Secretas portuguesas aprovadas com distinção, mas a precisar de mais espiões

O parecer do Conselho de Fiscalização do SIRP, publicado esta sexta-feira, assinala que, passado um ano da aprovação da lei, os serviços de informações ainda não podem aceder aos dados das telecomunicações e internet, por falta de regulamentação
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Cumpriram a sua missão de "forma eficiente e eficaz" e sem terem sido detetadas atuações que violasse a lei ou "ofensivas dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos", escreve o Conselho de Fiscalização do Sistema de Informações da República Portuguesa (CFSIRP) no sua avaliação relativa à atividades das secretas nacionais no ano de 2017, publicado esta sexta-feira. Também pelo "reforço da imagem positiva" junto à NATO onde assumiram a presidência do Intelligence Comitee e pela "qualidade" dos relatórios produzidos "genericamente de bom nível", tanto o SIS como o SIED foram, assim, a aprovados com distinção pelos fiscais, registando também que "inexistiram queixas (de cidadãos) que se revelassem fundadas".

É o primeiro relatório assinado por Abílio Morgado, ex-conselheiro de Segurança Nacional de Cavaco Silva, em Belém, que presidente o CFSIRP desde novembro do ano passado. Este Conselho, que integra também o deputado socialista Filipe Neto Brandão e o ex-deputado social-democrata e advogado António Rodrigues, tem por missão verificar se a atividades das secretas é feita dentro da lei, com particular incidência ma preservação de direitos, liberdades e garantias.

O SIS (Serviço de Informações de Segurança) produz informações "que contribuam para a salvaguarda da segurança interna e a prevenção da sabotagem, do terrorismo, da espionagem e a prática de atos" que possam "alterar ou destruir o Estado de Direito". O SIED (Serviço de Informações Estratégicas de Defesa) produz informações "que contribuam para a salvaguarda da independência nacional, dos interesses nacionais e da segurança externa do Estado Português".

No entanto, apesar dos elogios, há também um reverso da medalha e aí mantêm-se as lacunas já assinaladas em anteriores relatórios do CFSIRP, como é o caso da falta de espiões e de tecnologias obsoletas. Nas conclusões deste parecer, o Conselho defende o "reforço dos recursos humanos do SIRP, seja através de recrutamentos exigentes em busca dos adequados perfis de competência e deontológicos", salientando que "no bom desempenho dos serviços de Informações prepondera a existência de recursos humanos suficientes, competentes, motivados e deontologicamente exemplares, capazes de personalizarem a cultura dos serviços de informações".

A par deste reforço de espiões, o CFSIRP apela também à "modernização urgente das tecnologias de informação e comunicação" para "assegurar uma maior eficiência e eficácia no desempenho" das secretas, preocupações que destaca como "prioritárias".

No ano em que o caso do espião do SIS , condenado em tribunal por ser agente da Rússia, continuou a marcar o mundo da intelligence, o CFSIRP apenas lhe faz uma referência indireta, quando diz que dedicou "particular atenção", não só "às questões de recrutamento de recursos humanos" mas também aos "procedimentos internos de segurança concretizados". Neste ponto, é sublinhado, "foi relevante o reforço das medidas de segurança internas, pois episódio público e as análises que este suscitou levaram a concluir que o funcionamento adequado dos serviços de informações exigia medidas de autoproteção mais apuradas". Recorde-se que foi demonstrado em tribunal que Frederico Carvalhão Gil extraíra do SIS vários documentos secretos nacionais, na NATO e da UE. Segundo a investigação criminal o espião foi agente duplo, pelo menos desde 2011. Foi detido em Roma, em 2016, quando se encontrava com um espião da SVR russa, a ex-KGB.

Ainda sem acesso aos metadados

Outra matéria que no parecer o CFSIRP deixa implícita uma crítica ao governo, é o facto de, quase um ano depois da aprovação da lei que permite aos espiões, em casos de terrorismo ou outra criminalidade grave, terem acesso aos dados das telecomunicações e da internet dos suspeitos (faturação detalhada com a identificação dos intervenientes, localização e duração das chamadas), ainda não ter sido aprovada a sua regulamentação, impedindo a utilização deste instrumento na sua atividade.

"A alteração que se verificou com a aprovação da Lei Orgânica 4/2017, de 25 de agosto, permitindo o acesso a dados de telecomunicações e internet pelos Serviços de Informações, constitui um passo de maior relevância - embora, de todo, não irrestrito nem desprovido de controlos vários - para a deteção tempestiva de ameaças em áreas bem determinadas de segurança nacional e para assegurar em Portugal capacidades comuns no estrangeiro e que permitem acautelar alguma reciprocidade na cooperação internacional obtida pelos Serviços de Informações nacionais; passo esse que, contudo, continua a carecer da necessária regulamentação, situação que o CFSIRP regista e espera ver rapidamente superada", advertem os fiscais. Abílio Morgado, aliás, mesmo antes de ocupar estas funções, já defendia a importância das secretas poderem aceder aos metadados, manifestando-se contra o chumbo do Tribunal Constitucional.

No parlamento, o CDS também tem exigido ao governo que regulamente a lei, atribuindo o atraso ao facto do PCP e do BE terem pedido uma fiscalização o diploma ao Tribunal Constitucional e do PS não querer entrar em conflito com a maioria de esquerda, que está contra esta autorização.

Discretos, assertivos e intrusivos

O acompanhamento da atividade do SIRP é feita pelo fiscais de forma "tão discreta quanto assertiva e intrusiva", garante o CFSIRP. Há reuniões, normalmente semanais, entre os fiscais e os responsáveis dos serviços, a todos os níveis da hierarquia, dos diretores ou funcionários. Estas reuniões podem ser previamente marcadas ou realizadas sem aviso prévio nem indicação dos temas a tratar. A estratégia de fiscalização procura "percorrer toda a estrutura sem evidenciação de qualquer rotina", é explicado.

Nestes encontros, o CFSIRP procura esclarecimentos para "a compreensão do funcionamento e ação dos Serviços de Informações, muitas vezes a partir de factos de conhecimento público, sempre com o propósito de assegurar, seja o respeito estrito pela Constituição, pela lei e pelos direitos dos cidadãos, seja a produção de modo eficiente e eficaz, de informações necessárias à preservação da segurança interna e externa, à independência e aos interesses nacionais e à unidade e integridade da República Portuguesa".

Sempre que assim o decide, sem aviso prévio, o CFSIRP visita as instalações ou convoca reuniões no SIS ou no SIED, incluindo nas delegações regionais ou representações externas. Podem aceder, em permanência, aos relatórios produzidos por cada uma das estruturas e também "documentação específica" do secretário-geral do SIRP, cargo ocupado atualmente pela embaixadora Graça Mira-Gomes que substituiu em novembro Júlio Pereira,

As secretas militares - Centro de Informações e Segurança Militares (CISMIL) são também alvo da fiscalização do CFSIRP. não sendo assinalado nenhum problema.

"As ameaças que hoje impendem sobre o País e sobre os espaços onde preponderam interesses portugueses são conhecidas e podem concretizar-se. Sem alarmismos, temos de estar conscientes disso, trabalhando para evitar que tais ameaças se concretizem, cientes de que a segurança é uma condição de liberdade e da vitalidade democrática", escreve o CFSIRP. Para isso, todo o trabalho dos Serviços de Informações, implica "recolhas de qualidade, acompanhamentos de situação persistentes e muito profissionalismo no tratamento, análise e difusão de informações".

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