Ninguém recebeu documento a alertar para colapso da EM255
Não tenho registo nem memória de me ter sido mostrado esse documento." O ex-secretário de Estado da Energia, Artur Trindade, que, em 2014, tutelava as direções regionais da Economia (DRE), garantiu ao DN que desconhecia a existência do memorando, emitido pela DRE do Alentejo e agora divulgado pelo Observador, desse mesmo ano que alertava para o risco de "arrastamento de parte da estrada EM255", no troço que liga Borba a Vila Viçosa.
Contudo, é incerto o que aconteceu a seguir, se o documento teve algum tipo de tratamento pelos serviços.
Certo é que a Câmara Municipal de Borba (CMB), responsável pela estrada desde 2005, estava alertada para a situação periclitante da EM255 e chegou mesmo a discutir o documento numa reunião meses após a sua emissão.
O exercício de seguir o rasto do memorando é dificultado pelo facto de, em 2014, o governo PSD-CDS ter levado a cabo várias alterações orgânicas de serviços com a fusão ou extinção de direções gerais e outros organismos do Estado, onde se incluíam as direções regionais da Economia.
As DRE passaram a estar tuteladas pelo Ministério do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia, tutelado por Jorge Moreira da Silva e para onde transitou Artur Trindade da Economia, mantendo-se com a Secretaria de Estado da Energia. Uma vez que as DRE passaram para a Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG), Trindade era agora o responsável político direto por este serviço. Ao DN, o ex-governante assegurou que não teve "contacto com o documento", garantindo que se "lembraria" de tal, tendo em conta o conteúdo que foi dado a público nos últimos dias.
Fonte oficial do Ministério do Ambiente confirmou ao Expresso que "a DGEG e os organismos que a precederam sempre alertaram para a situação de risco" da EM255, e chegaram mesmo a propor "o encerramento dessa via".
O memorando da DRE terá sido mostrado numa reunião que juntou à volta da mesa a DRE, os empresários das pedreiras que exploram mármore e a CMB, representada pelo próprio autarca António Anselmo. No entanto, não houve consenso entre os empresários em relação às soluções possíveis.
"Pretendíamos ter condições para trabalhar em segurança, mas na altura não houve consenso. Éramos uns dez industriais e alguns disseram-nos que não estávamos bons da cabeça. Isto era expectável", afirmou nesta semana Luís Sotto-Mayor, administrador da Marmetal ao DN, garantindo que a "tragédia podia ter sido evitada" enquanto recordava a reunião de novembro de 2014.
A Artur Trindade junta-se, portanto, uma lista de responsáveis políticos que afirmam não ter tido conhecimento do documento. No mês em que ocorreu a referida reunião, o diretor regional da Economia João Filipe de Jesus, sem referir o memorando, reconheceu na Rádio Campanário saber da existência de problemas de segurança naquela estrada, recupera o Observador. Pedro Cabral, então diretor-geral da Energia, disse ao mesmo jornal não ter tido conhecimento do referido documento.
Por fim, o primeiro-ministro já tinha afirmado que "o governo não sabia que a zona onde se deu o acidente estava em risco". Na sexta-feira António Costa reiterou que não existem "evidências de responsabilidade do Estado".
Depois do acidente que aconteceu na segunda-feira, o presidente da câmara António Anselmo afirmou estar de "consciência tranquila" e disse não acreditar que "pedreiras licenciadas possam ter posto em perigo a estrada". Todavia, o autarca afirmou que se houver responsabilidade da parte da câmara, assumi-la-á. "Quem a tem sou eu, lamentavelmente. Não quero ter responsabilidades com mortes, mas não fujo a coisa nenhuma."
Outra das questões que permanecem sem resposta é quem marcou a reunião que juntou empresários, autarquia e DRE. No mês seguinte à reunião, António Anselmo afirmou na assembleia municipal, segundo a ata a que o Observador teve acesso, que "há uns meses" havia sido "informado por uns empresários dos mármores que havia um estudo feito na DRE, da parte do serviço geológico, o qual informava que a estrada estava em perigo".
Além disso, fica por responder o que dividiu os empresários do mármore em relação à possível intervenção na EM255 e os motivos que levaram a autarquia a não intervir ou encerrar a via, ou ainda alocar verbas para solucionar um problema que a própria câmara municipal reconhecia como sendo de risco. Olhando para as Grandes Opções do Plano 2018-2021 e para o orçamento municipal de Borba, não é feita qualquer referência à estrada que acabou por abater nesta segunda-feira.