O professor despediu-se à Presidente com esperança no futuro de Portugal

Marcelo despediu-se esta quinta-feira da Universidade de Lisboa, onde entrou em 1966 como estudante e onde passou a sua vida profissional. Traçou o seu percurso nestas cinco décadas e não resistiu a despedir-se com palavras presidenciais
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Ainda Marcelo Rebelo de Sousa não tinha começado a falar e as palmas já eram muitas, houve mesmo quem se levantasse no balcão da Aula Magna. Às 17.02 minutos, o professor iniciava a sua Oração de Sapiência, a aula que marca a sua despedida da Universidade de Lisboa. Ou não. Marcelo afirmava à chegada que esta seria mesmo a sua última aula, o reitor Cruz Serra fez questão de dizer que a Universidade de Lisboa não pode prescindir de contar com ele como distinto professor.

Mas foi na voz de Presidente da República que terminou a sua intervenção. "Portugal viveu uma crise aguda que procura não repetir. Com a crise, a universidade sofreu muito, como toda a sociedade, um atraso penoso e de difícil recuperação." As palavras finais do chefe de Estado foram, contudo, de esperança no futuro da universidade, da educação como penhor da igualdade.

Esperança no futuro

Marcelo falou cerca de meia hora, cruzando o seu percurso académico com as transformações históricas, económicas e sociais que se deram no mundo e no país. E fê-lo por décadas. Desde 1966, ano em que entrou na Faculdade de Direito como estudante até 2016, quando foi eleito Presidente da República. Falou de si na terceira pessoa, o estudante, o professor, o catedrático... E da licenciatura, do mestrado e do doutoramento.

"A universidade, a minha universidade foi sempre a minha praça-forte, a minha casa 'mater', o meu último refúgio. Tudo quanto fiz ou faço em tantos outros domínios fi-lo a partir dela e por causa dela", afirmou, acrescentando: "E depois de cada incursão, fora dela, à minha escola regressava sempre, sem exceção, jubiloso ou derrotado, pois era ela a verdadeira vocação da minha vida". E as incursões fê-las na política, nomeadamente como líder do PSD, no jornalismo, no comentário televisivo. Ou como diria Leonor Beleza - "a querida amiga de sempre" com quem entrou na faculdade para o mesmo curso de direito - um homem de intervenção cívica, "que exerce a causa pública mas permanece aquilo e regressa aquilo que sempre foi".

O Presidente da República, melhor o professor, declarou que estará "grato para sempre" à sua universidade: "Ao caminhar para o fim de uma fascinante aventura, como não agradecer a esta universidade a vida inesquecível que me proporcionou?"

Mas foi na voz de Presidente da República que terminou a sua intervenção. E as palavras do chefe de Estado foram de esperança no futuro da universidade, da educação como penhor da igualdade. "Esperança no futuro de Portugal."

Marcelo Rebelo de Sousa - que é professor da Faculdade de Direito desde 1972, onde começou a ensinar Economia - fez questão de frisar que o separam menos de 90 dias da imperativa jubilação, do termo final da docência plena. Na Universidade de Lisboa passou 46 anos - e "todas as universidades são um poço de desafios". Antes, Cruz Serra tinha-lhe deixado o apelo, não o quer ver ir embora. "Esta não é uma jubilação, não é uma lição, porque a Universidade de Lisboa não prescinde de continuar a contar com Vossa Excelência.

Desde que como aluno colocou pela primeira vez os pés na Faculdade de Direito, já lá vão 52 anos, muito aconteceu no mundo e em Portugal. Entrou com uma ditadura, sai Presidente da República, E acompanhou a mudança, conseguindo ao mesmo tempo manter a participação cívica e a carreira académica. Na década de 80, recordou, passou na universidade os tempos mais felizes da sua vida académica, da Católica à Nova, do Porto às universidades da lusofonia. Foi nesses tempos que, disse, conheceu a experiência inesquecível de dirigir a faculdade em sistema colegial.

Reitor deixa críticas demolidoras

Muitas personalidades estiveram na Aula Magna a ouvir a última aula de Marcelo. Altas individualidades do Estado e da Justiça, ministros e secretários de Estado. Mas um em particular - o do Ensino Superior, Manuel Heitor - ficou com as orelhas a arder com as palavras demolidoras do reitor da Universidade de Lisboa que aproveitou a cerimónia de abertura do ano académico para para criticar a política governativa para o sector. Desde o sistema de colocações ao financiamento das universidades e às intromissões na autonomia universitária.

"O total de 7214 novos estudantes que este ano recebemos é lamentavelmente menor do que em anos anteriores", disse numa alusão à decisão do governo de fechar vagas em Lisboa e Porto, o que, acrescentou levou a que alunos com 18 não tivessem vaga.

As universidades de Lisboa e Porto perderam 1066 vagas, sublinhou, enquanto 31 instituições do Algarve, ilhas, Aveiro, Coimbra e Minho receberam apenas mais 98 alunos do que no ano anterior.

A festa magna

Houve festa na Aula Magna da Universidade de Lisboa, que esta tarde se encheu de gente para assistir à ultima aula de Marcelo Rebelo de Sousa como professor da Faculdade de Direito. O salão nobre encheu-se. Cá fora havia um ecrã gigante para quem quisesse acompanhar a cerimónia. Não parecia uma última aula e, se dúvidas houvesse, a marcha da universidade, "Pompa e Circunstância", daria o mote para a solenidade do acontecimento. Como é da praxe nas cerimónias académicas.

"É um dia diferente, emotivo. Quando digo que é a última aula, é mesmo a última", antecipava Marcelo à chegada.

Muitas personalidades da política foram ao salão nobre, entre eles dois ex-presidentes da República, Jorge Sampaio e Ramalho Eanes. Também estiveram o atual e o ex-presidente da Assembleia da República, respetivamente Ferro Rodrigues e Jaime Gama. Figuras do PSD, Marques Mendes e Manuela Ferreira Leite. E deputados, líderes parlamentares, presidentes dos tribunais superiores. O primeiro-ministro estava ausente em Salzburgo a participar no Conselho Europeu informal.

Marcelo sentou-se no centro palco, ladeado por Leonor Beleza, amiga de longa data e presidente do Conselho Geral da Universidade, e do reitor Cruz Serra.

A cerimónia teve início com o pomposo cortejo académico dos professores e alunos que representam as várias faculdades da Universidade de Lisboa, que foi saudado efusivamente. Antes dos discursos, Marcelo recebeu das mãos de Alexandre Paço, da Associação de Estudantes do Instituto Superior Técnico, a capa com os emblemas da universidade "porque é a capa que acompanha o estudante e guarda todas as suas memórias."

Marcelo, na sua última aula, não se alongou a falar das memórias de que falava Alexandre Paço. O professor, que a certa designou como "o último moicano no ativo licenciado na pré-história", numa referência à sua atividade universitária, foi diferente daquilo que se esperava. Contido. Histórico.

Cá fora, na Alameda da Universidade, onde havia um ecrã gigante para o ouvir, a festa dos estudantes continuou. Com música pela noite fora.

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