CEMGFA apela para que "não se confunda o Exército com Tancos"

O Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas (CEMGFA), Silva Ribeiro, considerou esta segunda-feira que o furto de Tancos foi "muito grave e inadmissível", mas apelou para que as pessoas "não confundam o Exército com Tancos".
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"Não é aceitável que qualquer pessoa possa entrar numa instalação militar e roubar armas ou munições ou outro tipo de artefactos. Tendo-se isso verificado, agora é um problema da justiça averiguar quem é que cometeu aquele assalto", disse, em entrevista à agência Lusa.

O almirante António Silva Ribeiro contou que à altura, no cargo de Chefe do Estado-Maior da Armada, estava no estrangeiro e soube do ocorrido pelo então ministro da Defesa Nacional, Azeredo Lopes, que lhe telefonou.

Um ano e meio após o furto, que classificou como "muito grave e inadmissível", o almirante Silva Ribeiro manifestou-se preocupado com a ideia de que "pessoas confundam o Exército com Tancos".

"Tancos foi um acidente inaceitável mas as Forças Armadas e o Exército não são Tancos", disse, admitindo que houve sinais de quebra de confiança dos cidadãos em relação às Forças Armadas na sequência do furto.

"Nós não podemos de forma alguém encarar o problema de Tancos como uma questão global no Exército e nas Forças Armadas. Se queremos perceber o que é o Exército e as Forças Armadas olhemos para a República Centro Africana, cumprem missões com grande patriotismo, com grande coragem", exemplificou.

O CEMGFA considerou ainda "absolutamente injusto" algumas críticas que disse estarem a ser dirigidas ao Exército, recusando "rótulos" como falta de transparência ou opacidade em relação àquele ramo militar e às Forças Armadas em geral.

"É absolutamente injusto algumas coisas que eu tenho ouvido acerca do nosso querido Exército, que é feito de homens e de mulheres extraordinárias que têm um brio, um orgulho em servir o país e fazem-no com competência e relevância, esse tipo de apreciações injustíssimas que são feitas ao Exército devem ser refutadas pelos cidadãos, isso não é merecedor de qualquer credibilidade", considerou.

António Silva Ribeiro destacou que hoje as Forças Armadas estão "perfeitamente inseridas no regime democrático e há, da parte dos chefes militares uma profunda lealdade para com os decisores políticos", defendeu.

Falta de recursos humanos

António Silva Ribeiro disse que aquilo que mais o preocupa é a "carência de recursos humanos" nas Forças Armadas.

"Estão subdimensionados para o esforço que é pedido aos militares e isso tem influência na atratividade da carreira. O que é que acontece? Os militares estão sempre empenhados, têm poucos períodos de descanso e isso faz com que a atratividade das Forças Armadas tenha diminuído e também a retenção na carreira tenha diminuído", disse.

O dispositivo previsto é de 30 a 32 mil militares mas neste momento existem 26.700 efetivos, sublinhou, defendendo que é preciso dar condições para que os jovens vejam as FA como opção de qualidade e não como último recurso quando não conseguem outras oportunidades na vida civil.

"Há especialidades na Marinha que já não há pessoal em terra praticamente para substituir o que está embarcado, nomeadamente os mecânicos, condutores de máquinas e eletricistas. Isto precisa de ser resolvido mas para isso tem evidentemente de haver autorizações para as aquisições de pessoal", disse.

As medidas que até agora foram tomadas -- o alargamento dos contratos de seis para 18 anos, que ainda não foi regulamentado, e o aumento do salário das praças para o mesmo valor do salário mínimo nacional -- são boas mas não chegam, advertiu.

"Uma praça que vem para as Forças Armadas no período da recruta recebe 200 euros, se for para a GNR recebe 500 euros, evidentemente vai-se muito mais facilmente para a GNR. Há aqui algumas discrepâncias que precisam de ser corrigidas e os chefes militares têm apresentado propostas", disse.

António Silva Ribeiro defendeu que chegou a altura de "olhar com muita serenidade e com muito rigor para a condição militar", considerando que tem vindo a ser "desestruturada e aproximada" das condições do funcionalismo público.

"E os militares não são funcionários públicos", frisou, sustentando que "é preciso mexer" nas condições de prestação do serviço militar: "Porque os militares têm um conjunto de deveres, obrigações, condições de disponibilidade que implica sacrifícios e que implica um conjunto de recompensas estatutárias e precisamos, à luz das condições do país, refletir sobre a condição militar e encontrar formas de atribuir aos militares as condições estatutárias ajustadas ao tempo em que vivemos", declarou.

"A vida militar é uma vida de sacrifício, eu estou há quase 45 anos nas Forças Armadas. Se olhar para trás, eu não me lembro dos meus filhos serem pequenos mas eu aceitei isso voluntariamente, a minha mulher sacrificou-se imenso", disse, numa nota mais pessoal.

