Covid-19. O que revelaram os especialistas aos políticos
Rui Santos Ivo, presidente do Infarmed, avançou que há atualmente 176 vacinas em desenvolvimento, das quais 33 estão em fase de avaliação clínica (ou seja, já estão a ser testadas em pessoas) e oito estão na última fase de testes, a fase prévia antes de serem sujeita à autorização das autoridades de saúde.
Das oito vacinas que já estão na última fase, seis estão a ser negociadas a nível europeu.
Segundo avançou o presidente da autoridade nacional do medicamento, já há um contrato assinado com a AstraZeneca, a nível europeu, que contempla 300 milhões de unidades destinadas aos países da União Europeia. Deste total, 2,3% caberá a Portugal - 6,9 milhões de vacinas, apontou o presidente do Infarmed, acrescentando que "está previsto nos contratos que possa haver produção de doses adicionais que sejam necessárias". Se "vier a ser autorizada e estiver disponível" a vacina poderá ser disponibilizada num período que vai "desde o final deste ano, princípio de 2021, até meados de 2021".
Rui Santos Ivo referiu também que a informação disponível aponta para uma vacina em duas doses, mas a possibilidade de ser administrada numa dose não está excluída.
Além da vacina da AstraZeneca, há mais cinco que estão neste momento com as negociações bastante avançadas - "penso que nas próximas semanas iremos verificar a conclusão destes contratos".
Rui Santos Ivo explicou que, até chegar ao pedido de autorização, as vacinas têm que passar por três fases de testes: um primeiro patamar, em que é testada em alguns indivíduos, numa população jovem e saudável; uma segunda, em que o número de pessoas é alargado; e uma terceira fase, que abrange já milhares de pessoas, "30 mil, 40 mil". Cada uma destas vacinas tem de percorrer este ciclo.
"Só após esse percurso, que será feito através da Agência Europeia do Medicamento, onde também participa o Infarmed, a vacina poderá ser autorizada", sublinhou.
Ainda que se esteja perante uma situação de urgência "nenhuma vacina poderá ser disponibilizada sem ter sido sujeita a uma avaliação de segurança e eficácia", sublinhou, acrescentando que os dados que já foram divulgados "são bastante promissores".
O responsável do Infarmed disse ainda que, se as várias vacinas vierem todas a ser objeto de autorização, então ficará disponível um volume mais significativo, um cenário que apontou para "o princípio do segundo semestre de 2021".
Foram várias as intervenções dedicadas às crianças e às escolas. Maria João Brito, infecciologista pediátrica do Hospital Dona Estefânia passou em registo os casos acompanhados neste hospital - a unidade de referência para o tratamento pediátrico da covid-19 - para defender que a covid-19 é "pouco frequente em pediatria", mas pode revelar-se "potencialmente grave". Pelos cuidados daquela unidade hospitalar passaram até agora 285 crianças, das quais 114 foram internadas.
Mas as diferentes faixas etárias da infância/juventude evidenciam dados diferenciados quanto à transmissão."Nas crianças muito pequenas (0/9 anos) a taxa de transmissão é menor" em relação aos mais velhos (dos 10 aos 16 anos), referiu a pediatra. Razão pela qual Maria João Brito deixou um apelo: "Não metam as crianças dos 0 aos 22 anos todas na mesma amostra." Ou seja, os diferentes níveis de ensino, da creche ao pré-escolar, o ensino básico, secundário e superior não devem ser tomados como um todo (por exemplo, no encerramento das escolas).
Citando um estudo realizado na Coreia do Sul, que apontou para uma transmissão "limitada" por parte das crianças, a especialista reforça que "a transmissão secundária não é frequente na pediatria". No que respeita às crianças que foram internadas na Estefânia, 52% foram infetadas por um familiar em casa, enquanto em 48% dos casos a origem do contágio é desconhecida.
"Habitualmente, não são as crianças que infetam os adultos dentro de casa", mas o inverso, acrescentou, sublinhando que estas conclusões "podem ser reconfortantes nas decisões sobre a reabertura das escolas".
"Este vírus não se transmite da mesma forma que a gripe ou outros vírus respiratórios", sublinhou a especialista, casos em que as crianças são "frequentemente o caso índice" (ou seja, transmissores) da "infeção familiar e comunitária". E isso sim, pode ser um problema adicional no inverno que se aproxima, embora Maria João Brito sublinhe também que o número de co-infeções por outros vírus respiratórios "diminuiu bastante"em resultado das medidas para conter a covid-19. Mas vai aumentar com a reabertura das escolas, sustentou.
