Temos os incêndios mais uma vez na ordem do dia. Já ouvimos declarações suas no sentido de que esta situação não pode ser considerada um “novo normal”, defendendo a prioridade máxima para a proteção civil. Do que tem assistido nos últimos dias, como é que se consegue cumprir esse seu desejo?Infelizmente vivemos uma tragédia nacional que se repete, com mais ou menos intensidade, todos os anos. Há duas maneiras de olhar para esta situação: uma é dizer “é a natureza”, outra é dizer “é a natureza, mas cabe-nos a nós fazer com que isto não aconteça e que não se transforme nesse novo normal”.Eu sei que vivemos num momento muito sensível, que é o do combate, e quando se está a combater não se limpam armas, muito menos se fazem críticas. Mas eu diria que há aqui três tempos. Um primeiro tempo é ainda poder fazer algo que possa evitar tantos incêndios. Depois há um segundo tempo, que é o de avaliar o que se passou para tirar conclusões. E há um terceiro tempo, que é o de fazer aquilo que eu defendo: um acordo entre gerações para prevenir os incêndios. Porque o objetivo não é apenas melhorar o combate, mas sobretudo reforçar a prevenção, para evitar que eles aconteçam.Assista ao podcast na íntegra:.António José Seguro: "O meu papel é levar esperança onde há medo". Uma gestão do território mais eficaz?Exatamente. Mas deixe-me ir ao primeiro ponto. Geralmente, pela altura da primavera, as forças policiais, nomeadamente a Polícia Judiciária (PJ) têm um conjunto de potenciais incendiários referenciados e começam a conversar com eles, numa forma de vigilância. Mas é impossível ter uma vigilância homem a homem.Precisamos de ter consciência de que essas pessoas têm de ser vigiadas. Uma pulseira eletrónica ou uma situação semelhante deve ser aplicada, e deve ser aplicada já. Porque, se é verdade que as temperaturas baixaram agora, nada nos garante que setembro e outubro não voltem a trazer grandes incêndios. Não resolve tudo, mas ajuda a minimizar.Porquê? Porque somos confrontados com informações de que há muitos fogos que começam durante a noite. Aí não são as condições climatéricas: é mão criminosa. E precisamos de ser muito firmes para evitar que essas situações aconteçam, porque isto é um atentado à vida das pessoas, ao património das famílias e das empresas.A segunda situação tem a ver com a resposta às pessoas que ficaram sem bens, sem casas. Não pode ser um levantamento que passe por todas as burocracias a que estamos habituados. Tem de ser uma resposta eficaz, para que as pessoas possam recuperar as suas vidas.Dou dois exemplos: criadores de gado cujas vedações foram completamente destruídas pelos incêndios. Porque é que não há já um apoio específico para reconstruir essas vedações? Os animais têm de ser protegidos, não podem ficar à solta.. O Governo anunciou um pacote de medidas até 10 mil euros...Mas sabe quanto custa um quilómetro de vedação e quantos quilómetros são necessários? Tem de haver uma resposta eficaz. O mesmo acontece noutras situações: as pessoas precisam de ajuda para recuperar as suas vidas agora e precisam de sentir que o Estado não as abandona.Sobretudo porque estas tragédias acontecem em zonas rurais, no interior do país, onde as pessoas já se sentem esquecidas e abandonadas. Palavras só não chegam, é preciso atos concretos. E é agora - não é daqui a três, quatro, cinco ou seis meses, ou daqui a um ano. Basta ver o que aconteceu em Pedrógão Grande ou na Serra da Estrela, onde houve incêndios recentes com grande grau de destruição: percebe-se bem a diferença entre as palavras e depois os atos, ou seja, a concretização da ajuda.O segundo tempo é o de avaliarmos a situação e prepararmos o próximo ano. Porque é que não se lançam já os concursos, designadamente para os meios aéreos, para combater os próximos incêndios? Sabemos que alguns concursos podem ficar desertos, e é preciso antecipar. Quem tem no Estado essa responsabilidade não está no combate aos incêndios; então que faça o seu trabalho e que prepare.