Contudo, independentemente das "condições mentais e vocação" que se exigem a quem quer ser militar, "há um limite" e é "preciso garantir o equilíbrio entre as exigências da vida militar e os normais períodos de descanso porque os militares têm direito a ter vidas normais".

Além disto, identificou, "as Forças Armadas têm de se abrir mais" à sociedade, quer para aumentar o conhecimento que as novas gerações têm sobre a instituição militar, quer a pensar no recrutamento.

O almirante disse que foi criado um novo programa "Alista-te por um dia", que começou na Madeira, dirigidos aos alunos das escolas desde o básico ao ensino superior.

Quanto ao recrutamento, António Silva Ribeiro defendeu ainda a criação de condições para que as Forças Armadas possam recrutar em todo o país, exemplificando que 60% dos efetivos da Marinha são recrutados na zona da grande Lisboa.

Modernização das fragatas

O almirante Silva Ribeiro, defendeu alguns ajustamentos à proposta de lei de programação militar para incluir a modernização das fragatas, manifestando-se confiante no "diálogo político" para a aprovação do diploma.

"As Forças Armadas têm de se abrir mais" à sociedade numa altura em que "o país está nas Nações Unidas a procurar reivindicar a extensão da sua soberania na plataforma estendida", disse.

A modernização das três fragatas da classe Vasco da Gama, que entraram ao serviço da Marinha no início dos anos 90, prolongaria a vida útil daqueles navios por mais alguns anos.

Numa audição parlamentar em janeiro, o Chefe do Estado-Maior da Armada, almirante Mendes Calado, defendeu contudo que seria mais vantajoso preparar a compra de novas fragatas dentro de alguns anos do que investir na modernização das atuais, que apenas prolongaria a vida útil daqueles navios por pouco tempo.

A necessidade de se prever a regeneração dos caças F-16 da Força Aérea e do reforço da capacidade média blindada do Exército foram as outras "preocupações" apontadas pelo CEMGFA.

O almirante Silva Ribeiro considerou que, dentro do quadro financeiro proposto, 4,7 mil milhões de euros para investir em equipamentos das Forças Armadas até 2030, é possível fazer alguns "ajustamentos", manifestando a expetativa de que "ainda possa ser pontualmente afinado um ou outro aspeto das capacidades previstas".

Quanto ao projeto que suscita mais reservas ao PSD, de cujos votos favoráveis depende a aprovação da lei no parlamento -- 300 milhões de euros para a construção do Navio Polivalente Logístico [NPL] - Silva Ribeiro não pôs em causa a utilidade e a necessidade do navio mas frisou que "é preciso considerar qual é a prioridade".

Por um lado, frisou, assiste-se ao "recrudescimento de desafios no mar que já não se viam há 25 anos" e, por outro, é "importante que Portugal não entre numa fase de contraciclo" reduzindo capacidades marítimas numa altura em que a NATO está a prestar novamente atenção à estratégia marítima para o Atlântico.

Missões na RCA, Afeganistão e Iraque

O chefe do Estado-Maior das Forças Armadas assumiu ainda que as missões militares portuguesas na República Centro Africana, Iraque e Afeganistão são "operações de longa duração" que deverão continuar no próximo ano, no âmbito do contributo de Portugal para a paz".

Quanto à segurança e defesa europeias, António Silva Ribeiro considerou que "é essencial que os países europeus desenvolvam capacidades militares" e que o façam de forma articulada e não em "duplicação" com a NATO.

Silva Ribeiro defendeu que "tudo o que se fizer" no âmbito do desenvolvimento de capacidades militares da União Europeia deve ter "utilidade para a NATO", organização que "é verdadeiramente a aliança militar estruturante da defesa euro-atlântica, da qual a Europa faz parte".

"Ainda vai levar tempo até que a União Europeia tenha uma capacidade de resposta militar como tem a NATO. A NATO tem um ator essencial que são os EUA, com um potencial diferenciador, com o que investem em investigação e desenvolvimento, a edificação das capacidades, é incomparável com qualquer outro país do mundo e portanto a NATO é que é verdadeiramente a aliança militar estruturante da defesa euroatlântica, da qual a Europa faz parte", disse.

Portugal tem 215 militares empenhados na missão da NATO no Afeganistão, na proteção do aeroporto de Cabul, em funções de quartel-general, de apoio e de operações especiais.

Na RCA, estão empenhados 193 militares na missão das Nações Unidas, 179 dos quais constituem-se como força de reação imediata, sediados em Bangui, mais 14 no quartel-general, cujo segundo comandante é o general português Marcos Serronha.

Na missão de formação e aconselhamento da União Europeia neste país, comandada por Portugal até ao próximo mês de julho, estão 63 militares, segundo dados do Estado-Maior-General das Forças Armadas.

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