Tancos "ocorreu com a geração que se preparava para resolver a situação"

General Faria Menezes mostra-se convicto que o furto aos paióis de Tancos ocorreu com colaboração interna.
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O furto de material de guerra nos paióis de Tancos "ocorreu com a geração que se preparava para resolver a situação" de vulnerabilidade na segurança das instalações, afirmou esta quinta-feira o então comandante operacional do Exército.

O tenente-general Faria Menezes, que falava na comissão parlamentar de inquérito sobre as consequências e responsabilidades políticas do furto do material militar em Tancos, sublinhou que o caso das vulnerabilidades na segurança dos paióis "estava identificado" e a ser resolvido pelos responsáveis da altura

Nesse sentido, o então chefe do Estado-Maior do Exército (CEME), general Rovisco Duarte, foi "o mais injustiçado e sem sorte" dos chefes do ramo, pois o furto ocorrido a 28 de junho de 2017 "poderia ter acontecido com qualquer CEME" - e que Faria Menezes disse estar convencido de que teve colaboração interna.

Contudo, Faria Menezes mostrou-se muito crítico da "gestão política" feita por Rovisco Duarte de um caso em que, até "às 15:00 horas" de sábado dia 01 de julho, "o Exército estava unido e coeso atrás do CEME, pronto a enfrentar tudo" após terem adotado medidas de "contenção de danos" e estarem preparados para assumir responsabilidades.

Nessa tarde, Rovisco Duarte disse-lhe por telefone que ia exonerar os comandantes das cinco unidades responsáveis pela segurança dos paióis invocando "razões de pressão superior" que não especificou. O CEME "não disse porque tinha mudado de opinião", apenas que "a pressão é muita, temos de fazer qualquer coisa", recordou.

Faria Menezes, que considerou opção como "inqualificável", evocou as múltiplas tentativas que fez para Rovisco Duarte não exonerar os cinco coronéis - chegando a oferecer-se ele próprio para ser exonerado - ou, então, falar primeiro com os generais da cúpula do ramo antes de decidir, mas sem sucesso.

O militar contou ainda ter dito a Rovisco Duarte que deixaria de ser comandante operacional se o CEME mantivesse a decisão, dizendo desconhecer se a exoneração se devia a uma "estratégia de comunicação" de Rovisco Duarte no que era uma situação que era geradora de vergonha para os coronéis e as respetivas famílias.

Perante a insistência do deputado Carlos Abreu Amorim (PSD) para que dissesse se a invocada pressão superior por Rovisco Duarte teria origem no então ministro da Defesa Azeredo Duarte, Faria Menezes foi enfático: "Desconheço o autor" e "não posso testemunhar em sede parlamentar o que não assisti".

Corrigindo o deputado António Carlos Monteiro (CDS) ao dizer-lhe que "os militares não pedem desculpa", o tenente-general insurgiu-se também com o deputado Ricardo Bexiga (PS) por este dizer que Faria Menezes não mostrara em relação às falhas de segurança nos paióis a mesma indignação que expressara em relação à forma como Rovisco Duarte geriu o caso.

Faria Menezes questionou também a relação que o deputado João Vasconcelos (BE) estabeleceu entre o caso de Tancos e as críticas que fez nas redes sociais ao poder político por retirar as tropas do Kosovo.

O tenente-general, dizendo não ser "de direita nem de esquerda mas às direitas", indignou-se ainda por o Ministério Público ter pedido escutas relacionadas com um eventual furto em instalações militares e não ter alertado as Forças Armadas - e estranhou não ter sido convidado para participar na "reunião de alto nível" de Tancos em que, a 04 de julho, estiveram presentes o Presidente da República, o ministro da Defesa, o CEME e o diretor da PJ Militar.

O militar na reserva disse ainda várias vezes ser importante melhorar o relacionamento entre o poder político e a instituição militar, dado haver atitudes de responsáveis políticos cujo desconhecimento da cultura militar cria muitas vezes situações de desconforto.

A esse propósito e dizendo que respeitava as decisões políticas, Faria Menezes interrogou-se sobre a escolha do general Nunes da Fonseca para CEME em vez do então vice-CEME Fernando Serafino, cuja figura e atuação no período pós-Tancos enalteceu de forma enfática.

"Então quem está há seis anos na GNR é a melhor solução" para um Exército dividido e ferido, perguntou Faria Menezes, frisando não estarem em causa as pessoas e insistindo que um chefe militar deve ser leal mas "não submisso".

Em relação ao ministro Azeredo Lopes e a propósito da audição a que foi chamado aquando da escolha do sucessor do general Carlos Jerónimo, Faria Menezes disse ter sido "uma conversa porreira para um café".

"Pensei que era auditado para ser chefe do Exército" e aguardava "perguntas concretas" sobre a política de Defesa - mas, afinal, o ministro queria saber a sua opinião sobre o que tinha acontecido no Colégio Militar e levara à demissão do general Carlos Jerónimo.

Faria Menezes recordou ainda que, logo a seguir ao furto (no dia 30 de junho), o caso foi "trazido de forma acintosa" ao serem logo "pedidas demissões na praça pública" - por parte do então líder da oposição, Pedro Passos Coelho, disse quando Carlos Abreu Amorim lhe perguntou quem tinha sido.

Em resposta a Jorge Machado (PCP), que destacou a frontalidade e franqueza das respostas dadas pelo general e considerou "inaceitável" só ter havido processos disciplinares a uma praça e a um sargento por causa de Tancos, Faria Menezes registou "a rapidez" com que as verbas apareceram para resolver os problemas da segurança dos paióis após o furto.

"Porque não foi feito antes?", perguntou ainda o tenente-general, a terminar a audição de mais de quatro horas.

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