Tancos. Nova comissão de inquérito com apoio alargado
O líder parlamentar do PSD, Fernando Negrão, exigiu hoje ao primeiro-ministro que dê explicações urgentes sobre o que se passou no caso de Tancos, nomeadamente como avalia a atuação do anterior ministro da Defesa, Azeredo Lopes, e quando soube António Costa - "e o que sabia" - do que se passou em Tancos.
Fernando Negrão falava na intervenção inicial do PSD, na Comissão Permanente da Assembleia da República que esta tarde está a discutir o caso do roubo e posterior recuperação das armas roubadas do paiol de Tancos. "É da política saber se um primeiro-ministro, que quer voltar a ser primeiro-ministro, merece a confiança dos portugueses, quando há dúvidas e suspeitas que não foram cabalmente esclarecidas", afirmou Negrão, acrescentando que "se o primeiro-ministro sabia e nada fez foi conivente, se não sabia, algo de estranho se passa no Governo".
O líder da bancada social-democrata começou a intervenção a afirmar que este debate "deveria ter ocorrido na passada semana, ainda em campanha eleitoral", porque foi neste período que emergiu como "tema de discussão e debate", ao qual o PS "não deu resposta". "Terminou a campanha e os cidadãos não tiveram acesso à informação de todos os partidos", disse ainda o líder parlamentar social-democrata, acrescentando que esse é um "ónus que fica com o PS, o PCP e o BE".
Na resposta a Fernando Negrão, que tardou (Ferro Rodrigues teve de perguntar várias vezes quem se inscrevia para falar), o líder parlamentar do BE, Pedro Filipe Soares, acusou o PSD de não ter "a consciência tranquila pela forma como politizaram o tema" na campanha eleitoral. Defendendo que as conclusões da comissão parlamentar de inquérito a Tancos não foram uma declaração de inocentação, mas uma declaração sobre os factos que foram apurados, o parlamentar bloquista mostrou abertura a que essas conclusões sejam corrigidas caso o inquérito criminal venha a demonstrar que não estão corretas.
Já António Filipe, do PCP, acusou o PSD de querer transformar Tancos no centro da sua campanha eleitoral - "à falta de melhor" - e ironizou que Rui Rio "terá feito as pazes com o Ministério Público". Mas contrapondo que "devemos respeitar sempre as decisões do Ministério Público, não apenas quando convém politicamente".
Quando faltavam ainda as intervenções do PS e do CDS, a Comissão Permanente teve um momento caricato, com o presidente do Parlamento a apelar sucessivamente a que algum dos partidos falasse. "Entre o CDS e o PS alguém tem que dizer qualquer coisita", insistia Ferro Rodrigues, perante o silêncio das duas bancadas. E foi com o presidente já a ameaçar passar o debate para a intervenção final do PSD, que a bancada socialista avançou para uma intervenção, não sem que Carlos César se dirigisse ironicamente ao CDS "como o partido mais votado nas últimas eleições" - uma "bicada" pelo facto de os centristas se estarem a guardar para falar depois dos socialistas.
Pelo PS, Filipe Neto Brandão - deputado que presidiu à comissão parlamentar de inquérito a Tancos - não poupou nas críticas à direita, afirmando que "só a antevisão de um resultado eleitoral desastroso" pode justificar o que qualificou como "deploráveis processos de intenção e insidiosos julgamentos de caráter". Referindo-se às declarações de Assunção Cristas, que pediu que todos os depoimentos feitos no Parlamento sobre o caso Tancos fossem enviados ao Ministério Público, Neto Brandão acusou a ainda líder do CDS de fazer uma "tentativa de ingerência ou censura ao modo como o Ministério Público conduziu as diligências do inquérito".
O deputado socialista contestou também que se possa concluir, nesta altura, que foram proferidas declarações falsas na comissão parlamentar de inquérito ao caso de Tancos - nomeadamente por parte do ex-ministro da Defesa, Azeredo Lopes - apontando para uma "grosseira violação do princípio da separação de poderes e da presunção de inocência". Neto Brandão acabou mesmo a falar em "indignidade".
Telmo Correia, do CDS, devolveu as críticas, falando de uma "pressão inaceitável" sobre a Justiça, devido às críticas que se ouviram ao timing em que foi conhecida a acusação, em plena campanha eleitoral.
