Tancos: a falta de efetivos militares e a recruta em bairros problemáticos
Na estreia das audições da Comissão Parlamentar de Inquérito sobre Tancos, o coronel de Infantaria Manuel Joaquim Vieira Esperança, que foi comandante do Regimento de Infantaria n.º 15, procurou sempre defender os seus homens, notou que as deficiências de segurança eram conhecidas dos superiores do Exército, enquanto insinuou que houve decisões políticas no passado que abriram a porta a eventuais relações perigosas entre militares e o submundo do crime.
Manuel Esperança, hoje coronel na reserva, comandou a unidade aquartelada em Tomar de outubro de 2013 a outubro de 2016, que também disponibilizava militares para o controlo de entradas e segurança dos paióis de Tancos.
Sem responsabilidades à data dos acontecimentos (28 de junho de 2017), o primeiro militar ouvido pelos deputados - a pedido do PS - recusou que tenha havido um decréscimo significativo de militares no terreno, nas rondas feitas para vigilância no Polígono de Tancos. Para os socialistas, interessava saber se as falhas de segurança já vinham de trás.
Para Manuel Esperança, desde que acabou o Serviço Militar Obrigatório, os militares confrontaram-se com um problema de recursos humanos. "Houve alguma dificuldade de recursos humanos para as Forças Armadas", apontou.
Outra decisão que não ajudou é o facto de o Exército oferecer aos seus militares contratos de apenas seis anos. "Andamos seis anos a formar um homem e depois enviamo-lo para a sociedade civil", desabafou o militar.
Logo a seguir, o coronel na reserva ensaiou uma outra leitura, pedindo permissão para trazer "à colação as grandes transformações" nas Forças Armadas, sobretudo no Exército, sobre eventuais implicações que podem ter estes contratos.
"Se queremos homens para ir para a República Centro-Africana, se calhar não vamos à Ericeira, vamos aos bairros problemáticos", disse, apontando o facto de se abrir assim "um problema de segurança" - "que é transversal a entidades, que não necessariamente só o Exército" - com a contratação de gente para as forças especiais num "regime de apenas seis anos", com contacto com "material muito sensível".
Manuel Esperança sugeriu que eventualmente podia haver "troca de informação entre diferentes entidades" para evitar situações como as do roubo de Tancos, e questionou-se: "Não teremos de ter outra atenção e tratá-lo de outra forma?" Sobre isto, os deputados não perguntaram mais, o coronel na reserva deixou no ar a sua tese.
Onde os deputados se centraram foi sobretudo no número de efetivos que faziam a segurança aos paióis - oito militares, "um sargento, um cabo mais seis homens", de acordo com Manuel Esperança, de um pelotão de 44 efetivos, que tinham um "mínimo de serviço de 24 horas", seguido de um "descanso no mínimo de dois dias".
Depois de muita insistência, o militar - que antes tinha afirmado que "a insuficiência dos homens são palavras do senhor deputado" - admitiu que um efetivo como este, "naquele grau de ameaça, que não era considerado crítico era", na sua opinião pessoal, "aceitável". E ainda admitiu que "era o mínimo, podia não ser desejável, mas é aceitável".
Para o comunista Jorge Machado, no que foi acompanhado do centrista Telmo Correia, esse número de efetivos não era suficiente, por não haver meios complementares de videovigilância a funcionar, que ajudassem à segurança dos paióis, como o coronel Manuel Esperança tinha admitido.
Telmo Correia não desarmou e leu mesmo uma passagem de um relatório do Ministério da Defesa, que falava numa redução significativa de efetivos. "Formalmente, consolidou-se por isso, já em 2007 (há mais de dez anos), uma redução de cerca de 75% do determinado inicialmente, mas realmente nunca efetivado, quanto ao número de militares a afetar à segurança dos PNT [Paióis Nacionais de Tancos]", descreve o texto de 108 páginas, intitulado "Tancos 2017: Factos e Documentos", da responsabilidade do gabinete do então ministro Azeredo Lopes.
Nesse relatório, que Jorge Machado também citou, lê-se "que a situação de relativa indefinição e de falta de efetivos atribuídos à missão se arrastou ao longo de 2009 e 2010" e, logo depois, que "em 2012, a Brigada de Reação Rápida, enquanto entidade primariamente responsável pela segurança, avaliou a situação como preocupante e elaborou uma informação exaustiva para o Comando hierarquicamente superior, referindo as condições existentes nos PNT, identificando riscos e propondo correções para os mitigar".
O coronel na reserva confirmou que "o seu superior hierárquico sabia" das falhas e deficiências na segurança dos paióis e que, perante a degradação das instalações - que os deputados constataram na sua visita realizada na terça-feira ao Polígono de Tancos - "foram feitas intervenções, quando necessário".
Esta quinta-feira realiza-se a segunda audição, agora do comandante que sucedeu a Manuel Esperança no Regimento de Infantaria n.º 15, o coronel de Infantaria Francisco José Ferreira Duarte, que esteve na unidade de outubro de 2016 a 30 de junho de 2017, quando foi suspenso - depois de conhecido o roubo -, retomando funções de 18 de julho de 2017 até 11 de outubro de 2018.