É também necessário perceber que, se tivermos aceiros limpos, cortamos a progressão dos incêndios. Para isso precisamos de um dispositivo de máquinas de rasto que possam abrir esses aceiros preventivamente. Ora, hoje não temos capacidade nacional para gerir ou possuir esse tipo de máquinas. É altura de preparar.Depois, há o que é mais estruturante: o ordenamento florestal. E aqui temos de olhar para duas dimensões. Primeiro, o tipo de árvores. Há árvores de combustão rápida e outras de combustão lenta. Precisamos de apostar nas segundas, que travam a progressão do fogo. Segundo, a limpeza dos terrenos. Eu sou do interior, conheço bem situações em que as pessoas não têm condições económicas para limpar. Noutras, nem sequer se sabe de quem é a propriedade - porque foi passando de geração em geração, fizeram-se partilhas, mas nunca se fez o registo.Muitas vezes são pessoas idosas que nem sequer têm capacidade física para fazer isso...Exatamente. Ora, eu conheço muita gente que quer dar os terrenos, mas não há, do lado do Estado, quem os queira receber. E um privado não tem condições porque, muitas vezes, há um terreno aqui e outro ali, ou seja, não são grandes áreas de onde se possa retirar proveito económico.Portanto, deveria haver - não sei se esta é a solução, mas é uma das hipóteses - bancos de terra que seriam geridos pelos municípios ou pelas freguesias, onde esses proprietários pudessem entregar os terrenos sem custos, e que permitissem uma gestão mais organizada, até um emparcelamento, criando também um incentivo económico para a gestão desses espaços.Grandes grupos privados que quisessem explorar a floresta era uma solução?Quer dizer, aqui o essencial, em primeiro lugar, é organizar, fazer este ordenamento e criar um incentivo económico que existia há 30, 40, 50 ou 60 anos. Nessa altura, as pessoas tinham uma relação direta com a floresta: usavam-na, limpavam-na, e, portanto, quando havia incêndios, eles existiam, sim, mas não tinham a dimensão nem as consequências catastróficas que hoje têm.E fazia sentido também, por exemplo, investir numa guarda florestal como antigamente?Há muitos relatórios, recomendações e soluções. A ideia do pacto de gerações tem a ver com colocar essas ideias, propostas e sugestões todas em cima da mesa e haver um compromisso do país - entre atores institucionais, políticos, sociais, setores económicos, autarquias e especialistas nesta matéria.Fazermos um pacto para evitar que este seja o novo normal. Porque há uma dimensão criminosa, onde a justiça e as forças de segurança têm de agir. Mas há também uma dimensão de combate às alterações climáticas, que nos compete a todos. Todos nós temos, por mais pequeno que seja, um papel a desempenhar.É essa construção que leva gerações a fazer e que demora mais tempo. Por isso falo nestes três tempos: o já, o para o ano, e aquele que exige mais tempo mas que é mais estruturante.. Depois de 2017 foi criado o Plano nacional de Ação, com dezenas de medidas para e prevenção e combate dos incêndios. Nestes anos já se conseguiu que o investimento em prevenção superasse o investimento no combate. No entanto, há um conjunto de medidas que carecem de intervenção do Governo e da Assembleia da República para conseguirem avançar. Enquanto Presidente da República, seria aqui uma matéria em que daria especial atenção, no sentido de pressionar o Governo a levar todas estas medidas por diante?O Presidente da República não governa, mas exerce a sua magistratura, o seu papel de mediador, de inspirador e, sobretudo, de definir agendas que possam resolver os problemas a médio prazo, no sentido da sua resolução estrutural.Ou seja, considero que é essencial que haja uma discussão séria e profunda sobre a estrutura de prevenção e a estrutura de combate aos incêndios. Se reparar, já estão outra vez na praça pública discussões sobre se esta é a melhor estrutura, se não deveria ser outra, como é a articulação entre a Autoridade de Proteção Civil, os bombeiros, as autarquias. Deve ser uma coordenação nacional, regional, sub-regional?Bem, para ser sincero, já estou um pouco cansado dessa conversa. Porquê? Porque, infelizmente, aquilo que é essencial - que é não haver incêndios - não se resolve. Portanto, temos de ter uma conversa séria. E o Presidente da República tem aí um papel discreto, mas que pode ser o mais eficaz para que, de facto, isto não seja o novo normal.Uma área onde o Presidente da República tem um papel muito importante é a Defesa. Aliás, é o Comandante Supremo das Forças Armadas. Nesta discussão em torno do aumento do investimento na Defesa, tem defendido que tem de haver alguma cautela, que é mais importante investir bem do que investir muito. O que é que quer dizer com isto em concreto? E como é que vê o papel de Portugal a nível internacional? Devemos ser um país mais atlântico, mais virado para o mar, ou também um país com forte preocupação em apoiar a NATO