Na intervenção final, novamente do PSD, Duarte Marques chamou a todo o caso de Tancos um "filme de terror político", questionando novamente que António Costa não soubesse da encenação que levou à recuperação das armas.
Se o CDS já tinha avançado que vai pedir uma nova comissão parlamentar ao caso de Tancos (mas Telmo Correia disse hoje que só valerá a pena se os partidos da esquerda mudarem de atitude), e Bloco e PS também já disseram que irão viabilizar um novo inquérito, essa garantia ficou repetida hoje na Comissão Permanente, com Neto Brandão a dizer que o PS "quer que todos os factos relativos a Tancos possam ser apurados e todas as responsabilidades imputadas" - "Se uma nova comissão parlamentar de inquérito sobre Tancos vier a ser requerida, viabilizá-la-emos".
Neste ponto, apenas o PCP se mostrou mais reservado, sublinhando que a anterior comissão de inquérito já foi prematura e que este é o tempo da justiça.
A Comissão Permanente da Assembleia da República reuniu esta tarde para discutir o caso de Tancos, na sequência de um requerimento apresentado pelo PSD. Os sociais-democratas queriam realizar o debate na passada semana, mas PS, BE, PCP e PEV remeteram a discussão para esta quarta-feira, aprovando uma proposta avançada em conferência de líderes parlamentares pelo presidente do Parlamento, Eduardo Ferro Rodrigues. PSD e CDS votaram contra a data.
A esquerda acusou então PSD e CDS de "eleitoralismo" e de querer instrumentalizar a Comissão Permanente, dado que decorria ainda a campanha eleitoral. Fernando Negrão, líder da bancada do PSD, lamentou a decisão, argumentando que a data escolhida deixava o Parlamento "cego, surdo e mudo" aos desenvolvimentos do caso de Tancos.
No requerimento em que solicitou a reunião da Comissão Permanente, o PSD pedia uma reunião "com caráter de urgência" da conferência de líderes para se marcar um debate sobre Tancos em Comissão Permanente, invocando uma "suspeita da conivência do primeiro-ministro".
Para os sociais-democratas, a acusação do Ministério Público no processo de Tancos, conhecida há duas semanas, "afeta diretamente um ex-membro do atual Governo, pondo a nu a existência de condutas extremamente graves no exercício dessas funções políticas que colidem com o compromisso assumido perante todos os portugueses de exercer com lealdade as funções que lhe foram confiadas".
"É pouco crível que o ex-ministro da Defesa Nacional [Azeredo Lopes] não se tenha articulado, sobre este processo, com o responsável máximo do Governo, quando é público que o fez com um deputado do PS, o que levanta a suspeita da conivência do primeiro-ministro", refere o PSD, acrescentando que "não só foram sonegadas informações [à Assembleia da República] no âmbito da sua competência de fiscalização do Governo no que se refere ao processo de Tancos, como este órgão de soberania terá sido inebriado pelo Governo com informações, no âmbito deste processo, que não correspondem minimamente à realidade".
O despacho de acusação do Ministério Público sobre o furto e reaparecimento das armas de Tancos foi conhecido em 26 de setembro, apontando 23 arguidos, nove pelo roubo e 14 pela operação que levou ao "achamento" do material. Um dos arguidos é o ex-ministro da Defesa Azeredo Lopes, suspeito de envolvimento na operação encenada pela Polícia Judiciária Militar para a recuperação do material.
Conhecida a acusação, o líder do PSD, Rui Rio, deu uma conferência de imprensa considerando "pouco crível" que o primeiro-ministro não soubesse do encobrimento no reaparecimento do material militar, mas qualificando também como grave "a hipótese" de António Costa não saber, o que significaria que havia ministros que não o informavam de matérias "relevantes e graves".
Nesta altura, CDS e BE já admitiram a constituição de uma nova comissão parlamentar de inquérito a Tancos na legislatura que está prestes a iniciar-se. O PS também já disse que a bancada parlamentar está disponível para viabilizar um novo inquérito.
A Comissão Permanente é o órgão que substitui o plenário fora dos períodos de funcionamento efetivo da Assembleia da República. É composta por deputados de todos os grupos parlamentares, de acordo com a sua representatividade.