tem necessariamente a ver com assaltos ou crimes mais graves. É uma preocupação mais desgastante do que perigosa: a falta de estacionamento leva a que evitem retirar o automóvel do lugar. “Ficamos presos nas nossas casas”, dizem a um dos protagonistas do que deverá ser uma das disputas eleitorais mais renhidas nas autárquicas de 12 de outubro, com a sucessão de Basílio Horta, eleito três vezes nas listas do PS, a envolver também a ex-ministra socialista Ana Mendes Godinho e Rita Matias, a mais mediática deputada do Chega tirando o seu fundador.Após o partido liderado por André Ventura ter sido o mais votado em Sintra nas legislativas de 18 de maio, e com o PS empenhado em manter o seu principal bastião autárquico desde que Carlos Moedas derrotou Fernando Medina em Lisboa, o segundo município mais populoso do país está a ser percorrido por candidatos que tentam convencer eleitores de que têm as melhores soluções para um concelho muitas vezes associado a problemas de mobilidade e de insegurança. Mas não ficam por aí as propostas apresentadas aos sintrenses. Na semana passada, ao visitar as instalações do CECD - Cooperativa para a Inclusão, que assegura apoio e formação a 60 jovens com deficiência, no bairro do Pendão, em Queluz, Ana Mendes Godinho, de 53 anos, observa com satisfação os efeitos de políticas de inclusão lançadas quando era ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social de António Costa. E, recordando o impacto do programa Creche Feliz, promete seis mil novos lugares em creches, ou com amas comunitárias, caso venha a ser a próxima presidente da Câmara da Sintra, à qual se candidata numa coligação entre PS e Livre.Ainda sem experiência em funções executivas, até pelos seus 26 anos, com os três últimos dedicados à atividade parlamentar, Rita Matias está ser apresentado aos sintrenses por André Ventura, ele sim ligado ao concelho, pois nasceu em Algueirão. A deputada tem contado com o líder do partido em ações de pré-campanha, como a arruada em que desceu a Avenida dos Bons Amigos, principal artéria do Cacém, que os resultados eleitorais indicam ser território propício ao Chega. Rodeada de dezenas de apoiantes, promete uma “aposta forte” na desburocratização e na segurança, sem descurar questões de mobilidade e saúde. E quando o DN lhe pergunta se comandar a Câmara de Sintra não será uma estreia autárquica demasiado ambiciosa, tem resposta pronta: “É muito ambiciosa, mas também lhe digo, sem parecer arrogante, que não é difícil fazer melhor do que foi feito nestes últimos 12 anos. Foi muito pouco. Basta ver o saldo orçamental que esta Câmara apresenta.”.Milhões no banco.A herança que será deixada por Basílio Horta, o fundador do CDS que se aproximou o PS, após ser nomeado presidente da AICEP por José Sócrates era primeiro-ministro, sendo candidato independente nas listas socialistas nas legislativas de 2011, antes de avançar para Sintra, nas autárquicas de 2013, será outro tema de campanha. Apesar de projetos como o recém-inaugurado Hospital de Sintra, no qual disse ter substituído o Governo, o montante que transita para a próxima gerência, com o autarca sintrense a mencionar “300 milhões de euros no banco”, é visto como a prova de que lhe teria sido possível fazer muito mais pelos 400 mil munícipes. Certo é que o orçamento municipal para 2025, aprovado com o voto favorável dos vereadores do PS e do vereador do PCP (Pedro Ventura, que se recandidata à Câmara de Sintra), é o mais elevado dos 12 anos de Basílio Horta: 405,9 milhões de euros, com 151,2 milhões para investimento, nomeadamente na construção e reabilitação de casas, escolas, centros de saúde e estradas.Para os residentes em Sintra, os problemas e reivindicações são tão diversos quanto o próprio concelho. Além da vila que lhe dá nome e serve de sede, cujos edifícios e paisagem atraem viajantes anónimos e famosos há três séculos, as zonas rurais e o litoral coexistem com várias das localidades mais densamente povoadas de Portugal, incluindo as cidades de Agualva-Cacém e de Queluz.Nestas autárquicas haverá 15 freguesias em disputa, após a desagregação da União de Freguesias de Queluz e Belas, da União de Freguesias de São João das Lampas e Terrugem e da União de Freguesias de Almargem do Bispo, Montelavar e Pêro Pinheiro. Mantêm-se a União de Freguesias de Agualva e Mira-Sintra, a União de Freguesias de Cacém e São Marcos, a União de Freguesias de Massamá e Monte Abraão e a União de Freguesias de Santa Maria, São Miguel, São Martinho e São Pedro de Penaferrim, além das juntas de freguesia de Algueirão-Mem Martins, Casal de Cambra, Colares e Rio de Mouro..O "mini-país" da ex-ministra.