no flanco leste?Em primeiro lugar, a questão geoestratégica. Portugal é um país europeu, mas com uma vocação atlântica. E Portugal não deve cortar nenhuma aliança nem nenhum laço - quer na Europa, por razões óbvias, quer com os países do Atlântico. E não apenas os Estados Unidos, mas também outros países: o Canadá, o próprio México, o Brasil…O Reino Unido...Certo. É uma Europa insular, digamos assim. Não é propriamente da Europa continental, mas faz parte. Mas também com África, com outros pontos. Felizmente, nós temos uma vocação universalista e, como país, não a devemos abandonar.Mas não temos recursos para ir a tudo. Temos de ter prioridades. E nós não somos capazes de nos defender sozinhos. Aliás, não há nenhum país no mundo - tirando as grandes potências - que tenha essa capacidade. A nossa defesa e a nossa segurança devem ser asseguradas no quadro de alianças.Como é que temos funcionado até aqui? Sobretudo depois da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos defendem-nos. Nunca estivemos muito preocupados com a nossa própria segurança. Passámos a ter essa preocupação quando houve uma mudança de política na administração norte-americana.E também passámos a ter essa preocupação porque se acreditava no princípio de que as democracias não se combatem e se mantêm; e de que, havendo relações comerciais entre democracias e autocracias, existia uma desvantagem em entrar em guerra, porque havia um proveito próprio nessas relações. Ora, isso acabou. Portanto, nós vivemos num novo mundo.. Acha que esta mudança que está a acontecer na globalização, no fundo, pode incentivar conflitos?Está a incentivar conflitos e estamos numa dimensão de luta pela supremacia mundial com uma lógica diferente.A Europa tem de olhar para esta nova situação aumentando a sua capacidade estratégica e a sua autonomia. Não tem de abandonar nada, pelo contrário, tem de ser fiel aos seus valores. Mas precisa de autonomia estratégica para se defender a si própria e não ficar ao sabor dos humores ou da política dos EUA.Ora, para isso, a Europa tem de, em primeiro lugar, fazer uma pergunta: as despesas com a Defesa são suficientes ou não? Se juntarmos os países da União Europeia com o Reino Unido, em 2023 os gastos em Defesa foram quase três vezes superiores aos da Rússia.Esses e outros dados levam-me à seguinte questão: precisamos de gastar mais ou precisamos de gastar melhor? Eu defendo que temos de gastar melhor.Se olharmos para as Forças Armadas dos diferentes países da União Europeia, incluindo o Reino Unido, cada um tem o seu tanque, o seu carro de combate, o seu submarino. Ora, o que precisamos é de uma economia de escala. Temos de perceber se o puzzle da nossa Defesa pode ser construído com meios militares articulados, que permitam essa economia de escala.E há uma terceira noção que me parece relevante: a tecnologia. Se precisamos de aumentar a nossa capacidade de defesa, essa tecnologia deve ser americana ou deve ser europeia? Eu não tenho dúvidas nenhumas: deve ser europeia. E para isso precisamos de um sistema científico robusto.E é aí que entra a questão do investimento em despesa. O investimento não pode ser apenas comprar mais meios militares, mais armamento, sobretudo aos Estados Unidos. Tem de ser um investimento num sistema científico que promova e produza tecnologia e inovação, e que tenha uma aplicação dual: sirva para incorporar em equipamentos militares, mas também para desenvolver a nossa economia.Dou um exemplo: em Portugal, o setor dos têxteis tanto faz vestidos ou casacos como pode produzir uniformes militares. O mesmo acontece com a indústria do calçado: produz sapatos de passeio para o dia a dia, mas também botas para os militares. O mesmo sucede com infravermelhos, sensores, detetores de vigilância. Há tecnologia que pode ser usada de forma dual e esse investimento tem essa aplicação real.Ora, a Europa e Portugal também precisam de aumentar a sua competitividade, e é neste conjunto que entra a geopolítica. É aí que Portugal se deve afirmar. Duas ideias: primeiro, uma afirmação europeia de autonomia estratégica que promova a tecnologia; segundo, evitar este jogo que o Trump está a fazer e que é muito simples: “os senhores têm que aumentar o vosso orçamento em despesa... para comprar americano”. Foi isso que ele negociou com as tarifas. Ora, a Europa tem de perceber qual é o movimento e tem de responder: estamos disponíveis, mas vamos desenvolver a nossa tecnologia.Portugal