Carla Nunes, diretora da Escola Nacional de Saúde Pública, defendeu que, com medidas adequadas de distanciamento e higiene, as escolas "provavelmente não serão ambientes de propagação mais eficazes do que outros ambientes ocupacionais ou de lazer". Embora haja estudos de sentido oposto quanto quanto ao impacto da reabertura das escolas, as "evidências sugerem que essa reabertura não foi associada a aumentos significativos da transmissão comunitária".
De acordo com 105 dos 134 países que encerram escolas já começaram a reabri-las, total ou parcialmente.
Manuel Carmo Gomes, professor de epidemiologia na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, levou à reunião uma projeção das consequências da abertura das escolas de acordo com um modelo matemático desenvolvido pela faculdade.
De acordo com o epidemiologista se as escolas reabrissem sem qualquer tipo de proteção adicional face à covid, haveria uma segunda onda de contágios. Reduzindo a 70% os contactos entre os jovens, face ao que era o padrão normal antes da covid, essa segunda onda continuaria a existir, embora de menor dimensão. Se forem reduzidos a 50%, o modelo ainda não afasta esse cenário. Só com uma redução a 30% nas escolas (e a 50% na comunidade) o modelo sugere que a probabilidade de uma segunda onda é já "muito baixa". O papel a desempenhar pela comunidade não é pouco importante - "se o relaxamento dos contactos em sociedade voltar ao que era antes da covid, mesmo que nas escolas se reduza a um terço, não se consegue compensar e há uma segunda onda".
"É possível evitar a segunda onda. É exigente, mas é possível", sublinha o epidemiologista, isto desde que a comunidade e as escolas tenham comportamentos exigentes de distanciamento - evitar o contacto com grupos de pessoas que não sejam cohabitantes, e reduzir o risco de contágio quando esse contacto existe, com máscara e higiene das mãos. Nas escolas é preciso flexibilizar os regimes de aulas (presencial, misto, virtual), reajustar os horários de funcionamento, maximizar os espaços, ventilar as salas de aula, nomeadamente a meio, no caso de aulas mais longas.
Com estas medidas, concluiu, a "segunda onda não é uma fatalidade, não é inevitável".
Pedro Pinto Leite, especialista em saúde pública da Direção-Geral da Saúde, abriu a intervenção dos técnicos, debruçando-se sobre o período entre 17 e 30 de agosto, em que se registaram 3909 casos positivos. "Tem-se observado aquilo que parece ser uma trajetória em crescendo", afirmou. Lisboa e Vale do Tejo foi a região com maior incidência (56% dos casos), seguida pelo norte (31%). 64% dos infetados tinha menos de 50 anos.
Quase metade dos infetados neste período (49%) disseram ter tido contacto com a covid em ambiente familiar e 16% em contexto laboral.
Sobre os óbitos, Pedro Pinto Leite sublinhou que a maior parte das mortes se concentram na fase inicial da pandemia. num total de 1822 mortes, 67% ocorreram na faixa etária acima dos 80 anos e 28% na faixa etária entre os 70 e os 79 anos. "A 30 de agosto, a letalidade nacional estima-se em 3,1% e deve-se principalmente ao grupo com 80 ou mais anos e ao grupo 70-79 anos", rematou.
O especialista da DGS defendeu um reforço das medidas preventivas, não farmacológicas, para evitar o contágio - "o distanciamento físico, a higienização das mãos, o uso de máscaras ou outros equipamentos de proteção individual, o arejamento de espaços, evitar tocar com as mãos nos olhos, no nariz e na boca, e a desinfeção dos locais. Todas devem ser reforçadas, especialmente no grupo de 80 ou mais anos, cuja incidência está acima das restantes idades, como no grupo de 20-29 anos, que lidera estas incidências".
Ausenda Machado, do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA), que falou a seguir, sublinhou que desde junho têm sido feitos mais de 80 mil testes de diagnóstico à covid por semana, identificando um "aumento da proporção de positivos" nas últimas semanas, o que está em linha com a evolução epidémica.
A especialista adiantou também que "o tempo mediano entre o início de sintomas e a notificação - que permite ter uma ideia do número de dias em que indivíduos infecciosos estão na comunidade - passou de 11 dias em março para quatro dias no final de abril, tendo-se mantido nesse valor desde então". Uma alteração que atribuiu a um "grande esforço" das equipas de saúde pública.
José Manuel Mendonça, presidente do conselho de administração do Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência (INESC TEC), avançou na tarde desta segunda-feira que a aplicação 'StayAway Covid' já foi descarregada por 660 mil pessoas.
Mas José Manuel Mendonça não lhe chama uma app, mas "um sistema complexo", "uma rede social". Com garantia de anonimato - "não há dados pessoais envolvidos, há anonimato completo de quem é avisado de um potencial contacto perigoso - o infetado não sabe quem o infetou. Ninguém sabe quem é o infetado, à exceção das autoridades de saúde".