“Olho para o concelho de Sintra como um mini-país. Tem diversidade, desafios e potencial”, diz Ana Mendes Godinho ao DN, no final de uma visita ao Bairro do Pego Longo, que tem a particularidade de ficar na fronteira entre Queluz e Belas, que voltam a estar separadas. Precisamente por isso, Ana Pacheco, candidata da coligação PS-Livre à Junta de Freguesia de Queluz, faz questão de ser fotografada junto ao estaleiro de obras onde a antiga ministra assume o compromisso de destinar 34 apartamentos para jovens, e não no edifício já construído, com financiamento da União Europeia, via Plano de Recuperação e Resiliência, que é contíguo mas fica em Belas, onde uma creche irá acolher 84 crianças.Num ponto impreciso da fronteira entre as duas freguesias desagregadas, Ana Mendes Godinho encontra um munícipe especial. “Esse é dos contrários”, avisam, não vá a socialista ignorar que se trata do candidato à presidência da Câmara de Tábua, concelho do interior do distrito de Coimbra, à frente de uma coligação entre PSD, CDS e IL. Mas Luís Jesus, morador do Bairro do Pego Longo, também é um antigo atleta olímpico. Então fundista do Sporting, após representar Benfica e Maratona, esteve nos Jogos Olímpicos de 1996, em Atlanta (Estados Unidos), competindo nos 1500 e 5000 metros.Enquanto a candidata a Sintra explica que foi preciso integrar o edifício na Bolsa Nacional de Alojamento Temporário para garantir verbas do PRR , Luís Jesus pergunta-lhe se pode garantir que as crianças nascidas no bairro terão preferência no acesso à creche ou se, pelo contrário, os estrangeiros serão beneficados. “Não vá atrás de quem diz que os imigrantes têm prioridade”, insiste Ana Mendes Godinho, acrescentando: “Mesmo que se tirasse todos os estrangeiros, não haveria capacidade de resposta.” É por isso que aponta a necessidade de construir ou remodelar edifícios, com a autarquia a ceder espaços para serem geridos por instituições de solidariedade social.Apoiando-se nos sapatos de salto alto, daqueles que se habituou a utilizar no Governo, por nivelarem diferenças de altura para com alguns interlocutores, ainda ouve referências a insegurança. “Nenhum de nós consegue vir da estação de Queluz para aqui sossegado”, dizem-lhe. E é para lá que vai de seguida, dirigindo-se aos utentes da linha ferroviária que quer ver revitalizada, com mais espaços de comércio abertos e polícias presentes, e menos escadas rolantes que persistem em manter-se temporariamente avariadas.."Na linha" e "para ganhar".“Pôr Sintra na linha” é o mote da campanha do Chega, explicado por Rita Matias. “Significa pôr Sintra na linha no que toca à segurança, é também um trocadilho com a Linha de Sintra, que devia ter muito mais investimento, não só do Governo central, mas também camarário, e na linha do combate à corrupção, na linha do investimento em habitação e na linha da transparência”, diz aos jornalistas que acompanham uma ação de campanha no Cacém que, meia hora depois, terminará com um incidente entre André Ventura e um imigrante, acusando o líder do Chega de não reconhecer os “cinco séculos de escravatura” a que os europeus sujeitaram os africanos.