vai ter de se confrontar com opções dessa natureza. E eu sei que o nosso país tem, muitas vezes, a tendência para o curto prazo e para respostas imediatistas, sem perceber as consequências de longo prazo. Esta é uma matéria que precisa de ser olhada com seriedade, até porque nem Portugal nem a Europa têm recursos para fazer apenas gastos militares. Têm de os converter em investimento.. Acredita que é possível este ano gastar os 2% - estamos a falar de 6 mil milhões de euros - e até 2035 chegar aos 5%, sem tocar nos setores essenciais?Não só é possível como é essencial. Aliás, se fizermos uma investigação percebemos que os países, quando precisam de reforçar o investimento em meios militares, na sua defesa, não o fazem recorrendo a cortes, fazem recorrendo a outras soluções.Aqui já dei exemplos. O primeiro é responder à pergunta: gastar melhor ou gastar mais? Não se pode gastar mais sem primeiro gastar melhor. O segundo é investir. Ora, a despesa em investimento não é uma despesa que fica parada. É uma despesa reprodutiva, que tem impacto na nossa economia. Acha que é possível avançar já para este tipo de investimento, por exemplo em tecnologias, sem responder a necessidades básicas que têm as nossas Forças Armadas neste momento?Portugal, infelizmente, tem muitas necessidades e muitas carências. Apesar de ter havido, no último ano em que há dados estatísticos - salvo erro até pelo Diário de Notícias, segundo me recordo - um aumento das pessoas que se candidataram a entrar, o que é positivo, temos que valorizar a condição militar. Isso é dignificá-la, não é apenas valorizar.Porque é tudo muito bonito, mas sem militares…Sem recursos, sim. Mas aí o país tem de fazer uma opção. Um país com tantas necessidades tem de definir prioridades. E para mim é muito claro: a vida e a segurança dos portugueses e a Soberania do país são prioridades. A Lei de Programação Militar tem sido marcada por grandes consensos e constitui um quadro de referência muito importante. O Presidente deve estar atento, vigilante, e garantir que é cumprida e executada, quer no calendário, quer nos meios previstos.Sem prejuízo de outras áreas e de uma avaliação mais rigorosa - informação de que, como candidato, não disponho, mas que como Presidente, se vier a merecer a confiança dos portugueses, naturalmente exigirei - julgo que vale a pena olhar para as nossas capacidades de defesa aérea e naval, onde precisamos, porventura, de investir mais, tendo em conta que esses dois territórios têm uma dimensão e uma vastidão muito maiores do que o território terrestre do país.Dedicarei muita atenção a esta função e a esta responsabilidade, procurando estar sempre bem informado. Sobretudo no momento em que se pede ao país um esforço adicional.O facto de ser um civil, na sua opinião e não um oficial superior na reserva, por exemplo, é algo que considera uma vantagem ou uma desvantagem nesse papel?Do ponto de vista do exercício da função presidencial, a sensibilidade política, o sentido de Estado e o dever institucional são, para mim, três fatores essenciais. Eu julgo corresponder a todos eles e, portanto, considero-me em boas condições de exercer a função.No que diz respeito à segurança, onde é que se coloca? Nas perceções ou acredita nas estatísticas oficiais em termos de criminalidade?As estatísticas são elementos importantíssimos e que nos dão uma imagem da realidade, mas não captam tudo. Alguém disse um dia que, para sabermos a verdade, temos de torturar as estatísticas. Não sei quem foi o autor, mas é uma expressão feliz. As estatísticas são relevantes, mas não refletem todas as situações.Dou-lhe um exemplo: uma pessoa que conheço foi recentemente vítima de uma tentativa de assalto durante o dia. Telefonou para a polícia e a resposta foi: “Entraram dentro de casa ou não? Não? Então não precisamos de ir.” Ora, isso não entra nas estatísticas. E não é um caso isolado. Infelizmente, pelo contacto que tenho no dia a dia, percebo que há várias situações desse género.Ou seja, há situações que não entram na estatística.Exatamente. E também tenho sentido perceções nos contactos no dia-a-dia. As pessoas sentem-se mais ameaçadas, mais intranquilas, em todas as zonas do país.Sente que o país está mais inseguro?O que eu sinto é aquilo que as pessoas me dizem, e sobre isso posso falar. Portugal sempre foi um país muito dual, com situações diferentes. Pode haver quem nos ouça agora e diga: “Na minha rua, na minha vida, não