A companhia brasileira Azul, que exige 178 milhões de euros à TAP, apresentou em tribunal uma carta do governo português, de 2020, assinada por Pedro Nuno Santos e Miguel Cruz, que então desempenhavam, respetivamente, as funções de ministro das Infraestruturas e de secretário de Estado do Tesouro. Nessa carta, o governo assegurava que o financiamento que aquela empresa de David Neeleman concedeu à TAP, em 2016, continuaria a ser reconhecido como um empréstimo obrigacionista e não como um suprimento, o que nas atuais circunstâncias representa, para a Azul, a diferença entre vir a recuperar, ou não, o valor que emprestou, acrescido de juros. Se a Justiça lhe der razão, o Estado terá de assumir este custo.A carta foi assinada pelos dois governantes numa altura em que o Estado pretendia que a Azul desistisse do direito de conversão das obrigações em ações, que estava previsto no contrato de financiamento. Estavam em contagem decrescente para tentarem impedir o colapso da TAP, através de uma intervenção estatal que necessitava de obter a aprovação da Comissão Europeia e, para tal, era necessário convencer a Azul a abdicar do direito de conversão. Os brasileiros apenas aceitaram após Pedro Nuno Santos e Miguel Cruz lhes confirmarem que o empréstimo continuaria a ser reconhecido como dívida sénior.O teor da carta de 2020 contraria a posição da TAP e do atual Governo, para quem o financiamento concedido pela Azul deveria ter sido considerado um suprimento acionista, por ser detida por David Neeleman, que na altura era também o maior acionista privado da TAP. A companhia aérea portuguesa argumenta que, tratando-se de um contrato de suprimentos entre sócios, não pode beneficiar de garantias reais, de acordo com o Código Civil, o que significa que a Azul não pode executar as garantias do empréstimo para poder recuperar o valor que injetou na TAP. A isto, a Azul contrapõe que, na altura em que o empréstimo foi concedido, todas as partes o reconheceram como uma emissão obrigacionista, incluindo o governo da época, a Parpública (empresa estatal que também é acionista da TAP e que também concedeu um financiamento à companhia aérea), o regulador, o Tribunal de Contas e os bancos depositários das obrigações, recordando ainda que existia um parecer jurídico, elaborado pela Vieira de Almeida, a fundamentar este entendimento.Na processo de preparação para a nova tentativa de privatização da TAP, o empréstimo da Azul foi considerado um suprimento e colocado na chamada “TAP má”, a TAP SGPS, que atualmente se chama Siavilo. Esta empresa encontra-se em insolvência, na sequência de um pedido colocado pela TAP S.A., que é também detida pelo Estado e ficou com os “bons” ativos da companhia. A empresa brasileira argumenta que a decisão de anular as garantias do empréstimo e de passar este último para um veículo com liquidação anunciada constitui um exemplo clássico do “desnatamento” de uma empresa para escapar aos credores e de uma expropriação ilícita.TAP tenta anular garantia Para o Governo, que anunciou na semana passada o lançamento da reprivatização da TAP S.A., o processo da Azul é uma pedra no sapato que não pode ser ignorada, porque entre as garantias dadas encontra-se o programa de fidelização da companhia, o Victória, que entretanto passou a chamar-se Miles & Go. O ministro das Infraestruturas, Miguel Pinto Luz, admitiu na semana passada que o processo da Azul é uma contingência que não pode ser ignorada pelo potencial investidor na TAP S.A., porque embora não esteja refletida nas contas da empresa, a possível execução da garantia vai continua a pairar sobre a mesma. Afirmando que o diferendo com a Azul terá de ser resolvido pela Justiça, Pinto Luz admitiu que para já o Governo e a TAP vão continuar a tentar impedir que seja acionada.Em novembro do ano passado, a TAP SGPS e a TAP S.A., ambas detidas a 100% pelo Estado, intentaram, no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, uma acção declarativa contra a Azul. A ação tem por base o empréstimo obrigacionista (Bond Agreement) emitido em 2016 pela TAP SGPS e subscrito pela Azul S.A., no valor de 90 milhões de euros, a que acrescem juros compostos, num total de 178 milhões de euros na maturidade do empréstimo, que se vence (capital e juros) em março de 2026. O empréstimo obrigacionista é acompanhado de um acordo de garantias (Security Agreement) a favor da Azul, onde se inclui o programa de fidelização, que não chegaram a ser registadas pela TAP.A TAP SGPS e a TAP SA pediram ao tribunal que declare a nulidade da prestação de garantias prevista no Security Agreement e a consequente nulidade deste contrato, por força do disposto nos artigos 245.º, n.º 6, do Código das Sociedades Comerciais e 294.º do Código Civil, que se aplicam aos contratos de suprimentos entre sócios de uma empresa. Foi no âmbito da defesa contra processo que a Azul apresentou ao tribunal as cartas assinadas por Pedro Nuno Santos e Miguel Cruz.Um ultimato com um prazo de 36 minutosDe acordo com as cartas, a que o DN teve acesso, a 1 de julho de 2020, aquando da renacionalização da TAP, o governo liderado por António Costa solicitou à Azul que renunciasse ao direito potestativo de conversão em ações das obrigações emitidas emitidas em 2016 pela TAP SGPS. Após uma primeira carta do governo, na qual pedia que a Azul renunciasse a esse direito, sob pena de vir a recorrer aos instrumentos legais à sua disposição para poder salvar a TAP (nomeadamente a nacionalização forçada), os brasileiros responderam que o prazo que lhes foi dado para responder era impossível de cumprir, por ser exigida a resposta em 36 minutos. Responderam, por isso, no dia seguinte, argumentando que apenas poderiam aceitar essa medida se lhes fosse assegurado que se manteria a validade do empréstimo obrigacionista e das respetivas garantias, bem como da natureza sénior da dívida emitida pela TAP. O governo português respondeu então no mesmo dia, através de uma carta assinada por Pedro Nuno Santos e Miguel Cruz: “Estamos em condições de afirmar que o Estado Português, enquanto credor e eliminado que tenha sido o respetivo direito de conversão, respeitará e não questionará em qualquer formato de reestruturação da dívida do Grupo TAP que ao crédito das Obrigações de que a Azul é titular seja dado tratamento jurídica e economicamente pari passu a quaisquer credores comuns das sociedades do Grupo TAP, ou que a Azul seja tratada ou aceite como credora sénior (“senior secured creditor”), a par com a Parpública, igualmente detentora de participação acionista na TAP SGPS, isto sem prejuízo dos privilégios creditórios que outros créditos possam beneficiar por força de lei, nomeadamente os créditos resultantes de contratos de trabalho que outros acionistas possam beneficiar.”´Contactada pelo DN, fonte oficial da Azul confirmou a existência das cartas e o seu teor. Até ao fecho, não foi possível obter esclarecimentos de fonte oficial da TAP e do antigo ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos..Reprivatização da TAP. Primeiro-ministro espera mais interessados “de outras geografias”.Integração da TAP em grande grupo pode criar sinergias de 300 milhões por ano, diz Bank of America.Azul quer receber 177 milhões da antiga TAP SGPS até final do mês