Violência doméstica. Tribunal rejeita carta de mulher para libertar preso
Um homem detido preventivamente por violência doméstica, quando já cumpria uma pena suspensa pelo mesmo crime, usou cartas assinadas pela mulher e pelos filhos para pedir a alteração da medida de coação, alegando que os familiares o aceitavam e necessitavam dele em casa. O juiz negou e o Tribunal da Relação de Lisboa confirmou a rejeição do pedido, duvidando da autoria das cartas por crer que houve pressão do detido sobre os familiares e lembrando as nove mulheres que já morreram em 2019, vítimas de companheiros ou familiares.
Numa decisão individual, a juíza desembargadora Margarida Vieira de Almeida considerou que "no confronto entre o direito à liberdade do arguido recorrente e o direito à integridade física e psíquica das vítimas, o direito à vida das vítimas deve prevalecer por ser um direito fundamental com tutela direta e que obriga entidades públicas e privadas".
O suspeito tinha já um historial de condenações por outros crimes (condução sob efeito do álcool, desobediência, injúria, tráfico de droga, agressões) e uma condenação por violência doméstica da qual ainda se encontrava a cumprir pena suspensa de quatro anos e meio. Foi detido novamente por violência doméstica e acabou por ficar em prisão preventiva. Recorreu desta medida e apresentou cartas assinadas pela mulher e pelos filhos, em que estes pediam ao juiz para deixar o homem ir para casa. O juiz de instrução recusou e o homem recorreu para a Relação de Lisboa que, em decisão de 2 de fevereiro passado, confirma que irá manter-se em prisão preventiva. De acordo com a justiça, existem nos autos oito ocorrências anteriores.
"A necessidade de prevenção especial, e geral, são elevadíssimas, já que a aplicação de uma pena suspensa não dissuadiu o arguido de continuar com as suas condutas (nem toda a gente que bebe ou consome substâncias psicotrópicas trata mal os filhos e a mulher), e que no decurso de um só mês do ano de 2019 só por violência doméstica já morreram 9 mulheres, não contando com as mortes violentes decorrentes de rixas, zaragatas, acidentes de viação e outros fenómenos que revelam o grau de desrespeito pelos direitos dos outros e da lei, e o grau de impunidade que se faz sentir", escreve a juíza da Relação de Lisboa.
A magistrada duvida mesmo que os familiares tenham escrito as cartas por sua iniciativa. "Analisado o teor das cartas juntas, assinadas pela mulher e filhos do recorrente, temos de concluir, ao invés do que este pretende, que mesmo preso, a pressão sobre os familiares se mantém, ao ponto de estes escreverem as cartas cujo texto não foi manifestamente da sua autoria, e que são contrários aos seus interesses."
Nestas circunstâncias, estas missivas que o detido juntou ao processo não são consideradas válidas. "Não é de considerar a validade dos documentos que os familiares requerentes apenas assinaram, quando está em causa a prática de novo ilícito de violência doméstica no período da suspensão da pena de 4 anos e 6 meses de prisão imposta pela prática de crime de violência doméstica anteriormente praticado", refere a decisão sumária.
A juíza diz ser normal que "as vítimas se sintam culpadas pela situação em que o arguido se encontra, de prisão preventiva, e é normal que achem que ainda conseguem normalizar a relação familiar" como também considera "normal que a mulher o visite no Estabelecimento Prisional e lhe preste assistência".
"O que não seria normal, e que a sociedade não entenderia, é que o Tribunal não assegurasse o direito à integridade física e psíquica das vítimas, Direito Fundamental com maior força ainda do que o Direito à Liberdade do arguido, que tem de ceder perante aqueles direitos das vítimas", diz a Relação de Lisboa, recordando que o suspeito já teve muitas oportunidades, com multas e penas suspensas, e que as malbaratou.
Tal como o tribunal de primeira instância, a juíza da Relação entende que os indícios de crime mantêm-se e que não houve "qualquer alteração de circunstâncias que justificasse a alteração da medida de coação de prisão preventiva".
Neste ano de 2019, de acordo com o Observatório de Mulheres Assassinadas, nove mulheres foram assassinadas em contextos de violência doméstica. Domingo realizou-se uma marcha silenciosa em Lisboa para expressar solidariedade a todas as vítimas de violência doméstica