Os partidos com assento parlamentar dividem-se quanto à realização, este ano, da sessão solene evocativa do 25 de Abril. De um lado estão os que defendem que a data não pode passar em branco e que isso é particularmente importante com o país em estado de emergência e os direitos dos cidadãos limitados. Do outro, os que consideram que o Parlamento deve dar o exemplo numa altura em que os portugueses estão confinados, e não deve promover cerimónias juntando várias pessoas no mesmo espaço..Eduardo Ferro Rodrigues, presidente da Assembleia da República, faz parte do primeiro grupo. Muito embora a questão ainda não tenha sido debatida em conferência de líderes (a reunião que junta os representantes dos vários partidos), o líder dos deputados já disse que as comemorações se vão manter e é essa proposta que vai pôr em cima da mesa. Os termos exatos estarão a ser acertados com a Presidência da República..Certo é que a sessão solene, um dos momentos altos do ano parlamentar, que é encerrada com um discurso ao país do Presidente da República - o que só tem paralelo com o discurso do 10 de junho, do 5 de outubro e a mensagem de Ano Novo - será feito em moldes diferentes do habitual..As comemorações do 25 de abril juntam habitualmente, na Sala das Sessões, mais de mil pessoas, entre os quais se contam todos - mas mesmo todos - os titulares dos mais altos cargos do Estado português. Na tribuna sentam-se o Presidente da República e o presidente da Assembleia da República - a primeira e segunda figuras do Estado. A terceira está logo abaixo, na tribuna do Governo, onde se senta o primeiro-ministro e todos os ministros (com os secretários de Estado nas galerias). Entre os convidados contam-se os presidentes dos vários tribunais superiores, o chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas e os chefes dos três ramos, o Procurador-Geral da República e todo o corpo diplomático acreditado em Portugal. Antigos presidentes da República também costumam marcar presença. E a lista está longe de ser exaustiva..Esquerda quer manter sessão solene, direita e PAN defendem anulação da cerimónia.Os dois maiores partidos não assumem ainda uma posição quanto a esta matéria. "Analisaremos a questão quando for colocada, em futura conferência de líderes", disse ao DN Pedro Delgado Alves, vice-presidente da bancada parlamentar socialista. Já o PSD não se pronuncia, para já, sobre esta questão..Para o Bloco de Esquerda, a cerimónia evocativa do 25 de Abril deve manter-se. "O Estado de Emergência não suspende a democracia, razão pela qual a Assembleia da República se mantém em funcionamento. O Bloco considera que, com os dados que se conhecem hoje e tomando sempre em consideração as recomendações das autoridades de saúde, a Assembleia não deve deixar de assinalar o 25 de Abril", sublinha fonte oficial do partido..Pelo PCP, o líder parlamentar, João Oliveira, é claro a defender que o Parlamento deve assinalar a data da revolução. "A sessão solene deve ser feita, com as adaptações que resultam das medidas que têm sido tomadas relativamente às presenças no plenário, com a garantia de distância dos deputados que correspondam às orientações da Direção-Geral de Saúde", diz ao DN, admitindo que "no limite possa não haver convidados" na cerimónia. O PCP tem defendido que o Parlamento deve manter-se em funcionamento. "As responsabilidades que se colocam à Assembleia da República não são propriamente as mesmas que se colocam em relação a qualquer outra entidade", sublinha o líder da bancada comunista. Para João Oliveira o "exemplo que se exige à Assembleia da República é o daqueles que estão confrontados com a necessidade de prosseguir a sua atividade, os médicos, os bombeiros, os enfermeiros, os funcionários da recolha do lixo". O PEV tem assumido uma posição idêntica à da bancada comunista..O CDS defende o contrário, em toda a linha. Telmo Correia diz que "não faz sentido" estar a fazer uma cerimónia presencial numa altura que até pode coincidir com o período de pico da pandemia. "Celebrações e festas não são a nossa preocupação nesta altura", diz o líder parlamentar do CDS, que defende que o 25 de Abril pode ser evocado "sem que seja preciso fazer uma sessão". Sublinhando que o elemento mais relevante destas