“Moro aqui há 50 anos. Chegou a hora da mudança”, diz um morador à “nossa candidata”, como Ventura a vai apresentando aos transeuntes. A comitiva do partido entra na loja de animais mais antiga do Cacém, onde Rita Matias profecia que o papagaio cinzento “da próxima vez já vai dizer Chega”. E, apesar de não ter a notoriedade do líder do partido, há quem a procure. Sobretudo entre os mais jovens, mas o mediatismo rende dividendos. “É a Rita, meu Deus!”, exclama uma lojista que promete “votar em vocês até chegarem ao poder” após conseguir obter a selfie que desejava.Para André Ventura fica claro que se trata de “uma aposta estratégica, pensada e assumida”, pois Rita Matias é uma candidata “que tem dado provas de conexão comas pessoas”. E em quem confia para uma disputa “onde o Chega veio para ganhar”..Contra a baixa autoestima.Nada menos do que a vitória que escapou em 2013 e 2017 é o que espera Marco Almeida. Acompanhado pelo candidato à União de Freguesias de Massamá e Monte Abraão, Joaquim Viegas Simão, garante que não é por ser militante do PSD que será menos exigente como presidente da Câmara. “Temos que ser duros com o Governo. Estou aqui para defender os sintrenses”, diz a duas dezenas de moradores em Monte Abraão, denunciando a falta de agentes da PSP e de guardas da GNR, problema que pretende minorar com recurso a gratificados “nesta fase de transição, enquanto o Governo não cumpre os rácios” decorrentes da elevada população do concelho.Devolver o sentimento de segurança, revolucionar a higiene pública, evitar que os espaços verdes “sejam palha” por falta de rega e resolver a “situação caótica na mobilidade, saúde e educação” são prioridades de quem se diz admirador de autarcas como Carlos Carreiras e Isaltino Morais, pois “não ficam fechados nos gabinetes e andam pela rua”.O candidato que sublinha ter ido viver para o concelho quando tinha cinco anos, e que “só poderia ser candidato a Sintra”, ao contrário das rivais, que poderiam avançar “por onde os diretórios partidários as obrigassem a ir”, acrescenta algo menos tangível, mas que diz ser um dos maiores desafios dos mandatos que espera cumprir. “Se perguntarem a um jovem nascido e criado aqui se quer viver em Sintra, tenho muitas dúvidas de que queira. O concelho está com má reputação e os sintrenses têm baixa autoestima”, afirma Marco Almeida.Alguns daqueles que o escutam têm uma preocupação mais imediata, pois temem o encerramento de um silo automóvel que eliminaria mais de uma centena de lugares de estacionamento, aumentando o número de condutores que perdem tempo de descanso às voltas pelas ruas de Monte Abraão, entre subidas íngremes e descidas pronunciadas, na hora do regresso a casa. A esses, apresenta soluções de novos parques, bem como a aposta em transportes públicos rodoviários e ferroviários..Figuras tutelares.Uma das frases mais ouvidas na pré-campanha é que o Chega vai apresentar o mesmo candidato nos 308 concelhos portugueses, numa referência venenosa à presença de André Ventura ao lado de cada um dos candidatos autárquicos nos cartazes do partido. Mas a referência ganha outro sentido em Sintra, pelo grau inverso de ligação ao concelho que separa o líder daquela que escolheu para garantir o que seria a vitória mais emblemática na noite de 12 de outubro, embora o Chega deposite esperanças em Faro, Albufeira, Portimão e Seixal.“Estamos aqui para ganhar esta câmara”, confirma Ventura, assumindo o risco de desfalcar o Chega na Assembleia da República, pois o mandato de deputado é incompatível com funções executivas numa autarquia - ao invés do que sucede com os vereadores sem pelouro e deputados municipais. “A Rita é um dos elementos mais importantes no nosso trabalho parlamentar, está comigo desde o início, tem sido uma das vozes do partido, não só no combate cultural que travamos como enquanto rosto da nossa juventude. Para mim, não é bom perdê-la, mas sei que será por um bem maior”, defende.Para Rita Matias, que até agora doseou a presença em Sintra devido à agenda parlamentar, um dos desafios é o corte do “cordão umbilical”. Algo que passa por percorrer o terreno sem ter o presidente do partido enquanto figura tutelar, como já tem feito.Já Marco Almeida tem garantido que Fernando Seara, anterior presidente da Câmara de Sintra, de quem foi foi vice-presidente, será o seu cabeça de lista