Tancos. Relatório final culpa Exército pelas falhas de segurança
Logo abrir as conclusões são salientadas as responsabilidades da hierarquia do Exército na degradação da segurança dos paióis, salvaguardando que, apenas a partir de 2015 - quando tomou posse o atual governo - a questão passou a ser alvo de preocupação. Como se sabe, não foi conseguido, no entanto, melhorar essa segurança a tempo de evitar o assalto em junho de 2017.
"Quer o ministro de Defesa Nacional, quer o primeiro-ministro cumpriram as obrigações a que estão legalmente vinculados e não será ao governo que devem ser atribuídas responsabilidades, quer em relação ao furto, quer em relação ao achamento do material", sintetizou o deputado socialista Ricardo Bexiga, autor deste documento.
Em relação ao que a Comissão de Inquérito apurou quanto aos "Atos prévios ao furto", é concluído que ao longo de mais de uma década se foi degradando a infraestrutura e os equipamentos dos paióis nacionais de Tancos sem que, até 2016, se tivessem tomado medidas pelo Exército para a sua recuperação.
Apurou que essa degradação era notória ao nível das vedações, dos espaços de aquartelamento, da iluminação, dos postos de vigia, dos sistemas de alarme, dos sensores de movimento e da videovigilância.
A situação, é assinalado, foi sendo reportada por vários responsáveis de unidades, das estruturas de comando de Logística e do Comando das Forças Terrestres, sem que tivesse havido determinação de máxima prioridade à recuperação do "campo".
Até 2015, foi ainda apurado, todos os Chefes de Estado-Maior do Exército (CEME) tiveram conhecimento desta situação sem que para tal tivessem assumido medidas urgentes, de natureza orçamental e operativa, no sentido de garantia das condições mínimas de segurança.
A partir de 2015 - com a tomada de posse do atual governo, entenda-se - verificou-se uma "outra e nova preocupação, por parte do Comando de Logística, mas tal preocupação não foi acompanhada por parte do Comando das Forças Terrestres, designadamente ao nível da alteração de procedimentos internos e de reforço de recursos humanos".
Só em 2016, o CEME iniciou o processo de reabilitação dos paióis e esta preocupação foi acompanhada por parte do ministério da Defesa Nacional. Sublinhe-se que "todos os CEME" conheciam a situação mas nada foi reportado aos titulares da pasta antes de 2016.
Mais, a segurança da área, não era prioridade dos Comandantes da unidade.
O relator deste documento, com 170 páginas, é o deputado do PS Ricardo Bexiga, que apresentou o relatório numa reunião da comissão parlamentar de inquérito sobre as consequências e responsabilidades políticas do furto do material militar em Tancos.
O CDS, que foi quem propôs esta Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), promete "significativas" propostas de alteração ao documento, que classifica como sendo uma espécie de "alegações finais de defesa do governo e do PS". O deputado Telmo Correia fez duras críticas às "omissões" e às "faltas de verdade" escritas.
"Há muito coisa que não corresponde à realidade. O CDS não se revê neste relatório e apresentará significativas partes alternativas", sublinhou.
Um dos pontos que mais indignou os centristas, foi o facto de no relatório ter sido concluído que o famoso "memorando" sobre a operação de recuperação do material de guerra, que o ex-diretor da Polícia Judiciária Militar (PJM), coronel Luís Vieira, entregou no gabinete do ex-ministro da Defesa, Azeredo Lopes, nada revela de ilegalidades.
"O documento é todo ele exposição de ilegalidades óbvias", sublinhou Telmo Correia, recordando ainda que a própria Procuradora-Geral da República, na altura Joana Marques Vidal, telefonou a Azeredo Lopes, a protestar, precisamente, contra as ilegalidades cometidas pela PJM - desenvolver uma investigação paralela e negociar com um dos suspeitos do assalto a entrega do material sem informar a PJ.
"Este memorando foi entregue no gabinete no ministro, um ano antes do ministro ter assumido que o tinha recebido. O governo foi informado da ilegalidade, até porque a PGR protestou diretamente junto ao ministro. Este relatório é buraco negro onde desaparece a responsabilidade do governo e do PS", asseverou coordenador do CDS para a Segurança.
A proposta de relatório - que vai agora ser objeto de análise e propostas de alteração dos grupos parlamentares até dia 11 de junho - iliba também o primeiro-ministro de qualquer responsabilidade, reforçando o que António Costa respondeu por escrito à Comissão de Inquérito: só teve conhecimento do dito "documento apócrifo" um ano depois dele ter sido entregue no ministério da Defesa.
Para o relator, o "memorando" era mesmo um "documento apócrifo", conforme tinha dito Azeredo Lopes, entregue pelo diretor da PJM e pelo major Vasco Brazão ao ministro a 20 de outubro de 2017 (dois dias depois do achamento), "indicava de forma sumária, o procedimento de recuperação das munições, mas sem que desses mesmo documentos pudesse resultar o conhecimento de qualquer encenação ou encobrimento". O ministro da Defesa, é concluído, "não teve qualquer conhecimento de que todo o procedimento seguido pela PJM, na recuperação do material se estava fazer à margem do MP".
A CPI apurou que falhou a comunicação de informações entre serviços - designadamente no universo do Sistema de Segurança Interna (SSI) e que a reação integral ao furto só se verificou 24 horas após o acontecido,
Apurou também que as secretas entenderam não se estar perante um furto levado a cabo por ou em benefício de organizações terroristas e que a Unidade de Coordenação Antiterrorista (UCAT) acompanhou a todo o tempo o evoluir da situação, nunca considerando haver necessidade de avaliar formas de promover o reforço de segurança, designadamente em infraestruturas críticas.
Nas conclusões relativas à "segurança de Estado", é escrito que o material de guerra furtado, "mesmo podendo provocar danos se mal utilizado, não poderia ser considerado de alto grau de letalidade".
A conduta da PJM é alvo de condenação. Nesta proposta de relatório é concluído que a PJM, designadamente o seu diretor, não aceitou a decisão do Ministério Público em atribuir a investigação à PJ civil, mantendo uma investigação paralela, com número próprio, passando a afetar recursos a essa mesma investigação, sem que a PJ e o MP tivessem cabal conhecimento.
Na CPI foi apurado que a PJM, em conjunto da GNR de Loulé, promoveu contactos com informadores no sentido da entrega do material furtado - autorizados pelo próprio diretor da PJM.
O relatório indica ainda que o diretor da PJM aceitou montar e participar numa encenação com vista recuperar o material furtado e com vista a limitar, de forma significativa, a intervenção da PJ.
É escrito que "por três vezes, o diretor da PJM, em situação estranha e até incompreensível, tentou envolver o ministro da Defesa no processo o que não se verificou ter sucesso".
A comissão, proposta pelo CDS-PP, está em funções desde novembro de 2018, e o relatório é o último ato do inquérito.
O furto de material de guerra foi divulgado pelo Exército em 29 de junho de 2017. Quatro meses depois, a PJM revelou o aparecimento do material furtado, na região da Chamusca, a 20 quilómetros de Tancos, em colaboração de elementos do núcleo de investigação criminal da GNR de Loulé.
Entre o material furtado estavam granadas, incluindo antitanque, explosivos de plástico e uma grande quantidade de munições.
O caso ganhou importantes desenvolvimentos em 2018, tendo sido detidos, numa operação do Ministério Público e da Polícia Judiciária, sete militares da Polícia Judiciária Militar e da GNR, suspeitos de terem forjado a recuperação do material em conivência com o presumível autor do crime.
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