A entrada de Leão: retórica hesitante mas os truques de sempre
Hesitantes umas vezes, titubeante noutras, João Leão estreou-se quinta-feira como ministro das Finanças num debate no plenário da Assembleia da República. O estilo confirmou ser ainda um novato nas lides do combate parlamentar - mas no conteúdo o sucessor de Centeno recorreu o à velha arma de sempre dos socialistas nestas alturas: o ataque como melhor defesa.
Num debate que começou com uma secretária da mesa anunciando que Mário Centeno (o "desertor", para o PSD) renunciava ao mandato de deputado eleito pelo PS - o ex-ministro está a arrumar os papéis do Eurogrupo e prepara-se para em julho ser nomeado governador do Banco de Portugal -, João Leão procurou constantemente exibir as provas de como, face à crise económica em crescimento, o PS tentará sempre ser o mais diferente possível do que foram Passos Coelho e Paulo Portas no tempo da troika. Criticou várias vezes, e até ironizando, os partidos à direita do PS - e poupou sempre a esse registo os partidos à esquerda - o que se compreenderia melhor na intervenção final do debate, esta já a cargo do primeiro-ministro.
As suas primeiras frases a abrir o debate foram para repetir que o Orçamento Suplementar (OS2020) que estava em discussão não prevê nenhum aumento de impostos nem cortes na despesa social. Para enfrentar uma crise de dimensões inéditas ("não há memória de uma queda tão acentuada no PIB num só ano como a que está prevista"), o OS2020 "não aplica cortes no estado social, nem nas prestações sociais nem impõe qualquer aumento de impostos, pelo contrário, financia as medidas adicionais previstas no programa de estabilização económica e social".
A promessa de não aumentar impostos foi insistentemente repetida ao longo do debate mas a certa altura Leão foi mesmo mais longe: falou para a frente. "Não prevemos nenhum aumento de impostos para o futuro", afirmou.
Foi perante as críticas vindas do lado do hemiciclo à direita do PS - do PSD e do CDS - que João Leão recorreu ao velho truque socialista de responder aos ataques...atacando. A certa altura provocou Cecília Meireles, do CDS: "Percebo que estranhe não haver aumento de impostos. Está tão habituada a propor que estranha quando não há".
E antes, perante Ricardo Batista Leite, do PSD, já se tinha afirmado "estupefacto" com as críticas a uma suposta falta de investimentos do Governo para reforçar o SNS, contrapondo em seu favor os cortes de mil milhões de euros no setor feitos pelo Governo de Passos Coelho.
Leão - numa manobra concertada envolvendo também intervenções da bancada do PS - esteve também ataque na questão do Novo Banco ("o elefante no meio da sala", nas palavras do deputado do PSD Duarte Pacheco). Segundo garantiu, o OS2020 não prevê nenhuma verba suplementar para o Novo Banco este ano. E nada há no contrato de venda do banco à Lone Star que permita um financiamento global do Estado superior aos 3,9 mil milhões previstos desde o início - serão 3,9 mil milhões e nem mais um euro. E para acudir ao Montepio também nada está previsto, segundo garantiu.
Quanto às declarações do presidente do Novo Banco, António Ramalho, dizendo que a pandemia criou novas circunstâncias a exigir mais um financiamento público este ano, declarou-se "estupefacto" (o adjetivo que o PR Marcelo já tinha usado para essas declarações). Foram declarações "extemporâneas". E até aconselhou o gestor a remeter-se ao silêncio: "O senhor presidente do Novo Banco deve, sim, concentrar-se na gestão mais eficiente possível do seu banco, valorizar os ativos de forma a atingir os melhores resultados possíveis durante este ano."
A tática adotada pelo Governo e pelo PS no debate levaram no fim do debate a deputada do CDS-PP Cecília Meireles a dizer que os socialistas já revelam "tiques de autoritarismo". João Cotrim de Figueiredo, da Iniciativa Liberal, surfou a mesma onde considerando que os socialistas "desprezam" o Parlamento e comportam-se como os "donos disto tudo". E até no lado oposto do hemiciclo se fizeram ouvir críticas semelhantes. Catarina Martins, líder do Bloco de Esquerda, dirigiu-se diretamente ao primeiro-ministro (que foi quem encerrou o debate): "O governo não deve usar uma retórica de confronto. Senhor primeiro-ministro, não caia na tentação da auto-suficiência".
Um dos temas principais do debate foi a TAP (o OS prevê 950 milhões de euros para ajudar a transportadora mas esse apoio pode ir até aos 1200). João Leão admitiu a hipótese de o Governo converter esse financiamento em posição acionista na empresa, reforçando portanto o seu peso.
Coube a Rui Rio a intervenção mais dura. No entender do líder do PSD, o que o Governo dá à TAP neste Orçamento Suplementar é "quase o dobro daquilo que dá ao SNS", ou seja, é um "valor astronómico". E a companhia - prosseguiu - está tecnicamente falida" e continua "a dar prejuízos com o novo modelo acionista que este Governo inventou e que constituiu o pior dos negócios para o Estado".
Apesar disso, insistiu ainda, não foi a "trágica situação financeira" que impediu a companhia de dar "prémios salariais extraordinários enquanto acumula prejuízos" . "A TAP não se pode tornar num outro Novo Banco", ou seja, "num buraco negro que continuamente vai sugando os impostos dos já massacrados contribuintes". E o Governo deveria ter recusado "enterrar mais mil milhões de euros" na companhia sem antes ter "um plano de negócios e de reestruturação credível".
Como se esperava, o Orçamento Suplementar foi aprovado pela conjugação dos votos favoráveis do PS com a abstenção do PSD, BE, PCP, PEV, PAN e a deputada Joacine Katar Moreira (ex-Livre). Só o CDS, Chega e Iniciativa Liberal votaram contra. Bloco de Esquerda e PCP fizeram no entanto questão de deixar bem vincado que não estão vinculados ao mesmo sentido de voto na votação final global, dia 3 de julho. O Bloco, por exemplo, insiste na redução do IVA da eletricidade, algo que o Governo remeteu para "momento oportuno", através de João Leão,.
Antes, António Costa tinha encerrado o debate com uma espécie de desafio dirigido aos antigos parceiros da esquerda parlamentar na 'geringonça'. Essa relação, disse, "deve ser retomada com renovada estabilidade no horizonte da legislatura" e para o "desafio nacional" de superar a crise o Governo conta "obviamente [com] os que, à esquerda, connosco viraram a página da austeridade e têm construído uma trajetória de mais crescimento, melhor emprego, maior igualdade, com contas certas". É uma "trajetória que não pode retroceder ou ficar a marcar passo".