Como melhorar a qualidade da política? Aumentando os salários
"Não se trata de salários milionários, mas entre o 8 e o 80 há o 30, o 40 ou o 50". Luís Marques Mendes defendeu hoje o aumento da remuneração dos políticos - sobretudo dos que desempenham cargos executivos - como uma forma de melhorar a qualidade do sistema político. "Se queremos uma democracia baratinha pagaremos um preço alto", alertou o antigo líder do PSD, apontando o exemplo dos autarcas, em particular os dos maiores municípios - o que é hoje uma "tarefa para ricos ou uma aventura para loucos".
Marques Mendes falava na abertura do painel que discute "O Sistema Político e os portugueses", no âmbito da 1ª convenção do Movimento Europa e Liberdade (MEL), que está a decorrer hoje na Culturgest, em Lisboa. Uma intervenção em que não poupou críticas à Assembleia da República e aos deputados, defendendo que tudo o que se tem passado no parlamento é "assustadoramente deprimente", "fragiliza a democracia" e "alimenta o populismo". O comentador televisivo fala numa "degradação parlamentar" que se tem acentuado de legislatura em legislatura - em termos "políticos, técnicos, intelectuais e até humanos".
Considerando que há uma "acentuada perda de valores éticos no exercício da política", Mendes diz que o parlamento tem uma "lacuna grave", na medida em que não tem "uma verdadeira comissão de Ética". E apontou o recente exemplo das presenças dos deputados, que na verdade estavam ausentes do plenário, para afirmar que "todo o país censurou esses comportamentos, menos a Assembleia da República, que se desdobrou em explicações jurídicas" para um problema que é ético - "Há comportamentos que podem ser legais, mas não deixam de ser imorais". O ex-deputado defende, por isso, uma comissão parlamentar de Ética em moldes diferentes, com "senadores" e não deputados - por exemplo, ex-presidentes e vice presidentes da Assembleia da República ou ex-Provedores de Justiça.
O ex-líder social-democrata sugeriu ainda que os membros do governo passem a "submeter-se a um escrutínio parlamentar" antes de tomarem posse, como forma de apurar eventuais impedimentos e incompatibilidades no exercício do cargo. E passou àquela que qualifica como "a mãe de todas as reformas" - a do sistema eleitoral. Com o atual modelo de eleição "o deputado é uma marioneta na mão dos partidos que o elegeram", sublinhou, defendendo a criação de círculos uninominais, com um círculo nacional de compensação.
Marques Mendes falava depois da intervenção de abertura de Jorge Marrão, presidente do MEL, que garantiu que o Movimento não nasceu "para disputar o campo eleitoral, nem para promover ou depreciar lideranças". Na plateia estava Luís Montenegro - que admite agora desafiar a liderança de Rui Rio no PSD - que saiu logo após o discurso inicial, sem prestar declarações.
Marques Mendes não foi o único a defender que melhores remunerações são importantes para qualificar a política. Luís Campos e Cunha, economista e antigo ministro das Finanças (por breves meses no início do primeiro governo de José Sócrates), aludiu ao mesmo tema com uma expressão da "gíria dos economistas" - "If you pay peanuts, you get monkeys" [literalmente: quem paga amendoins tem macacos]. Face ao que ganham os titulares de altos cargos políticos "muita sorte temos tido nós, apesar de tudo, com os governantes que temos tido, à esquerda e à direita".
Defendendo a quantificação, em número de lugares no Parlamento, dos votos brancos e nulos, Campos e Cunha defendeu que "é preciso um grande movimento de opinião pública para obrigar os deputados a mudar o sistema pelo qual foram eleitos".
Uma necessidade de pressão exterior que foi também sublinhada por José Ribeiro e Castro, antigo deputado e líder do CDS, e há muito um defensor da reforma do sistema político e da criação de um sistema misto entre círculos uninominais e um círculo nacional de compensação. Lembrando que esta possibilidade está prevista na Constituição desde 1997, Ribeiro e Castro alertou para a urgência de mudanças: "Estamos a criar na sociedade portuguesa um sentimento de ilegitimidade da nossa democracia".
Em sentido contrário, a fechar o painel de debate - que foi moderado pelo jornalista José Manuel Fernandes - o antigo secretário de Estado do governo de Passos Coelho, Pedro Lomba, mostrou-se cético em relação a uma reforma significativa do sistema eleitoral. "Dificilmente conseguiremos qualquer consenso entre os maiores partidos políticos", defendeu o também constitucionalista, que disse ver com "melhores olhos uma agenda no sentido de uma maior credibilização dos políticos". E deu um exemplo. "O que é que senti no governo? Uma enorme fraqueza. É muito fácil estar num governo e não ter poder, muitas vezes as pessoas que decidem não decidem nada", afirmou o ex-secretário de Estado, que defendeu a implementação de iniciativas que "aumentem o prestígio dos decisores políticos, no sentido de lhes dar maior força, poder, independência, liberdade de decisão".