sinto nenhuma diferença.” Mas conheço muitas pessoas que me relatam situações - algumas que aconteceram, outras de perceção de insegurança.E nós temos de dar tranquilidade às pessoas. Só há liberdade se vivermos em segurança. Esta é uma preocupação que deve ser de todos. Sei que a comunicação social terá, porventura, mais audiências se der notícias de crimes, violência ou insegurança, em vez de dar destaque a ações dissuasoras da polícia que evitaram problemas. Mas todos temos uma responsabilidade: o Estado, em primeiro lugar, que deve garantir a segurança; mas também a comunicação social, os cidadãos e os atores políticos.Situações como, por exemplo, aquela execução na via pública de um alegado membro de um grupo organizado brasileiro, são situações chocantes, que naturalmente marcam as pessoas. A comunicação social não pode ignorar isso.Não, não. Atenção: não estou a dizer que a comunicação social deve silenciar nada, bem pelo contrário. O último relatório RASI refere precisamente um aumento da criminalidade violenta e da criminalidade grupal em Portugal. Eu confio muito nas nossas instituições - quer nos serviços de informação, quer na Polícia Judiciária. Aliás, o diretor da PJ tem feito declarações públicas muito acertadas, de caráter pedagógico e tranquilizador. É esse o caminho: perceber que este fenómeno veio para ficar e precisa de ser combatido de forma eficaz.Nas perceções que as pessoas lhe transmitem, sente que associam o aumento da criminalidade violenta à imigração? Para mim, o crime não tem cor nem língua. Crime é crime, e precisa de ser prevenido e combatido. Não considero que exista essa ligação. Aliás, penso que o diretor da PJ chegou a dizer isso - que não se deve confundir emigrante com estrangeiro.Temos de evitar discussões envenenadas e simplistas: dizer que os imigrantes são todos bons ou todos maus; que tudo o que corre mal é por causa da imigração; ou que tudo o que corre bem significa que devemos ter as portas sempre abertas. O essencial é perceber que falhámos, como país, na forma como olhámos para a demografia. A nossa população já não dava à economia os recursos de que ela precisava.Acha que também falhámos como país na forma como permitimos a entrada massiva de imigrantes e na forma como os integrámos, com as consequências que isso acabou por ter, nomeadamente no crescimento da extrema-direita?Se tivéssemos preparado, organizado e regulado essa situação de uma forma diferente, naturalmente tínhamos aumentado as vantagens e reduzido aquilo que são as desvantagens. Não podemos dizer às pessoas “venham” e depois “instalem-se”. Sempre defendi que, nessa organização e regulação, o empresário que recorre a mão de obra imigrante deve criar condições, designadamente de alojamento, para que essas pessoas possam estar.Nos temas do Podcast falta-nos a Justiça. Como é que usaria os poderes de Presidente para reforçar a eficiência na Justiça? A questão da morosidade, por exemplo?São tantos os poderes que o Presidente da República precisa de ter nos próximos tempos. Talvez o próximo mandato seja o mais exigente e mais sensível.A Justiça é um pilar essencial da soberania. Precisa de ver preservada a sua independência. O Presidente da República não dá ordens aos agentes da Justiça.Em segundo lugar, há problemas que persistem na Justiça. Referiram a questão da lentidão e da morosidade. Precisamos perceber se isso é um problema de falta de meios, se é um problema processual, se é um problema de gestão e organização do próprio sistema. E essa conversa não pode ser na praça pública, tem de ser discreta, mas eficaz.Eu sei que, em termos de opinião pública, o que é mais visível e apetecível são os crimes. Mas nós temos todas as outras áreas da Justiça. A justiça fiscal, por exemplo, que diz diretamente à nossa economia. Um empresário ou investidor olha para um país e avalia a estabilidade política, mas também a relação com a administração e com a justiça. Ora, a nossa justiça não é incentivadora para quem é empresário ou para quem assume riscos.Portanto, precisamos de dar respostas a estes problemas e diminuir o tempo médio das pendências. Não sei neste momento com rigor qual é esse tempo, por exemplo, no Supremo Tribunal Administrativo, mas dizem-me que nos tribunais administrativos são anos e anos. Isso é incompatível com a necessidade de decidir e agir.Outro exemplo: a violação do segredo de justiça, que recorrentemente vem à praça pública. Temos que