Nove países querem a colaboração de Rui Pinto. Portugal é "mau exemplo"
Detido desde março, Rui Pinto estará "tranquilo", mas profundamente indignado com o comportamento das autoridades portuguesas que acusa de estarem a tentar influenciar a opinião pública portuguesa. Foi esta a mensagem que Ana Gomes passou na conferência de imprensa depois do encontro que teve esta terça-feira com a ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, e de ter voltado a visitar Rui Pinto na prisão. A antiga eurodeputada questiona como é que nove países já estão a usar as informações recolhidas por Rui Pinto e qual a razão pela qual Portugal não o quer fazer. Van Dunem ouviu, mas não terá chegado a nenhum compromisso sobre alterar a forma como a Justiça portuguesa tem lidado com o caso.
Segundo Ana Gomes, França vai pedir às autoridades portuguesas para poder falar com o hacker português - a investigação portuguesa está na posse de todos os discos com a informação, muitos deles encontram-se encriptados e Rui Pinto não demonstrou vontade de os partilhar com a PJ, embora, conforme o DN noticiou, a polícia já terá tido acesso a alguns dos ficheiros. A ministra da Justiça terá dito, na reunião desta manhã, que Portugal iria aceder ao pedido do Ministério Público francês.
Ana Gomes reforçou que "por várias vezes, e até por escrito, Rui Pinto manifestou-se interessado em colaborar com a justiça portuguesa", mas que "as autoridades portuguesas apenas querem encarniçar-se contra ele ou querem a sua cooperação na medida em que Rui Pinto possa dar mais dados para se incriminar", justificou. O hacker teria feito "várias denúncias anónimas" entre 2017 e 2018 na plataforma de denúncias do Minstério Público. "Nenhuma delas foi investigada", alertou a antiga eurodeputada.
As equipas de defesa de Cristiano Ronaldo e da Doyen Sports - que fez a queixa de tentativa de extorsão contra o hacker e que está na origem da prisão preventiva do português - estão a ser recebidos pelas autoridades portuguesas - tal como o DN noticiou - e já testemunharam na PJ. Estão a pensar pedir compensação financeira por danos causados pelas informações reveladas.
Ana Gomes está a cumprir a promessa que fez antes de deixar o Parlamento Europeu, no início do mês: não vai deixar de pressionar as autoridades portuguesas para que investiguem os negócios milionários de futebol. E continua a repetir a pergunta: "Porque está Rui Pinto preso em vez de ajudar a Justiça no caso Footblal Leaks?". Fê-lo esta manhã à ministra da justiça, Francisca Van Dunem, depois de ter visitado novamente Rui Pinto na prisão.
O encontro, que contou ainda com a presença da ex-eurodeputada e antiga magistrada francesa Eva Joly e de Delphine Halgand-Mishra, diretora exceutiva da The Signals Networks, a fundação de proteção de whistleblowers que está a suportar a defesa legal de Rui Pinto, foi pedido o mês passado. Joly classificou a atuação de Portugal em relação a este caso como "mau exemplo" e garantiu que ainda que Portugal não o queira fazer, "outros países vão continuar a investigar". Segundo Delphine Halgand-Mishra, já foram recuperados 35 milhões de euros de fuga aos impostos no âmbito do Football Leaks.
Ana Gomes e outros deputados do Parlamento Europeu tinham enviado uma carta à ministra da Justiça portuguesa, Francisca Van Dunem, a pedir uma reunião com o objetivo de "discutir o progresso feito pelas autoridades judiciais na investigação dos crimes financeiros em Portugal revelados pelo Football Leaks".
A carta surge na sequência da detenção do hacker Rui Pinto, 30 anos, - em prisão preventiva em Portugal desde março - por acesso ilegítimo, violação de segredo, ofensa a pessoa coletiva e tentativa de extorsão pela divulgação de documentos confidenciais como contratos de jogadores.
Para o grupo de deputados, a informação divulgada por Rui Pinto "tem interesse público" e por isso defendem a criação de normas que permitam proteger denunciantes de casos de corrupção e de evasão fiscal na União Europeia (UE). Nomeadamente, a aplicação em Portugal da recém criada diretiva do Parlamento Europeu (16 de abril), que estabelece um regime de cooperação entre o acusado e as instituições europeias sob forma de atenuar ou anular a pena. Na carta, é ainda lembrado que já existem dez países onde este regime é aplicado. "Nós esperamos sinceramente que o Rui Pinto seja libertado brevemente, que lhe seja permitido preparar o seu julgamento e cooperar livremente", pode ler-se no documento.
O pedido do Ministério Público de um alargamento do prazo de investigação por mais seis meses (até março de 2020), através da declaração da especial complexidade do processo, foi recusado pelo tribunal de instrução. Desta forma, O MP terá de deduzir acusação até ao dia 22 de setembro, altura em que o hacker poderá ser acusado de novos crimes ou ver revogada a medida de coação de que tem sido alvo. Para Eva Joly, a ex-magistrada francesa que esteve presente na conferência de imprensa desta tarde, a possibilidade de Rui Pinto contnuar detido após seis meses "seria um ultraje".
O "Football Leaks" divulgou informações secretas dos sistemas informáticos do Sporting Clube de Portugal (SCP) e do fundo de investimento 'Doyen Sports' - sedeado em Malta. Foram tornados públicos contratos de jogadores do SCP e do então treinador Jorge Jesus ou celebrados entre a 'Doyen' e várias sociedades anónimas ligadas ao futebol.
O Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) decidiu manter o hacker Rui Pinto em prisão preventiva, uma decisão sustentada em "indícios fortes" e "prova recolhida pelas autoridades" considerada "fortemente inculpatória. Os juízes desembargadores não tiveram dúvidas de que "houve tentativa de extorsão", um crime que permite esta medida de coação.
Rui Pinto está indiciado pela prática de seis crimes: dois crimes de acesso ilegítimo, dois crimes de violação de segredo, um crime de ofensa à pessoa coletiva e um crime de extorsão de forma tentada. Está detido em Portugal desde 21 de março, depois de extraditado da Hungria, onde foi detido.