Covid-19 nas prisões. Procuradores acusam sindicato de populismo e ultra-securitarismo

Históricos do Sindicato de Magistrados do Ministério Público repudiam "tomadas de posição ultra securitárias e anti-humanistas da atual direção sindical" e acusam-na de "aproximação a conhecidas posições populistas". Em causa reação do sindicato à libertação de presos devido à pandemia.
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"Chocante e inadmissível numa magistratura de um país democrático"; "aproximação a conhecidas posições populistas, despojadas de qualquer vestígio de compaixão pelo sofrimento humano", "ultra securitárias e anti-humanistas".

São estes os termos usados, em carta aberta a que o DN teve acesso, para caracterizar a linha adotada pela direção atual do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP) no que respeita às medidas tomadas com vista a combater a epidemia de COVID 19 nas prisões.

Assinada por 38 magistrados em funções ou jubilados, três dos quais - Guilherme da Fonseca, Pena dos Reis e António Cluny - ex presidentes do sindicato em causa, a missiva, que defende "as medidas de clemência agora decretadas, entre as quais o perdão parcial de penas de prisão para crimes menores" como "genericamente justas e adequadas tendo em conta a natureza absolutamente extraordinária da situação que as motivou", assume ter sido motivada pela "posição da direção do SMMP expressa em carta dirigida à Ministra da Justiça", datada de 1 de abril, e, principalmente "pelo teor de um artigo de opinião publicado na revista Visão assinado pelo secretário-geral do sindicato atualmente em funções."

Muito lamentando "o conteúdo e o estilo adotado pela direção atual do SMMP na carta dirigida à Ministra da Justiça e, sobretudo, no artigo de opinião publicado na revista Visão, cujo teor se afigura chocante e inadmissível numa magistratura de um país democrático", os signatários acusam: "Tais pronunciamentos, para além de acantonarem o SMMP a um inédito isolamento no seio dos protagonistas judiciários [a Associação Sindical de Juízes apoiou a medida], sugerem aproximação a conhecidas posições populistas, despojadas de qualquer vestígio de compaixão pelo sofrimento humano. Não exprimem o pensamento e sobretudo o sentimento de muitos magistrados do MP e de muitos ativistas e antigos dirigentes do SMMP que com elas se não identificam e cuja intervenção cívica sempre contrariou tais ideias e opções."

"O perdão põe em causa a ordem social"

No artigo referido, publicado a 6 de abril, o secretário-geral do SMMP, Adão Carvalho, classifica "o perdão proposto" como "oportunismo político para resolver problemas que não decorrem do estado de pandemia, mas de uma total falta de investimento no sistema prisional", e afirma que mesmo excluindo da aplicação do perdão alguns tipos de crimes "o perdão não só põe em causa a ordem social e o sentimento de segurança da comunidade como está longe de qualquer promoção da reinserção social."

Frisa também que "a opção política pelo perdão representa a necessidade de intervenção de um elevado número de magistrados e funcionários nos Tribunais de Execução de Penas, únicos legalmente competentes para o efeito, contrariando a exigência de contenção que a todos é pedida, porquanto têm de ser analisados todos os processos dos reclusos para aplicação ou não do perdão e aferição dos respetivos pressupostos." As mesmas preocupações tinham sido já expressas pela direção do SMMP, presidida por António Ventinhas, nas medidas propostas em anexo à carta à ministra da Justiça, Francisca Van Dunem.

Preocupações em relação às quais os 38 magistrados subscritores da carta aberta entendem não poder "silenciar o seu desacordo", frisando que "as medidas de clemência penal, entre as quais o perdão, são - sempre foram - instrumentos de política criminal relevantes e democraticamente legítimos". E que a "premência da tomada de medidas com vista a procurar conjurar o perigo do alastramento do COVID 19 em meio prisional" foi "insistentemente referida por organizações internacionais, por influentes personalidades dos meios religiosos e políticos e por organizações de magistrados entre as quais se destaca a MEDEL [Magistrados Europeus pela Democracia e as Liberdades, que agrupa 24 associações de magistrados, juízes e procuradores do MP, de 16 países europeus e é presidida pelo juiz português Filipe César Marques] de que o SMMP é membro fundador."

Pandemia "motivo mais ponderoso" que visita de papas

A carta repudia igualmente "as tomadas de posição ultra securitárias e anti-humanistas da atual direção sindical e de alguns dos seus dirigentes, especialmente a que se refere ao diploma legal sobre perdões de pena e indultos aprovado pela Assembleia da República e que visa minorar os riscos de propagação do COVID 19 nas prisões e assim salvar a vida de muitos cidadãos e seres humanos, sejam eles presos, guardas ou pessoal de apoio às prisões e seus familiares."

E lembra que "o instituto do perdão, assim como outras medidas de clemência, foi usado por diversas vezes ao longo da nossa história democrática", "a propósito de visitas papais; da eleição de presidentes da República; da comemoração do aniversário do 25 de Abril", para perguntar: "Será que o risco de propagação da pandemia no meio particularmente exposto que são as prisões, não é um motivo ainda mais poderoso para legitimar o uso de instrumentos de política criminal de clemência?"

Recorde-se que a proposta de lei que estabelece um perdão parcial de penas de prisão para crimes menos graves, um regime especial de indulto das penas, um regime extraordinário de licença de saída administrativa de reclusos e a antecipação extraordinária da colocação em liberdade condicional foi aprovada no parlamento a 8 de abril com votos contra de PSD, CDS-PP, Iniciativa Liberal e Chega e a abstenção do PAN, sendo promulgada no dia seguinte pelo Presidente da República.

O diploma prevê o perdão parcial de penas de prisão até dois anos, ou dos últimos dois anos de penas de prisão. Mas não se aplica a quem tenha esteja a cumprir pena por crimes sexuais, homicídio, violência doméstica e tráfico de droga, nem a quem tenha cometido crimes enquanto titular de cargos políticos, membro das forças de segurança ou das Forças Armadas, magistrado ou noutras especiais funções de responsabilidade.

O ministério da Justiça estima que a medida, que já entrou em vigor, possa ocasionar a libertação de 1.700 a 2.000 dos cerca de 13 mil presos nas penitenciárias portuguesas.

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