introduzir rastreabilidade. E, se não formos capazes de inovar, ao menos devemos copiar o que já se faz bem noutros países, como a Holanda ou a Alemanha.A propósito da decisão do Tribunal Constitucional sobre a alteração da lei da imigração, há quem considere que o TC está tomado pela esquerda, e há também quem veja nestes ataques um primeiro sinal típico dos regimes autocráticos, quando se começa a pôr em causa a independência do poder judicial. Acha que existe esse risco de os checks and balances do nosso sistema serem postos em causa pela crescente polarização política?Eu não pertenço àquele grupo das pessoas que considera que a democracia é boa quando os resultados são aqueles que eu quero, ou que ela é má quando os resultados são aqueles que eu não quero. Nesse caso concreto, penso que o problema não está no Tribunal Constitucional. O problema está na rapidez com que se elaborou essa lei, no pouco cuidado que houve no desenvolvimento e na auscultação de vários agentes que deviam ter sido ouvidos. Portanto, eu não entro nessa discussão.Mas como Presidente, conseguiria vigiar o equilíbrio? O Presidente deve exercer, nessas circunstâncias, um papel prévio, alertando para as consequências que daí podem advir e, sobretudo perceber que vivemos numa situação em que o Estado está a abrir muitas fendas, a recuar em muitos setores, a perder em certo sentido autoridade.O Presidente da República deve fugir do dia a dia e concentrar-se em promover os compromissos e os acordos necessários que reforcem as raízes das nossas instituições democráticas. É isso que garante a relação de confiança entre os cidadãos e a democracia.Até há pouco tempo havia uma maioria sociológica de esquerda e hoje há uma maioria sociológica de direita. Acredita que, sendo uma figura vinda da esquerda democrática, conseguirá ter esse papel de chegar a toda a gente? Por exemplo, um eleitor que vota no Chega identificar-se-á consigo como Presidente?O meu papel é levar a esperança onde há medo. E há hoje muito medo na sociedade portuguesa, muita insegurança. Apresento-me como candidato e como uma candidatura aberta a todos os democratas, a todos os progressistas e a todos os humanistas. Não excluo nenhum português. Para mim, todos os portugueses são iguais em direitos e deveres.Agora, se me pergunta quais são os meus valores: a liberdade. É por isso que eu preservo tanto a segurança, porque sem segurança não há liberdade. É por isso que eu prezo muito o Estado de Direito. Mas para todos: não pode haver uma justiça para ricos e uma justiça para pobres. É por isso que eu defendo a consolidação de uma classe média, que tem vindo a desaparecer no nosso país. Caso contrário, vivemos num país completamente dual, entre uns poucos que têm tudo e a maioria que pena para chegar ao final do mês. Nós temos dois milhões de pobres em Portugal, e o mais grave é que quem é hoje pobre já é filho de pai pobre e neto de avô pobre.Temos que criar uma nova cultura. Temos que acabar com a cultura da trincheira e criar uma cultura de compromisso. Não é que as pessoas abandonem as suas ideias ou escolhas, mas a premência e a urgência de resolver problemas como os incêndios obriga a que os partidos tenham outro compromisso com as soluções para resolver os problemas das pessoas. Esse é o papel do Presidente. Não é chamar-lhes a atenção em público, embora, se for necessário, também seja.Magistratura de influência?Não. É, sobretudo, tomar a iniciativa, chamar a atenção, ter uma agenda própria - não no sentido da governação, mas da resolução efetiva. Os incêndios, as questões da segurança, os salários baixos, as pensões baixas. É um país que tem tido um crescimento anémico ao longo das últimas décadas, e mesmo assim com fundos comunitários. É um Estado que precisa de ser desburocratizado, que tem de estar ao lado das empresas e das pessoas. É uma autoridade que tem de ser construída e uma confiança que tem de ser conquistada. Há muitas coisas. A nossa democracia tem uma espessura muito pequenina.Dentro desse espírito, no fundo, esse é o papel do mais alto magistrado da nação?Esse é o papel do mais alto magistrado da nação.Se tivesse que lidar com um governo do Chega, conseguiria fazer essa ponte naturalmente e entender-se com o primeiro-ministro?Eu quero ser, se me vier a merecer a confiança dos portugueses, Presidente de todos os portugueses. Assista ao podcast na íntegra:.António José Seguro: "O meu papel é levar esperança onde há medo"