comemorações é a mensagem do Presidente da República ao país, o líder da bancada centrista defende que esta intervenção pode manter-se, mas num outro formato - mediante uma reunião restrita ou mesmo a partir de Belém. "O Presidente da República pode fazê-lo como entender, mas sem que seja preciso fazer uma cerimónia, acho que isso está fora de questão"..Quanto ao funcionamento geral da Assembleia da República o CDS é, desde o início, crítico do modelo que foi adotado. Os centristas defendem que deveria ser ativada a Comissão Permanente, reduzindo assim drasticamente o número de presenças em plenário. "É o que está a fazer a maioria dos parlamentos na Europa", diz Telmo Correia, acrescentando que, numa altura em que os portugueses estão confinados em casa, o Parlamento deveria "dar o exemplo", em vez de demonstrações de "alguma irresponsabilidade" como o que verificou com o elevado número de deputados que marcaram presença no plenário no último debate quinzenal - "Tivemos aquele incidente no PSD [Rui Rio deixou a sala], mas nas outras bancadas a situação era igual"..Também o PAN sustenta que só devem realizar-se "os atos manifestamente imprescindíveis. O 25 de abril é uma data extremamente relevante, mas não é uma data meramente evocativa, é a defesa de valores que se deve renovar todos os dias", diz ao DN Inês de Sousa Real, deixando um apelo a que "não se realizem cerimónias desnecessárias"..Sobre o argumento de que assinalar o aniversário da revolução é particularmente relevante - e simbólico - numa altura em que o país está sob um inédito estado de emergência, a líder parlamentar do PAN defende que uma democracia que "é capaz de auto regular-se nesta situação, que é capaz de gerar união entre as diferentes forças políticas, é uma democracia que está saudável e que tem vivos os valores do 25 de Abril". Ou seja, não precisa de cerimónias protocolares para fazer prova de vida. Quanto à hipótese de uma sessão sem convidados e com poucos deputados, não é um cenário que agrade à líder da bancada do PAN: "Estar a restringir a cerimónia a meia dúzia de deputados não me parece justo"..Pela Iniciativa Liberal, João Cotrim Figueiredo também levanta muitas reservas à realização de uma cerimónia, considerando que "a atividade parlamentar deve ficar restrita ao que contribui para o combate efetivo ao Covid-19, para que todos possamos voltar à normalidade logo que possível".."Consideramos mais sensato que, apesar da importância da data, não haja uma cerimónia presencial", diz o líder da IL, sublinhando que as mensagens dos órgãos de soberania e dos partidos podem ser difundidas através da comunicação social..Também André Ventura defende que o Parlamento "não deve fazer comemorações" nesta altura, "por muito importante que seja a data" - "Não me parece que seja muito coerente com aquilo que estamos a pedir aos portugueses". Mas a Assembleia da República deve continuar a funcionar sem recorrer à Comissão Permanente, defende o deputado e líder do Chega, considerando que o atual modelo, não sendo o ideal, é o "melhor possível" nesta altura..Em sentido oposto, Joacine Katar Moreira diz que é "importante que o 25 de Abril não passe em branco na Assembleia da República porque vivemos tempos em que é necessário defender e reforçar ainda mais os valores de Abril". Mas o formato "poderá não ser o habitual, dependendo da situação em que nos encontremos nessa altura"..Quanto aos atuais moldes de funcionamento, a deputada independente diz concordar: "Precisamos de continuar a trabalhar, a legislar e a discutir assuntos que afetam o quotidiano da população, não podemos simplesmente parar ou reduzir-nos a meia dúzia de pessoas como alguns partidos sugerem"..Associação 25 de Abril cancelou desfile.A Associação 25 de Abril, um dos promotores do desfile anual comemorativo do 25 de abril na Avenida da Liberdade, em Lisboa, já anunciou o cancelamento do desfile..Em alternativa, Vasco Lourenço, presidente da Associação, pediu que às 15 horas do dia 25 de abril rádios e televisões "passem" a "Grândola Vila Morena" - uma das senhas do Movimento das Forças Armadas (MFA) em 25 de abril de 1974 - e que as pessoas que estão em casa devido à pandemia vão para as janelas cantar em coro a canção de Zeca Afonso.