Marcelo veta a lei do lóbi
O chefe de Estado vetou na sexta-feira o diploma do parlamento que regula a atividade de lóbi em Portugal apontando-lhe "três lacunas essenciais", em particular o facto de "não prever a sua aplicação ao Presidente da República".
O veto foi avançado pelo Expresso e divulgado oficialmente através de uma nota publicada à meia-noite no portal da Presidência da República na internet, na qual se lê que Marcelo Rebelo de Sousa promulgou outros dois diplomas do pacote da transparência.
O decreto vetado "aprova as regras de transparência aplicáveis a entidades privadas que realizam representação legítima de interesses junto de entidades públicas e procede à criação de um registo de transparência da representação de interesses junto da Assembleia da República".
Foi aprovado em votação final global no dia 7 de junho com votos favoráveis de PS e CDS-PP, com a abstenção do PSD e votos contra de BE, PCP, PEV, PAN e do deputado não inscrito Paulo Trigo Pereira.
Esta legislação foi acordada na Comissão Eventual para o Reforço da Transparência no Exercício de Funções Públicas a partir de projetos de lei de CDS-PP, PS e PSD.
Marcelo Rebelo de Sousa vetou esta lei "considerando que três lacunas essenciais, em particular o facto de o diploma não prever a sua aplicação ao Presidente da República", de acordo com a nota divulgada no portal da Presidência da República na Internet, que remete também para uma carta enviada ao presidente da Assembleia da República.
Nessa carta dirigida a Ferro Rodrigues, com a data de sexta-feira, o Presidente da República contesta ainda "a total omissão quanto à declaração dos proventos recebidos pelo registado, pelo facto da representação de interesses" e o facto de a lei "não exigir a declaração, para efeitos de registo, de todos os interesses representados, mas apenas dos principais".
O chefe de Estado começa por referir, no entanto, que vê com apreço a iniciativa do parlamento de impor transparência à existência de "grupos de pressão organizados" que têm "os seus representantes devidamente remunerados" e atuam "para influenciarem ações ou omissões dos titulares dos cargos políticos e de outros cargos públicos".
"Não obstante, três lacunas essenciais justificam que não possa proceder agora à respetiva promulgação", acrescenta, pedindo aos deputados que procedam "à sua reapreciação, ainda antes do termo desta legislatura, atendendo às três específicas objeções formuladas e correspondentes aditamentos sugeridos".
Para Marcelo Rebelo de Sousa, "mais importante é a terceira omissão", quanto ao âmbito de aplicação da lei.
"No âmbito da aplicação deste decreto deverão incluir-se também o Presidente da República, as suas Casa Civil e Casa Militar, assim como os representantes da República nas regiões autónomas e respetivos gabinetes", defende.
O Presidente da República argumenta que "tal decorre de identidade de razões e, desde logo, do regime já vigente da aplicação dos impedimentos respeitantes a todos os titulares de cargos políticos" e que "carece de sentido haver tal identidade de regime legal e ele não existir para o controlo da representação de interesses".
"Deve, pois, alargar-se o âmbito de aplicação do presente decreto e prever-se a criação de regime específico na Presidência da República, idêntico ao consignado para a Assembleia da República e abrangendo os representantes da República nas regiões autónomas", insiste.
A polémica sobre a lei do lóbi, no debate na Comissão Eventual para o Reforço da Transparência, no parlamento, também andou em torno de uma das questões agora abordadas pelo Presidente na justificação do veto.
Segundo a lei, as empresas de representação de interesses passam a ter de se inscrever no chamado registo de transparência da representação de interesses da Assembleia da República, "público e gratuito", disponível 'online'.
Além de Assembleia da República, a legislação aplica-se ao governo e respetivos gabinetes, governos regionais, órgãos da administração direta e indireta do Estado, entidades administrativas independentes, entidades reguladoras e os órgãos autárquicos.
Na comissão, foi controverso o facto de as empresas de representação de interesses, ou lobistas, não serem obrigados a fazer a uma declaração de património e de rendimentos.
Mas a maior polémica foi por ter desaparecido da lei a obrigatoriedade de as entidades que fazem a representação de interesses terem de declarar, quando marcam audiências, quem estão a representar. Na especialidade, esta norma teve os votos contra do PSD, BE e PCP.
O PSD alegou que o dever de publicitação pode ficar garantido através do dever, por parte de entidades oficiais, da divulgação das reuniões, data e agenda desses encontros.
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, usou na sexta-feira o veto político pela 15.ª vez nos três anos e quatros meses em funções, devolvendo ao parlamento a lei que regula a atividade de lóbi.
Desde que tomou posse, a 9 de março de 2016, o chefe de Estado ainda não recorreu ao Tribunal Constitucional, mas vetou três decretos no primeiro ano de mandato, dois em 2017, seis em 2018, e quatro em 2019, até agora - quinze, no total, quatro dos quais do Governo.
Dos diplomas anteriormente vetados, três foram sobre transportes: os termos da transferência da Carris para a Câmara Municipal de Lisboa, os estatutos da STCP e do Metro do Porto e a regulação da atividade de multinacionais como a Uber e Cabify.
O chefe de Estado vetou também legislação sobre a gestação de substituição, informação a prestar pelos bancos à Autoridade Tributária, o estatuto da GNR, o financiamento dos partidos e a possibilidade de engenheiros assinarem projetos de arquitetura.
Outras matérias objeto de veto foram a identidade e a expressão de género, o direito de preferência pelos arrendatários e o tempo de serviço dos professores, neste caso, unicamente por razões jurídicas.
Em janeiro de 2017, Marcelo Rebelo de Sousa definiu-se como um Presidente que não recorre frequentemente ao Tribunal Constitucional como "uma espécie de defesa", mas que exerce "sem complexo nenhum" o veto político, perante fortes divergências.
Em março de 2018, ao completar dois anos em funções, considerou que tem havido "um número muito pequeno de vetos" face à quantidade de diplomas que lhe chegaram e descreveu o seu relacionamento com os outros órgãos de soberania como "muito pacífico - mais do que pacífico, muito cordial".