Operação Marquês: Sócrates em silêncio. Todos contra Carlos Alexandre
Ricardo Salgado abdicou do pedido de abertura de instrução no processo da Operação Marquês, ao contrário de José Sócrates, Henrique Granadeiro, Zeinal Bava, Carlos Santos Silva, Armando Vara, Bárbara Vara, Joaquim Barroca, do Grupo Lena, Sofia Fava, Rui Mão de Ferro, Gonçalo Ferreira, Hélder Bataglia, Diogo Gaspar, o primo de Sócrates, José Paulo, José Diogo Ferreira, a Pepelan o grupo Lena e a sociedade Vale do Lobo Resort Turístico de Luxo. Se Salgado considerou que não tinha condições para o fazer, por entender que está impedido de se defender, os outros arguidos no processo que envolve o antigo primeiro-ministro José Sócrates tentam contestar várias acusações de que são alvo.
Armando Vara, antigo ministro socialista, acusado da prática de dois crimes de corrupção passiva, um de branqueamento de capitais e dois de fraude fiscal qualificada, garante que a forma como o juiz Carlos Alexandre, que já liderou a fase de inquérito, foi escolhido para acompanhar este caso foi ilegal e manipulada, obrigando a anular o processo, como revelou esta quinta-feira a TSF, que teve acesso ao pedido de abertura da instrução.
Segundo os argumentos da defesa de Armando Vara, o problema está na falta de um sorteio numa fase inicial do processo, em 2014, quando acabou nas mãos de Carlos Alexandre, o que contraria a lei e a Constituição da República, como defende o antigo ministro. O juiz titular do caso devia ter sido escolhido por "meios eletrónicos de forma a garantir a aleatoriedade no resultado".
A sua filha, Bárbara, também acusada de dois crimes de branqueamento, escreveu no requerimento que era "alheia" a todas as movimentações financeiras do pai, Armando Vara.
O empresário Hélder Bataglia também pediu a abertura de instrução. Como avançou o Observador, a sua defesa argumenta que, a ter cometido os crimes de que é acusado, Bataglia não pode ser punido em Portugal porque esses alegados crimes teriam sido cometidos em Angola e não em território nacional e as autoridades angolanas já arquivaram uma investigação por suspeitas idênticas. Dois argumentos para combater as acusações do Ministério Público de cinco crimes de branqueamento e dois de falsificação de documento.
Por sua vez, o antigo diretor executivo de Vale do Lobo, José Diogo Gaspar Ferreira, revelou que iria pedir abertura da instrução em algumas questões de direito, não na totalidade da acusação de corrupção ativa de titular de cargo político, branqueamento de capitais e fraude fiscal.
Na sexta-feira, foi também confirmado ao DN pela Procuradoria-Geral da República que o requerimento de abertura de instrução de José Sócrates "deu entrada na quinta-feira, por email e fax". Mesmo no final do prazo, que acabou na terça-feira, mas podia ser estendido até ontem, mediante o pagamento de multa.
Os arguidos Henrique Granadeiro, Zeinal Bava, Carlos Santos Silva, Joaquim Barroca, Sofia Fava, Rui Mão de Ferro, Gonçalo Ferreira, o grupo Lena e a sociedade Vale do Lobo Resort Turístico de Luxo também entregaram requerimentos para rebater as acusações que recaem sobre eles.
O antigo "dono disto tudo", o homem que foi todo-poderoso no BES, não suscitou essa abertura porque diz que está impedido de o fazer, alegando falta de segurança dos ficheiros das escutas e a elevada probabilidade do juiz Carlos Alexandre dirigir a instrução, ele que já dirigiu a fase de inquérito.
Com esta decisão, Ricardo Salgado pode ser julgado pelos crimes de que é acusado: corrupção ativa de titular de cargo político, corrupção ativa, branqueamento de capitais, abuso de confiança, falsificação de documento e fraude fiscal qualificada.
Para Salgado, de acordo com o requerimento divulgado pela Lusa, há "um justo impedimento para o exercício do direito de defesa, na vertente de requerer a abertura de instrução, na medida em que a sua defesa está impossibilitada em aceder em condições de segurança aos ficheiros das escutas telefónicas que lhe foram disponibilizados pelo próprio Ministério Público".
Explicado da forma mais simples: é uma fase do processo em que se decide se o caso tem pernas para ir a julgamento ou não, é como se fosse um pré-julgamento. A definição apresentada num manual de apoio à formação de ingresso na carreira de oficial de justiça, publicado em abril de 2013 pela Direção-Geral da Administração da Justiça diz-nos que "a instrução é constituída por atividades de averiguação e investigação criminal complementar da levada a efeito no inquérito, de natureza facultativa, visando a comprovação judicial da decisão de acusação ou da decisão de arquivamento do processo" (como determina o artigo n.º 286 do Código do Processo Penal).
E acrescenta-se que "tem lugar no processo comum, quando requerida, dado o seu carácter facultativo, estando excluída dos processos especiais - sumário, abreviado e sumaríssimo".
O Código do Processo Penal (CPP) define que a abertura da instrução pode ser requerida "pelo arguido, relativamente a factos pelos quais o Ministério Público ou o assistente, em caso de procedimento dependente de acusação particular, tiverem deduzido acusação"; "ou pelo assistente, se o procedimento não depender de acusação particular, relativamente a factos pelos quais o Ministério Público não tiver deduzido acusação".
No artigo 287.º estabelece-se ainda que esse "requerimento não está sujeito a formalidades especiais, mas deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como, sempre que disso for caso, a indicação dos atos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e de outros, se espera provar". Nesse artigo indica-se ainda que "não podem ser indicadas mais de 20 testemunhas".
A recusa do requerimento só pode acontecer "por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução".
A lei prevê um prazo global máximo de 50 dias para a abertura da instrução. No entanto, este tem sido um processo em que a invocação da sua complexidade tem arrastado os prazos. Neste caso, como os arguidos não tiveram acesso a todos os meios de prova em tempo útil, houve a possibilidade de apontar uma situação de justo impedimento, possibilitando ao juiz Carlos Alexandre a fixação de um prazo entre os 90 e os 120 dias.
Para que seja garantido o princípio legal de igualdade de recursos à defesa para poder contestar os argumentos da acusação. Numa primeira fase, o juiz Carlos Alexandre tinha adiado para 4 de janeiro de 2018 a decisão de fixação do prazo para a abertura de instrução criminal. O referido atraso na entrega de elementos do processo aos arguidos já estava na origem dessa decisão.
[atualizado às 15.29 de sexta-feira depois de conhecido que José Sócrates já pediu a instrução]