Governo quer alterar Código Penal no crime de violação
A discussão em torno deste quadro penal acentuou-se depois de conhecida a decisão do Tribunal da Relação do Porto que confirmou a pena suspensa a dois homens condenados por abuso sexual de uma mulher inconsciente, em Gaia.
O Governo quer alterar o Código Penal para rever o crime de violação, indo ao encontro de recomendações do Grupo de Especialistas em Ação contra a Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica (GREVIO).
"O Governo, as autoridades públicas portuguesas, estão disponíveis para alterar o Código Penal no sentido de melhor acomodar aquilo que são os pressupostos da Convenção de Istambul nestas matérias", adiantou ontem a secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade de Género, que revelou que a alteração está a ser trabalhada com o Ministério da Justiça. Rosa Monteiro não avançou os contornos da alteração, mas um dos principais pressupostos em que assenta a Convenção de Istambul é o consentimento - ou seja, a lei deve prever a criminalização dos atos sexuais praticados sem consentimento, impondo que sejam abolidos os requisitos de violência, ameaça ou constrangimento sobre a vítima.
Diz a Convenção, no artigo 36, que os países signatários "deverão adotar as medidas legislativas ou outras que se revelem necessárias para assegurar a criminalização da conduta de quem, intencionalmente":
Subscreva as newsletters Diário de Notícias e receba as informações em primeira mão.
a) Praticar a penetração vaginal, anal ou oral, de natureza sexual, de quaisquer partes do corpo ou objetos no corpo de outra pessoa, sem consentimento desta última;
b) Praticar outros atos de natureza sexual não consentidos com uma pessoa;
c) Levar outra pessoa a praticar atos de natureza sexual não consentidos com terceiro.
O número dois do mesmo artigo estabelece que "o consentimento tem de ser prestado voluntariamente, como manifestação da vontade livre da pessoa, avaliado no contexto das circunstâncias envolventes".
E o número três impõe que as disposições previstas no número um também se apliquem a "atos praticados contra os cônjuges ou companheiros ou contra os ex-cônjuges ou ex-companheiros".
Grupo de peritos recomenda alterações
De acordo com Rosa Monteiro, a decisão de alterar o atual quadro legal surge na sequência de recomendações feitas a Portugal pelo GREVIO (Grupo de Especialistas em Ação contra a Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica), que sugere a "revisão do crime de violação".
O GREVIO é constituído por dez peritos, eleitos pelos primeiros 15 países que ratificaram a Convenção de Istambul, com vista a monitorizar a aplicação da convenção, entendida como a ferramenta legal para a prevenção e combate à violência contra as mulheres.
O grupo foi formalmente criado em maio de 2015 pelo Conselho da Europa com o objetivo de controlar se os países estão ou não a aplicar a Convenção de Istambul e a criminalizar fenómenos como a violência doméstica ou a mutilação genital feminina.
Segundo o artigo 164 do Código Penal, quem, por meio de violência ou ameaça grave tornar inconsciente ou impedir de resistir ou constranger uma pessoa a sofrer ou a praticar, consigo ou com outrem, relações sexuais de vária espécie inclusivamente com introdução de objetos é condenada a pena de prisão de três a 10 anos.
A pena é mais leve (de um a seis anos) para o agressor que constranja outra pessoa a praticar ou sofrer relações sexuais sem violência ou ameaça grave e sem ter colocado a vítima em estado de inconsciência.
A discussão em torno deste quadro penal acentuou-se nas últimas semanas, depois de conhecida a decisão do Tribunal da Relação do Porto que confirmou a pena suspensa a dois homens condenados por abuso sexual de uma mulher inconsciente, em Gaia. Os juízes, que confirmaram a decisão tomada em primeira instância, concluíram que a "culpa dos arguidos situa-se na mediania".