Credor pede suspensão da venda da Herdade de Rio Frio
A venda da Herdade de Rio Frio (HRF), que deverá ficar concluída dentro de dias, está a ser contestada judicialmente por alegadamente estar a ser transacionada "à margem do processo de insolvência" decretado pelos tribunais, diz ao DN o seu autor, José Joaquim Lupi.
A HFR situa-se nos concelhos de Alcochete e Palmela, a poucos quilómetros do futuro aeroporto complementar de Lisboa (Montijo), tendo sido considerada uma das maiores herdades do país e que inovou na adoção - desde o século XIX e no século passado - de modernas técnicas de organização e produção agrícola em Portugal.
Isso mesmo consta da página digital de uma propriedade onde havia hospital e escola para as centenas de trabalhadores, que ali tinham também as suas casas. Testemunhos da importância histórica e económica da HFR, conhecida também pelo palácio com o mesmo nome, são as referências à "maior vinha contínua do mundo com 4000 hectares" ou, ainda, à "maior mancha de montado artificial do mundo", feitas pelo engenheiro agrónomo Vieira Natividade.
A providência cautelar a pedir a suspensão da venda da HRF foi interposta por José Lupi e, também segundo outras fontes ligadas ao processo, espera-se que a decisão judicial seja conhecida muito em breve.
Pelo meio e já este ano foram interpostos outros requerimentos e tendo por alvo atos praticados pelo administrador de insolvência, Pedro Pidwell, que se escusou a falar ao DN.
Rui Encarnação é autor de alguns desses requerimentos, dizendo ao DN ser "um advogado de província" no meio de algumas das maiores sociedades de advogados do país envolvidas no processo de insolvência da Sociedade Agrícola de Rio Frio (SARF) e da Casa Agrícola de Rio Frio (CARF).
Esse advogado, que representa duas empresas credoras, contesta "aspetos de natureza procedimental que não foram devidamente acautelados" por Pedro Pidwell. Exemplo disso, garante Rui Encarnação, é a ausência de publicitação pública dos bens e direitos que integram a massa insolvente para conhecimento de todos os credores.
José Lupi é outro dos muitos credores dessa massa insolvente da SARF - e da CARF, cuja liquidação foi declarada encerrada quarta-feira pelo tribunal, adiantou Rui Encarnação.
A SARF foi uma sociedade criada em 1957 para gerir aquela propriedade da sua família e onde José Lupi era acionista minoritário. A exemplo de outros credores, há anos que litiga judicialmente contra os responsáveis da SARF e da CARF e também questiona Pedro Pidwell, entre outros responsáveis.
Em rigor, esse processo de insolvência foi aprovado e está a ser acompanhado pelos tribunais. De acordo com a lei e por terem hipotecas sobre ativos da SARF, os credores BCP e Parvalorem têm prioridade na atribuição das verbas geradas pela liquidação da massa insolvente relativamente aos chamados credores comuns.
A HRV é um dos ativos dessa massa insolvente (bens, direitos) destinada a ressarcir os credores, a que a lei atribui prioridades diferentes consoante o seu estatuto - privilegiados (trabalhadores, Segurança Social), garantidos (Parvalorem, BCP) ou comuns (como José Lupi ou empresas como a Cabconsult e Empessoa, representadas por Rui Encarnação).
Mas BCP e Parvalorem detinham quase 90% dos créditos em causa, pelo que "conseguem decidir" o destino do processo "sem oposição dos outros credores", reconhece Rui Encarnação.
Mesmo assim, seria possível aos minoritários manifestarem a sua oposição nas assembleias de credores como a que votou o plano de insolvência - onde "ninguém se opôs" e foi validado pelo tribunal através da sua homologação, precisou outra das fontes ao DN.
Esse plano de insolvência, conforme consta do processo, previa a criação pelo BCP e pelo Estado de uma empresa para a qual transferiam a propriedade da HFR. Essa sociedade nasceu com o nome Cold River (Rio Frio, em inglês) e ficou com bens móveis e imóveis no valor de 37,7 milhões de euros.
BCP e Parvalorem abdicaram de todos os outros ativos da massa insolvente e apenas vão beneficiar do produto da venda da HRF, sublinha uma das fontes.
Segundo as estimativas, aqueles dois credores esperavam receber pelo menos 40 milhões pela venda da HRF. Para essa expectativa deveria contribuir a valorização dada pela sua proximidade ao aeroporto, que tende a valorizar aquele espaço com uma história e importância cultural seculares.
Acresce o potencial turístico e económico dos cerca de 3300 hectares da herdade, desde logo porque se mantém a atividade agrícola, apesar dos problemas associados à insolvência e com o apoio financeiro do BCP (que a herdou na sequência do caso BPN e como consta do plano de insolvência).
De fora ficou o Palácio de Rio Frio, situado num terreno contíguo e que pertence ao Novo Banco.
Os 169 credores - representados por um universo de meia centena de advogados - viram reconhecidos créditos no valor de 99 milhões de euros sobre a SARF e a CARF.
Mas alguns dos credores não se conformam com a perspetiva de não receber os respetivos créditos e, como atrás referido, têm questionado sistematicamente o administrador de insolvência - ao ponto de Rui Encarnação o identificar como "administrador do BCP e da Parvalorem" e não de todos os credores.
Talvez admitindo que a a HRF tenha sido subavaliada ao passar para a Cold River e agora esteja a ser sobreavaliada para efeitos de alienação, credores como José Lupi consideram essencial o acesso a toda a informação relativa ao processo de insolvência da SARF/CARF para identificarem eventuais atos de gestão danosa ou crimes e posterior responsabilização.
Os credores comuns, com direito a pouco mais de 10% (cerca de 10 milhões de euros) dos créditos reconhecidos, "não conseguem saber nada porque a massa insolvente não foi divulgada" e só na posse dessa informação para "defender os seus direitos", sustentou Rui Encarnação.
Segundo algumas das fontes, Pedro Pidwell deixou mesmo de responder diretamente aos requerimentos dos contestatários mas os seus argumentos, segundo fontes ligadas a outros credores, constam do processo por serem dados através do tribunal.
José Lupi é que não se conforma: "Após mais de 10 anos de negócios suspeitos, administradores em funções e o administrador de insolvência recusam consulta a elementos" do processo, pelo que vai "recorrer a todos os meios legais" para fazer valer os seus direitos.
Com Elisabete Tavares