Sócrates: "É fácil fazer acusações infundadas e é mais difícil repor a verdade"
"É uma longa caminhada. É fácil fazer acusações infundadas e é mais difícil repor a verdade", disse esta segunda-feira José Sócrates após o primeiro de quatro dias de interrogatório da fase de instrução do processo Operação Marquês.
À saída do Tribunal Central de Instrução Criminal, em Lisboa, e após cerca de cinco horas de interrogatório, o antigo primeiro-ministro recusou-se a prestar mais declarações aos jornalistas. Questionado sobre se o interrogatório tinha corrido bem, apenas respondeu: "basta olharem para a minha cara".
O principal arguido na Operação Marquês começou a ser ouvido por volta das 14:00 pelo juiz Ivo Rosa que, nesta fase do processo, decide se o caso segue ou não para julgamento.
À chegada ao tribunal, o antigo governante afirmou aos jornalistas que estes quatro dias de interrogatório representam "uma oportunidade para repor a verdade". Esta terça-feira volta a ser ouvido pelo juiz Ivo Rosa.
Sócrates volta a ser interrogado quase cinco anos depois de ter sido detido por suspeitas de branqueamento de capitais, corrupção, fraude fiscal e falsificação de documentos.
No requerimento de abertura da fase de instrução, o ex-primeiro-ministro reitera que "não cometeu qualquer crime, nem praticou os factos narrados na acusação, muitos dos quais nunca sequer ocorreram" e considera que isso está "exuberantemente demonstrado nos autos".
O antigo governante reclama inocência desde o início do processo e garante que a sua detenção teve uma motivação política - esteve detido preventivamente durante dez meses e depois em prisão domiciliária - e pediu para ser ouvido pelo juiz Ivo Rosa, um pedido aceite pelo magistrado, que reservou ainda mais três dias (até 31 de outubro) para o interrogatório.
José Sócrates está acusado pelo Ministério Público (MP) de três crimes de corrupção passiva de titular de cargo político, 16 crimes de branqueamento de capitais, nove crimes de falsificação de documento e três crimes de fraude fiscal qualificada, no âmbito da Operação Marquês. No total, o antigo primeiro-ministro, que já esteve preso preventivamente e em prisão domiciliária, está acusado de 31 crimes económico-financeiros.
O processo Operação Marquês resultou numa acusação com mais de quatro mil páginas, 134 volumes, mais de 500 apensos e registos de mais de 180 buscas e interceções telefónicas. No total, ultrapassa as 53 mil páginas de papel, espalhadas por duas salas do Tribunal Central de Instrução Criminal.
Entre outros pontos, a acusação sustenta que Sócrates recebeu cerca de 34 milhões de euros, entre 2006 e 2015, a troco de favorecimentos a interesses do ex-banqueiro Ricardo Salgado no Grupo Espírito Santo e na PT, bem como por garantir a concessão de financiamento da Caixa Geral de Depósitos ao empreendimento Vale do Lobo, no Algarve, e por favorecer negócios do Grupo Lena.
No requerimento de abertura da fase de instrução, a que o DN teve acesso, a defesa de Sócrates nega em termos genéricos todos os factos da acusação.
A fase de instrução do processo Operação Marquês começou em janeiro de 2019, e envolve 28 arguidos - 19 pessoas e nove empresas. As datas do debate instrutório já estão marcadas: arranca a 27 de janeiro de 2020 e termina no dia 31, no Campus de Justiça de Lisboa. Vários dias justificados pelo juiz da seguinte forma: "Considerando a complexidade do processo, a dimensão da acusação e dos requerimentos de abertura de instrução, as inúmeras questões jurídicas e o número de sujeitos processuais envolvidos, é previsível que o debate se prolongue por mais de uma sessão".
Entre os arguidos da Operação Marquês estão, entre outros, Joaquim Barroca, ex-administrador do Grupo Lena, Carlos Santos Silva, empresário, Ricardo Salgado, ex-presidente do BES, Zeinal Bava, ex-presidente executivo da PT, Helder Bataglia, empresário, Henrique Granadeiro, ex-gestor da PT, Armando Vara, ex-ministro e antigo administrador da CGD, José Paulo Pinto de Sousa, primo de Sócrates, e Sofia Fava, ex-mulher de Sócrates.
Com Paula Freitas Ferreira