para a Assembleia Municipal. Mas também há sinais de aproximação do candidato para com um dos mais influentes eleitores sintrenses. Tem mantido contactos com o antigo primeiro-ministro Pedro Passos Coelho, que era líder do PSD em 2013, quando foi tomada a decisão de recusar o então número dois de Seara como cabeça de lista, preferindo o deputado Pedro Pinto, por ser uma figura nacional. Marco Almeida candidatou-se enquanto independente, e ficou muito perto da vitória. Basílio Horta teve apenas mais 1738 votos, enquanto Pedro Pinto conseguiu pouco mais de metade. Quatro anos depois, já candidato oficial do PSD, CDS, PPM e MPT, Almeida ficou bem mais longe do reeleito, que multiplicou a sua vantagem para 18.578 votos, com maioria absoluta.Certo é que o passado parece ultrapassado na terceira tentativa de eleição de Marco Almeida. Pode não contar com apoio do CDS, que terá a candidatura própria do vereador Maurício Rodrigues, apoiado ainda pelo PPM e pelo ADN, e que distribuiu críticas entre “candidatos sem qualquer ligação às nossas freguesias, às nossas gentes ou à realidade do concelho” e um “projeto pessoal que se arrasta há mais de 16 anos”, mas além de ter consigo dirigentes do seu partido, como o ministro das Infraestruturas, Miguel Pinto Luz, com quem deverá encontrar-se nesta segunda-feira, Marco Almeida contará com o antigo líder do PSD. “Posso dizer, com grande segurança, que em qualquer circunstância voto sempre no meu partido”, disse Passos Coelho ao DN. “Não tenho dilema nenhum”, reforçou.A proximidade em relação a Basílio Horta talvez seja a faceta menos enérgica da campanha de Ana Mendes Godinho, mas a antiga ministra não poupa elogios ao autarca a quem espera vir a suceder. Ao DN, destaca a “viragem do concelho relativamente à situação em que se encontrava há 12 anos”, com “um orçamento deficitário e sem capacidade nenhuma de investir”. Pelo contrário, diz que os últimos 12 anos “permitiram criar as condições” para a sua visão de Sintra como o “concelho com maior potencial de crescimento na Área Metropolitana de Lisboa”, com a própria Câmara a ser “um motor de crescimento e de desenvolvimento”.Cabe aos mais de 300 mil eleitores sintrenses fazerem a escolha. .Mendonça, Frazão, Santana e Goucha de fora.A certeza de que Basílio Horta não se poderia recandidatar, aos 81 anos, por limitação legal de mandatos, fez com que as estruturas locais, distritais e nacionais dos maiores partidos tivessem passado mais de um ano à procura do melhor nome para a Câmara de Sintra.Sabendo que Marco Almeida seria candidato, mesmo que independente, o PSD cogitou figuras “nacionais”, incluindo o ex-primeiro-ministro e ex-líder do partido Pedro Santana Lopes, que optou por ficar na Figueira da Foz, onde se vai recandidatar, desta vez com apoio da AD. E o apresentador televisivo Manuel Luís Goucha, que no verão do ano passado surgiu como a escolha de Luís Montenegro, sem que tal se concretizasse.No que toca ao PS, houve vários ex-governantes testados em sondagens internas (Pedro Siza Vieira e Mariana Vieira da Silva foram tidos em conta), mas Ana Mendes Godinho foi a escolhida, embora António Mendonça Mendes tenha chegado a reunir com Basílio Horta. No que diz respeito ao Chega, antes da confirmação de Rita Matias, o também deputado Pedro Frazão foi dado como certo, mas acabou por rumar à disputa da Câmara de Oeiras..Sintra ao Raio-X.Atual presidente Basílio Horta (PS)Distrito Lisboa População residente 395.528 (2023)Área geográfica 319Km2 (2022) Densidade populacional1223,8/Km2 (2022)Número de empresas 47.722 (2022)Ganho médio trabalhador por conta de outrem 1373€ (2021)População com mais de 65 anos 18,0% (2023)Taxa bruta natalidade1,11% (2023)Autárquicas 2021 PS 35,25%PSD/CDS/MPT/PDR/PPM/RIR 27,53%Chega 9,09%CDU 9,02%BE 5,81%PAN 3,25%Nós, Cidadãos 2,97%IL 2,68%Legislativas 2025Chega 26,07%AD 24,78%PS 23,81%IL 6,48%Livre 5,99%CDU 3,14%BE 2,49%PAN 2,10%ADN 1,31%Fontes: Gabinete de Estratégia e Estudos do Ministério da Economia e Secretaria-geral do Ministério da Administração Interna